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quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

AI-5: como a mídia reagiu ao "salve" que a ditadura emitiu há 50 anos...


A primeira página do AI-5 e as...

...assinaturas das...

...figuras que entraram para a história pela porta dos fundos.
Reprodução de documento publico

Alfreeedo! Infelizmente, o papel acima não é Neve.

Entrou para a história como se fosse.

Não era macio, nem absorvente, mas no conteúdo apresentava afinidade com o produto exaltado pelo famoso comercial do mordomo.

Ambos prometiam "limpeza". No caso do AI-5, em nove páginas datilografadas em papel ofício, espaço dois, um Brasil politicamente "higienizado" na visão do sinistro "Arthuuur!" instalado em Brasília. 

Com as assinaturas acima, a ditadura inaugurada em 1964 recebeu um poder ainda maior, praticamente sem limites. Como consequência, autoridades e "otoridades" ganharam um "salve" (que na gíria das  atuais organizações criminosas é um espécie de "ordem" geral) para prender, sequestrar, torturar, assassinar, exilar, censurar, perseguir, intimidar, cassar mandatos, deter jornalistas, suspender os direitos políticos e individuais que ainda restavam, ocupar governos estaduais, prefeituras e fechar o Congresso.

Costa e Silva e ministros no Palácio Laranjeiras...

...onde Gama e Silva , da Justiça,
 e o locutor Alberto Cury
anunciaram o Brasil "sem escrúpulos'' Fotos Arquivo Nacional 

No dia 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, Costa e Silva - o militar linha-dura em plantão no governo -, e seus ministros jamegaram o papelucho em mal traçadas linhas que avalizaram o sequestro da liberdade: Costa e Silva, Luís Antônio da Gama e Silva, Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares, José de Magalhães Pinto, Antônio Delfim Netto, Mário David Andreazza, Ivo Arzua Pereira, Tarso Dutra, Jarbas G. Passarinho, Márcio de Souza e Mello, Leonel Miranda, José Costa Cavalcanti, Edmundo de Macedo Soares, Hélio Beltrão,
Afonso A. Lima, Carlos F. de Simas.







No dia seguinte, os jornais já sob censura, embora alguns fossem claramente adeptos do regime, limitaram-se a noticiar o fato e transcrever o ato. Em reimpressão no mesmo dia, o Estado de São Paulo ainda registrou que teve a edição apreendida.
O Jornal do Brasil deixou seu protesto cifrado, no alto da página, em forma de "previsão do tempo".

A Veja, publicação recém-lançada, já estava no radar do regime.

No dia 4 de dezembro, a edição número 13 chegou às bancas com uma capa que mostrava uma foto do Congresso visto através de um vidro estilhaçado e a chamada profética: "O Congresso  Pressionado. Chegaremos a isso?". De fato, o Congresso estava sob pressão desde setembro daquele ano quando o deputado Márcio Moreira Alves pediu em discurso que, em protesto contra "os carrascos que espancam e metralham nas ruas", as famílias evitassem que seus filhos participassem do desfile de 7 de Setembro. Um trecho exortava: "esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais". Diz-se que houve quem interpretasse aquele apelo como um incentivo a uma greve de sexo contra militares. Fato ou fake, a linha dura já vinha endurecendo ao longo do ano. O AI-5 foi o manifesto do "golpe dentro do golpe". O discurso de Moreira Alves e a votação do Congresso que negou abertura de processo contra o deputado, como queriam os militares, eram pretextos úteis para a radicalizar a repressão. 


Naquela sexta-feira, a Veja tinha como opções de capa Paulo VI, que naquela semana pregava que a Igreja vivia "um momento de autodestruição provocado pelo liberalismo do Concílio Vaticano II", e Castelo Branco, como referência simbólica ao primeiro ciclo do regime militar e às medidas de exceção que encerravam esse período. Fechou com o último. No sábado, trocou a capa. A redação foi buscar nos arquivos da Folha de São Paulo uma imagem ainda mais simbólica feita meses antes pelo fotógrafo Roberto Stuckert quando Costa e Silva visitava o Congresso Nacional. O militar posara para Stuckert em um plenário vazio, o mesmo que ele viria a fechar. A edição da Veja, recebida como uma "provocação" foi rapidamente apreendida. 

A edição da Manchete naquela semana registrou factualmente o AI-5. Durante o ano de 1968, as duas semanais da Bloch haviam feito uma intensa cobertura fotográfica das passeatas. Nas revistas ilustradas, inclusive em capas, os protestos ganhavam uma dramaticidade extra. Com o esforço das suas equipes de repórteres e fotógrafos, cumpriram um papel jornalístico. Apesar disso, e como boa parte da mídia, a Bloch ajudava a construir uma imagem positiva do regime. Internamente, sabe-se que, naquele dia 13 de dezembro, o AI-5 repercutiu na editora. À noite, o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi preso ao sair do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. JK era, como se sabe, grande amigo de Adolpho Bloch.  Ontem, em texto de Miguel Enriquez, o site Diário do Centro do Mundo (DCM) lembrou que JK logo foi abandonado "pela legião de áulicos que o cercavam nos tempos áureos". "Uma das raras exceções naqueles tempos de ostracismo, ao lado do então deputado federal Tancredo Neves e do banqueiro Walter Moreira Salles, atendia pelo nome de Adolpho Bloch. Sempre fiel, disposto a socorrê-lo em todos os momentos de dificuldades financeiras e pessoais, Bloch chegou a destinar uma sala especial para JK no último andar do prédio que sediava suas empresas, na Rua do Russell, no bairro da Glória, no Rio de Janeiro", escreve o DCM. A solidariedade a JK rendeu ameaças a Adolpho Bloch. A revista Manchete, contudo,  jamais desafiou o regime, ao contrário, exaltou o "Brasil Grande" em sucessivas reportagens ao longo da década de 1970. Nunca sofreu censura prévia oficial. A única revista da Bloch obrigada a mandar textos e fotos para Brasília foi a EleEla. O que a Manchete teve durante aqueles anos foi um "coronel" ou assemelhado que circulava informalmente pela redações e cuja função era detectar reportagens incômodas aos governos militares. Muitas matérias sucumbiram na mesa de redatores e editores. Umas poucas foram publicadas e renderam convites aos editores para visitar a sede da PF ou do DOPS. Justino Martins e o repórter Geraldo Lopes, por exemplo, entraram nessa lista. O próprio Adolpho Bloch recebeu, certa vez, um grosseiro telefonema de Armando Falcão, então ministro da Justiça, que praguejou contra uma matéria publicada na Fatos & Fotos sobre um caso policial que envolvia um agente do governo.

É justo registrar que, assim como O Globo, a Bloch abrigou - especialmente depois do AI-5 - vários jornalistas perseguidos pela ditadura e que, por isso, não conseguiam empregos em vários veículos.

O AI-5 permanece como um alerta histórico de que a democracia é tão indispensável quanto frágil.

De tempos em tempos seus inimigos apontam no horizonte.