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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Woodstock: visto do Brasil, o sonho que nem começou





por José Esmeraldo Gonçalves

Nos últimos dias, Woodstock cinquentão foi assunto recorrente na mídia. Para as novas gerações, rememorar o festival deve soar como um prospecção arqueológica. Como se cientistas desenterrassem um tatu pré-histórico. Nem o rock e os magistrais solos de guitarra que vibraram no palco da fazenda em Bethel, no estado de Nova York, resistiram ao tempo.

De 15 a 18 de agosto de 1969, os milhares de jovens que se reuniram na plateia que virou lamaçal histórico mandaram uma mensagem ao mundo. No Rio, a 7.884 km, e, de resto, em todo o país, o recado chegou truncado. Em Woodstock pregava-se a liberdade, artigo em falta no Brasil sob ditadura militar radicalizada com o AI-5 editado em dezembro de 1968. Eles tinham Lyndon Johnson no poder, nós tínhamos o general Costa e Silva gravemente doente.

Aqui o sonho nem começou.

Duas semanas depois de Woodstock tomou posse em Brasília, com um "golpe dentro do golpe", no dia 31 de agosto, uma Junta Militar formada por um trio de ditadores: general Aurélio de Lira Tavares, almirante Augusto Rademaker e brigadeiro Márcio de Sousa e Melo.

Pode parecer estranho a quem baixa músicas com um clique no Spotfy ou no You Tube, mas, acredite, o álbum triplo com a trilha sonora do festival foi lançado nos Estados Unidos dois ou três meses depois, tempo em que os produtores editaram 64 rolos de fitas gravadas em oito canais, cada uma com 18 horas de som. No Brasil, salvo discos que viajantes trouxeram, o álbum completo só seria ouvido no começo de 1970, quando foi lançado pela CBS.

"Woodstock, o filme", de Michael Wadleigh, chegou aos cinemas americanos em março de 1970. No Brasil foi exibido no segundo semestre do mesmo ano, com cenas cortadas pela censura, especialmente imagens de pessoas peladas.

Martin Scorsese, que editou o documentário, descreveu anos depois o clima do festival: "Havia a música. A ideia de rejeitar o resto do mundo e viver de maneira natural. Havia a cultura das drogas. A posição contra o governo, especificamente sua política para o Vietnã. E tudo se agrupou naquele momento. É interessante que chamem de Nação Woodstock porque era isso que todos queriam: estar separados, ter sua própria comunidade. E por três dias todos a tiveram. Quando olho para a segunda metade dos anos 1960, percebo que foi o único período em que ouvi falar a sério sobre o amor como uma força para combater a ambição, o ódio e a violência".

As capas dos álbuns reproduzidas acima, fazem parte de uma coleção da LPs que ainda guardo. São uma referência amarrotada, com todas as rugas e cicatrizes, em meio aos pedaços de memórias de uma época agitada.

O da esquerda, reproduzido no alto, comprei em 1970, ao ser lançado aqui. Ajudou a calibrar "pequenos Woodstocks" em torno de velhas vitrolas. Tanto foi gasto que adquiri mais do mesmo: o álbum relançado em 1976, reproduzido no alto á direita.

A imagem panorâmica é a cena central da capa tripla aberta, é de Jim Marshall. A foto de capa é de Burke Uzzle. Hoje com 70 anos, o casal retratado por Uzzle posou no mesmo local para foto de Dan Fastenberg, da Reuters (à esq.)

Nada mais distante da realidade brasileira da época do que Woodstock. Mesmo assim, a julgar por depoimentos posteriores, um penca de roqueiros brasileiros e alguns jornalistas passaram a incluir nas suas biografias um "meninos eu vi de perto Woodstock". Se foi verdade ou não, sabe-se lá. Não havia selfies. E quem iria conferir brazucas entre 400 mil jovens enlameados? Da minha parte, Woodstock foi um álbum, dois iguais, na verdade, um filme e livros lançados nos anos seguintes.

Foi assim que Janis Joplin, Santana, Joe Cocker, The Who, Ten Years After, Jimi Hendrix,  Joan Baez, Richie Havens, Crosby, Still & Nash, John Sebastian, Jefferson Airplane e outros cantaram para um Brasil oprimido três dias de liberdade em uma galáxia muito distante.