quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Há 60 anos: Na minha primeira manhã em Londres, o mundo chorava MM • Por Roberto Muggiati

 “Uma garota esperta beija, mas não ama; ouve, mas não acredita; e se manda antes de ser abandonada.” 

                                                                                                             MARILYN MONROE


• Marilyn evoluiu de comediante leviana para atriz dramática: em seu último filme, The Misfits/Os desajustados, de 1961...



                              ...com Montgomery Clift, outra figura do lado sombrio de Hollywood. 

                                                                      Foto Divulgação


No final da tarde de domingo, 5 de agosto de 1962, cheguei a Londres após um longo voo iniciado no dia anterior no aeroporto de Viracopos. Fui gentilmente recebido no terminal aéreo pelo chefe do Serviço Brasileiro, Alberto Palaus – um catalão naturalizado britânico – que me convidou para um drinque num pub antes de me levar a um pequeno hotel, não longe dos escritórios da BBC. (Eu iniciava um contrato de três anos como Programme Assistant nas transmissões em português para o Brasil.)



Na manhã seguinte, ao sair à rua, tive um choque. As calçadas semidesertas do feriado bancário estavam coalhadas de jornais e cartazes que anunciavam em letras garrafais: MM DEAD

Aproximando-me, pude ler o restante da manchete: ‘IT LOOKS LIKE SUICIDE’.

Em Los Angeles, na casa de Marilyn no bairro de Brentwood, a empregada viu luz por baixo da porta do quarto da atriz às três da manhã de domingo.. Bateu, mas Marylin não abriu a porta, que estava trancada. A empregada ligou para o psiquiatra Ralph Greenson, que avisou a polícia. O médico que acompanhava a patrulha confirmou a morte de MM por volta das 3h50. Exames posteriores indicaram que a morte ocorreu entre as 20h30 e 22h30 do sábado. Marilyn tinha completado 36 anos dois meses antes. Segundo a análise toxicológica, a causa da morte foi intoxicação por barbitúricos. A possibilidade de uma overdose acidental foi descartada: as dosagens em seu corpo eram várias vezes superiores ao limite letal.


• Com o primo Zeca e a irmã Beatriz, inspecionando em Viracopos o avião da BOAC que me levaria a Londres, “o meu avião”. Em 1962, os aeroportos não eram tão indevassáveis como hoje em dia.


Tempos depois, tentei recapitular onde eu estava nos últimos momentos de vida de Marilyn. Não foi difícil: no ar, a bordo do avião da BOAC que me levava a Londres. Guardo até hoje o menu do voo, que faz um contraponto sinistro com as horas derradeiras de MM. Enquanto ela se debatia com a ideia do suicídio, naquela tarde de sábado, as comissárias serviam o jantar aos passageiros, entre o Rio de Janeiro e Recife. Transcrevo do cardápio da BOAC – pretensioso no seu francês com tropeços de grafia e concordância, mas apetitoso quand même:

DINER

Consommé Double en Tasse

Fillet de Boeuf Poelée Bouquetière

Pommes Parisiènne

Salade Palmito

Mille Feuille Chantilly

ou Fromages Assorties

Os voos da época eram pródigos na oferta de bebidas, entre elas Whisky, Gin, Dry Martini, Sherry, vinhos da Borgonha e de Bordeaux, Cognac VSOP, Vinho do Porto e licores finos.

Marilyn tinha acabado de morrer quando era servido o café da manhã, entre Dacar e Lisboa.


PETIT DÉJEUNER

Céreales à la Crème

Gâteau à l’Anglaise

Thé – Café – Crème

Jus de Fruits


Dr. Noguchi: o legista das celebridades. Reprodução

Marilyn Monroe foi a primeira celebridade autopsiada pelo Dr. Thomas Noguchi, médico nascido e formado no Japão que havia emigrado para os Estados Unidos. Ao longo da década de 1960 ele supervisionaria a autópsia de personalidades e artistas como Robert Kennedy, Sharon Tate, Janis Joplin, Inger Stevens, Gia Scala, David Janssen, William Holden, Natalie Wood, e John Belushi, o que lhe valeria o título de “legista das estrelas”.

A autópsia de Robert Kennedy por Noguchi foi controvertida. Ele concluiu que o tiro fatal foi desferido na nuca de Kennedy, atrás da orelha direita, de cima para baixo e a uma distância de 15 e 75 milímetros. Essa interpretação induzia à suspeita de um complô, pois o acusado do assassinato, Sirhan Sirhan, segundo as testemunhas, nunca foi visto a menos de um metro de distância de Kennedy e em posição de dar aquele tipo de tiro. A discordância de Noguchi da “versão oficial” valeu a ele o afastamento do cargo.

Voltando a Marilyn Monroe, que foi sua “finest hour”, o polêmico Dr. Noguchi deveria estar retalhando com seu bisturi um dos corpos mais desejados do século, enquanto o Voo 644 da BOAC cumpria sua última etapa, Lisboa-Londres – com direito a almoço.

DÉJEUNER

Bisque d’Ecrevisses

Mixed Grill à l’Anglaise

Petit Pois au Beurre

Pommes Noisette

Gâteau Suchard

ou Fromages Assorties

Café

Várias teorias conspiratórias sobre a morte de Marilyn surgiriam com estardalhaço nas décadas seguintes, através de livros, filmes documentários ou ficcionalizados, especiais de TV, levantando hipóteses como overdose acidental, crime passional ou assassinato político. As especulações de homicídio levantadas em 1973 pelo livro de Norman Mailer Marilyn levaram até a justiça de Los Angeles a realizar uma "investigação liminar" em 1982, mas nenhum indício de crime foi encontrado.

Em 2014, o livro The Murder of Marilyn Monroe: Case Closed, do “marilynólogo” Jay Margolis e do autor best-seller Richard Buskin, aponta Robert F. Kennedy como o mandante da “queima de arquivo”, para evitar que Marilyn revelasse segredos de seu relacionamento com os irmãos Kennedy. A morte teria sido causada por uma injeção letal no coração, com a participação de seu psiquiatra e do então cunhado dos Kennedy, o ator Peter Lawford e a cumplicidade do legista, Thomas Noguchi. Em agosto de 2018, o governo dos Estados Unidos divulgou documentos oficiais mantidos em sigilo por mais de 50 anos, segundo os quais a atriz teria abortado um filho, fruto de seu relacionamento secreto com Robert F. Kennedy.

PS – Alguns de vocês, ou muitos até, talvez estranhem a presença e o papel insólitos nesse relato de um mero suvenir de viagem, o menu de bordo da BOAC. Na verdade, ele representa para mim o troféu de uma travessia fantástica em que um jovem curitibano de classe média remediada veria e participaria de uma das maiores revoluções comportamentais e culturais de todos os tempos. Naquele agosto de 1962, aterrissei numa Londres ainda vitoriana. Três anos depois, eu deixava outra cidade, a fabulosa “Swinging London”. Enquanto Marilyn Monroe morria, eu renascia, coberto de glória, para um mundo renovado.

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