segunda-feira, 3 de julho de 2017

SEQUESTRO DE EMBAIXADOR - Como era bom o meu suíço

                           

O desfecho do sequestro na primeira página do Globo, em 16 de janeiro de 1971.  

Em 1967, o embaixador Bucher recebeu de Roberto Muggiati a edição da Manchete
que destacava a Suíça. Foto: Arquivo Pessoal

Por Roberto Muggiati

Deu no Estadão de domingo, 2 de julho agora: “SUÍÇA VENDEU ARMAS AO BRASIL NA DITADURA/Governo autorizou exportações de material bélico para o regime militar, mesmo sabendo das violações aos direitos humanos cometidas no País.”

Esclarece o jornal – na reportagem do enviado especial a Berna, Jamil Chade – que a Suíça não ouviu advertências do seu embaixador no Brasil, Giovanni Enrico Bucher. Já em 30 de outubro de 1968 – vinte dias depois da decretação do AI-5 – o embaixador suíço no Rio de Janeiro, em carta ao Conselheiro Federal e Chanceler Willie Spuehler, destacava “as ações de movimentos estudantis e dizia que os confrontos com as forças de ordem estariam causando ‘preocupações’.” 

Com a total abolição dos direitos políticos e de expressão pelo AI-5, as forças contrárias à ditadura militar – estudantes, líderes operários e até mesmo ex-militares, como o capitão Lamarca – só tiveram uma opção: partir para a clandestinidade. Já em setembro de 1969, militantes de esquerda, em ação espetacular, sequestravam no Rio de Janeiro o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, trocado por 15 presos políticos. 

Em junho de 1970 – enquanto corria a Copa do Mundo do México – foi a vez do embaixador alemão, Ehrenfried von Holleben, sequestrado na sua residência carioca, na subida de Santa Teresa. Desta vez, a troca foi por quarenta presos políticos. 

E, ainda em 1970, no dia 7 de dezembro, foi a vez do embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher. As negociações para sua libertação foram mais complicadas: seus sequestradores exigiam sua troca por setenta presos políticos, mas membros da linha dura militar não concordavam com a quantia. Bucher esteve prestes a ser executado por seus captores e só foi salvo por intervenção do capitão Carlos Lamarca. Como líder da ação, ele assumiu a responsabilidade de aceitar as contrapropostas do governo, salvando a vida de Bucher.

No cativeiro, Bucher, que os guerrilheiros revelaram ser "cordial", jogava biriba com
o comandante Carlos Lamarca. Reprodução

Aliás, depois de mais de um mês de convivência diária com os sequestradores, com seu senso de humor e temperamento “italianado” (filho de um casal de hoteleiros, nasceu em Milão), Gianrico tinha caido nas graças dos guerrilheiros, tornando-se parceiro de biriba de Lamarca. Já no próprio momento da captura ele ironizou com toda a situação: “Não sou americano, sou suíço. Não tenho nada com isso. Rapazes, vocês certamente cometeram um engano.”

Libertado, o embaixador dá entrevista coletiva
ao lado da irmã, Marie Anne. Reprodução Manchete


Trocados pela libertação do embaixador, presos políticos da ditadura militar embarcam para o Chile em janeiro de 1971.


Em posterior interrogatório feito pelas autoridades militares, Bucher se recusou a reconhecer por fotografias qualquer um dos seus cinco captores: Carlos Lamarca, Alfredo Sirkis – que servia como seu intérprete – Tereza Ângelo, Gerson Theodoro de Oliveira e Herbert Daniel. Alegou que eles só se deixavam ser vistos com capuz, o que não era verdade. 

Ainda segundo a reportagem de O Estado de S. Paulo: “No cativeiro, Bucher acabou ficando amigo de uma sequestradora (...) que ajudou a filtrar mensagens do diplomata para parentes e amigos. Ela ainda permitia que, no mês em que Bucher esteve detido, mensagens fossem enviadas a ele.”

Solteirão convicto, Gianrico Bucher foi recebido, após sua soltura, pela irmã Marie-Anne. Na ocasião do sequestro, ele tinha 57 anos de idade. Eu o conheci por essa época, em 1967, quando editei para a revista Manchete uma reportagem especial sobre a Suíça. Era uma política da Bloch fazer estas matérias “de gala” centradas nos países que mais investiam no Brasil, elas vinham recheadas de anúncios das principais empresas dos homenageados. Quando as mais de 30 páginas de reportagem sobre a Suíça saíram publicadas na Manchete, fui entregar um exemplar em mãos ao embaixador. Recebeu-me com grande simpatia em seu escritório, que ficava no prédio da Casa da Suíça, com seu famoso restaurante. Elegante, vestia um terno branco em homenagem ao início da primavera. Mal suspeitava eu que, em pouco tempo, o cosmopolita Giovanni Enrico Bucher protagonizaria um episódio que quase terminaria em sangue e morte. 

Foi assim, muito rápida, a passagem do florido ano de 1967 para 1970 e os Anos de Chumbo...

4 comentários:

F. Mazzaredo disse...

Além de vender armas, a Suíça era depositária do dinheiro de corrupção da ditadura brasileira nos escândalos abafado s dos anos 70. Naquela época, a Suíça era uma caixa preta sem obrigação de transparência. Hoje foi obrigada a se submeter a leis internacionais. Muitos ditadores do mundo tinham conta lá.

F. Mazzaredo disse...

Além de vender armas, a Suíça era depositária do dinheiro de corrupção da ditadura brasileira nos escândalos abafado s dos anos 70. Naquela época, a Suíça era uma caixa preta sem obrigação de transparência. Hoje foi obrigada a se submeter a leis internacionais. Muitos ditadores do mundo tinham conta lá.

J.A.Barros disse...

Esse título: "Como era bom o meu suíço" foi feito em cima do título do filme brasileiro em que conta a história de um francês que é devorado por uma tribo brasileira antropófaga e o seu título era : "Como era bom o meu francês". Mas tudo vale na literatura.

Esther disse...

As ditaduras sempre são amparadas por países ditos civilizados. Agora mesmo os Estados Unidos apoiam a Arabia Saudita que é um ditadura religiosa que oprime cidadãos e humilha mulheres