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quarta-feira, 10 de maio de 2017

Demolição do Palácio Monroe: a crônica da ignorância

O ataque ao Palácio Monroe. Foto de Paulo Scheuenstuhl/Reprodução Manchete

O prédio vítima da arbitrariedade cultural. Reprodução

O metrô, que foi equivocadamente apresentado
como o vilão da demolição, fez uma curva na linha férrea
em direção à Glória exatamente para preservá-lo. Reprodução 


Está em exibição no Rio o documentário "Crônica da Demolição", de Eduardo Ades. O longa-metragem investiga os bastidores de um acontecimento que, na década de 1970, abalou historiadores e cariocas. Em 1976, a ditadura militar então sob a guarda do general Ernesto Geisel demoliu o prédio que foi sede da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal.

Paulo Scheuenstull, fotógrafo da Manchete, registou a cena.

O Palácio Monroe havia sido construído em estrutura desmontável para sediar o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de 1904, em Saint Louis, nos Estados Unidos. Ao fim da mostra, onde o projeto recebeu o Grande Prêmio Mundial de Arquitetura, o prédio foi trazido para o Brasil e remontado no Rio de Janeiro.

Coube a Geisel bater o martelo, ou a picareta, mas o ditador não o único vilão da trama política que transformou o Monroe em entulho. Arquitetos modernistas, à frente Lúcio Costa, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e o Clube de Engenharia pressionaram as autoridades pela demolição não apenas do Monroe mas de todos os prédios de estilo neo-clássico que restavam na Avenida Rio Branco, aí incluídos a Biblioteca Nacional, o Theatro Municipal, o Clube Naval etc.

Digamos que essa "força-tarefa" atuava como hoje fazem os talibãs e Estado Islâmico ao implodir autoritariamente qualquer arquitetura que represente tudo o que eles não são. Um parecer radical de Lúcio Costa defendendo a "terra arrasada" no Centro do Rio foi uma espécie de atestado de óbito lido no Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico. Felizmente, essas últimas edificações sobreviveram à ignorância cultural.

Os defensores da demolição do Monroe se aproveitaram, na verdade, do regime militar e pegaram oportuna carona nos coturnos dos generais. Muitas vozes se levantaram contra o ataque ao prédio histórico, mas quem ouvia vozes naqueles tempos de fuzis? Uma ação popular tentou impedir a demolição, mas quem cederia à "Justiça" naqueles dias? O Jornal do Brasil se posicionou contra o "crime" cultural, mas, entre os militares, quem lia tanta notícia? O CREA, o Serviço Nacional do Teatro, a Fundação Estadual dos Museus, a Secretaria Estadual de Educação e várias outras entidades, além dos muitos cariocas, também lutaram contra a boçalidade dos poderosos. Inútil.

O Globo, em uma série de editoriais, fez intensa campanha para ver o prédio virar poeira, bradava que era um "monstrengo" que atrapalhava o trânsito etc. O Globo chegou a comemorar em editorial quando a última pedra do Palácio foi triturada.

Dizia-se que o Monroe impedia a passagem do metrô, mas a construção do sistema havia feito uma curva na linha ao lado, antes que fosse decidida a demolição, exatamente para preservá-lo, e ainda reforçou a estrutura sobre a base do Palácio. Restaram outras "teorias" que afirmavam que Geisel achava que o Palácio interferia na visão do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. Entre os defensores da demolição havia quem reivindicasse a construção de um edifício-garagem no local. Vai ver que o Rio livrou-se dessa segunda estupidez graças à suposta opinião do Geisel, a de que a visão do Monumento seria prejudicada.

E foi tamanho o ódio talibã ao Monroe, por parte da congregação de demolidores, que não houve nem a preocupação de preservar objetos históricos do Senado. Alguns móveis foram levados para Brasília, mas esculturas de bronze, os leões de mármore, lustres, adornos, móveis de jacarandá, a balaustrada e peças avulsas foram vendidas pela empresa que demoliu o Palácio.

Entre tantos motivos, a história registrou o fato: a demolição do Monroe foi produto de uma cumplicidade entre brutamontes e aloprados.