Sarney presenteou Gorbachev com um quadro de sua própria autoria. |
por José Esmeraldo Gonçalves
Mikhail Gorbachev morreu ontem, aos 91 anos. Ele entrou para a história na década de 1980 como o político que promoveu as reformas de abertura que levaram ao fim da União Soviética. Por isso, o Ocidente lhe concedeu o Nobel de 1990.
Gorbachev provavelmente mantinha na estante, em lugar de honra, a medalha que os vencedores do ambicionado prêmio recebem. O que não se sabe - e deverá se tornar um mistério das Artes - é o que foi feito de um presente que Gorbachev recebeu do Brasil.
Em 1988, quando visitou a URSS agonizante, o então presidente José Sarney levou um mimo especial para o então Secretário-Geral do Partido Comunista. Talvez pela grave crise econômica que o Brasil enfrentava no mandato do maranhense, o Itamaraty não comprou um presente especial - a cortesia que faz parte do cerimonial que rege encontros de chefes de Estado - para o criador da perestroika e da glasnost. Sem modéstia, Sarney deu ao líder soviético um dos seus quadros. Poucos sabem que Sarney, que presidiu a Arena, partido que fazia a cenografia "democrática" da ditadura para fingir que não era ditadura, era dado à pintura. Soube-se que ele criava suas obras na varanda do Sítio São José de Pericumã. Inicialmente, pintava paisagens que só a família via. Quando foi morar no Alvorada e, talvez, entre um intervalo e outro da elaboração do desastrado Plano Cruzado, ele concluiu que seus pincéis poderiam ser mais ousados e transmudou-se para a escola impressionista. Em um ponto Sarney lembra Van Gogh: ele não vende quadros em vida.
A foto da obra levada a Moscou foi publicada na Manchete, em 1988, mas o redator que escreveu a legenda deve ter ficado na dúvida e cravou que o estilo do então presidente estava "entre o figurativo e o abstrato". Quer dizer, situava-se em um limbo artístico. A mesma matéria informava que Sarney passara a pintar obras sacras, como um Botticelli de São Luís.
A mulher de Gorbachev, Raissa, morreu em 1999. Ele deixa ums filha, Irina Mikhailovna Virganskaya, e uma neta. Formalmente, são as herdeiras da obra do pintor José Sarney, caso Gorbachev tenha guardado o quadro.
Moscou, 2021: Gorbachev, em casa. Foto Divulgação |
Em 2021, o documentário “Gorbachev. Céu”, do diretor russo Vitaly Mansky, foi exibido no Brasil durante o festival “É Tudo Verdade”. O filme mostrava o solitário ex-líder russo em sua mansão em Moscou. O quadro do Sarney não estava na parede. No Kremlin, como turistas podem ver em algumas salas, também não é visível. Registre-se que o Kremlin tgem salas subterrâneas secretas escavadas para guardar obras de arte. Uma delas fica no porões da Catedral da Anunciação. Vai ver o quadro de Sarney está lá devidamente preservado para as gerações que sobreviverem à hecatombe nuclear.