Moscou, outubro de 1988, Adolpho Bloch entrega a Mikhail Gorbachev a Edição Especial da Manchete, em russo. Foto Gervásio Baptista |
Durante uma das reuniões com José Sarney, Gorbachev folheia a Manchete, em russo, e recebe outras edições internacionais da revista, também sobre o Brasil, em inglês e francês. Foto Gervásio Baptsta |
Outubro de 1988, madrugada no Rio de Janeiro. Uma lua fraca banha o Aterro do Flamengo. Nas areias dos campos de futebol, peladeiros se imaginam craques em pleno Maracanã e trocam caneladas furiosas em busca do gol. Seus gritos não são ouvidos pela jornalista Miriam Malina. Na sala de fotocomposição da revista Manchete, ela digita textos em russo. Percebe vultos que passam de vez em quando às suas costas. Adolpho Bloch e seu sobrinho Pedro Jack Kapeller, preocupados, perguntam se está faltando algo: água gelada, um cafezinho? Miriam prossegue seu solo no teclado em que caracteres cirílicos foram colados sobre o nosso rotineiro qwertyuiop. Adolpho Bloch queria (porque queria) fazer uma Manchete em russo para distribuir em Moscou durante a visita do Presidente Sarney. E assim foi feito. As fontes de tipologia russa foram importadas das máquinas de impressão Mergenthaler, na Alemanha. Os textos para a revista – uma espécie de vitrine do Brasil, no melhor papel couché – foram escritos pelos principais redatores da casa. Coube a Miriam Malina passar tudo para o russo. Ela havia estudado direito internacional na Universidade Patrice Lumumba, em Moscou, de 1961 a 1968. De volta ao Brasil, foi submetida a torturas que a obrigaram a sofrer várias cirurgias e a andar de muletas por muito tempo. Depois da abertura política, Mirim encontrou um lugar na Manchete. Adolpho Bloch nunca deixou que raça, credo ou ideologia o impedissem de contratar os jornalistas que queria. E Miriam foi uma peça fundamental na revista que ele acabaria entregando pessoalmente a Mikhail Gorbachev, o político que – com a sua Perestroika – operou uma das maiores mudanças na política global do século 20.
O lançamento em Moscou de uma Manchete escrita inteiramente em russo envolveu outras peripécias. Adolpho Bloch e sua mulher Anna Bentes estavam em Brasília com os pacotes de revistas, prontos para embarcar no avião presidencial que os levaria a Moscou, quando um diplomata russo apontou um erro de digitação na página de abertura em que aparecia o texto do Presidente Sarney. Em vez de “Mensagem ao povo soviético” lia-se “Mensagem ao povo brasileiro”. Adolpho pensou em imprimir tudo de novo, mas não havia tempo. A solução foi imprimir a frase correta em etiquetas autoadesivas que seriam coladas manualmente sobre a frase errada. A tarefa acabou sobrando para Anna Bentes. As etiquetas foram mandadas da gráfica de Parada de Lucas para a sucursal de Paris. No hotel, durante a escala da viagem até Moscou, Anna pacientemente colou as etiquetas exemplar por exemplar. O trabalho continuou em Moscou. Valeu a pena. Adolpho entregou a revista na primeira audiência que Sarney teve com Gorbachev. O líder soviético ficou tão impressionado que, durante o jantar que ofereceu no Kremlin, saiu do seu caminho e rompeu o protocolo para conversar com Adolpho. O empresário brasileiro contou que tinha nascido em Jitomir, na Ucrânia, em 1908, e relatou como seu pai, dono de uma tipografia, havia impresso dinheiro para o governo provisório de Kerenski, pouco antes de os comunistas tomarem o poder. Gorbachev comentou: “Seu russo continua perfeito.”
Como de praxe, o líder soviético também tinha o seu apelido entre nós: “Gorba o russo”, para fazer pendant (outro de nossos francesismos) com “Zorba o grego”. Essa piada Adolpho não pôde contar a Gorbachev. A maioria dos apelidos na Manchete era exclusividade da redação.
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