sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Há 85 anos, a última cobertura de Gerda Taro: a primeira mulher fotojornalista de guerra

O sorriso de Gerda Taro cativava Paris em 1933. 


Taro e a Leica.  Foto Robert Capa

A notícia da morte da fotógrafa e...


...uma página dupla da matéria da Life em sua homenagem.


por José Esmeraldo Gonçalves 

Em 1937 os republicanos travavam uma dura batalha contra os nacionalistas fascistas liderados por Francisco Franco, com apoio de "consultores", tanques, fuzis e aviões alemães cedidos por Adolpho Hitler. 

Entre 6 e 25 de julho, os republicanos perderam 25 mil homens, muitos deles engajados nas brigadas internacionais. A Guerra Civil Espanhola se estendeu até 1939, mas a Batalha de Brunete, uma pequena cidade a 35km de Madrid, representou para os republicanos, além da perda de tantas vidas, a destruição de valioso equipamento militar. 

Combate em Brunete, na Espanha, a última cobertura. Foto de Gerda Taro

Brunete também entrou para a história como o ponto final da curta, mas essencial, trajetória da primeira mulher fotojornalista a cobrir uma guerra. No dia 26 de julho de 1937, há 85 anos, a fotógrafa Gerda Taro, já sem estoque de filmes, procurava uma carona para deixar a região em vias de ser totalmente ocupada pelas tropas fascistas. Gerda conseguiu um lugar em uma viatura que era usada para transportar feridos. Uma esquadrilha de Stukas, bombardeios de mergulho da Luftwaffe, castigava intensamente as forças republicanas e atingia um tanque que vinha imediatamente atrás do veículo que levava a fotógrafa. Fora de controle, o blindado esmagou a viatura. Gravemente ferida, a fotógrafa morreu no dia seguinte. Nascida em Stuttgart, filha de comerciantes judeus, foi vítima de um bomba nazista uma semana antes de fazer 27 anos. 


Com Robert Capa, em 1935, em Paris e...


...na linha de frente, em Córdoba, em 1936: Capa, que usa o único capacete disponível
na ocasião, coloca-se à frente de Gerda.Foto Roberto Capa


Quatro anos antes, após ser detida por distribuir panfletos e participar de protestos contra o nazismo, ela deixou a Alemanha e fixou-se em Paris. Foi onde Gerda, cujo nome verdadeiro era Gerda Pohorylle, conheceu o fotógrafo húngaro Endre Friedman, que lhe ofereceu um emprego de assistente. Entre câmeras, lentes, filmes, ela se iniciou na fotografia orientada por Friedman. O escurinho do laboratório tanto os aproximou que os dois se apaixonaram. Juntos, fizeram planos para vender fotos para outros centros europeus e, principalmente, para o ambicionado mercado norte-americano. Como meio de evitar o preconceito contra judeus disseminado na Europa, os dois criaram identidades, digamos, neutras. Endre tornou-se Robert Capa e Gerda adotou o sobrenome Taro. Dessa época, muitas fotos, de comum acordo, foram publicadas sob uma das marcas criadas: a de Robert Capa. Paralelamente, a outra marca, a de Gerda Tato, popularizava-se entre publicações antifascistas e comunistas na Europa. 

O arranjo funcionou bem até que eclodiu a Guerra Civil na Espanha, que mobilizou a intelectualidade antifascista que agitava Paris. Capa e Gerda intuiram que o foco dos acontecimentos se reajustava e viajaram imediatamente para Barcelona. Nas primeiras pautas na guerra, a fotógrafa usava uma Rolleiflex. Não demorou muito a adotar a Leica III, equipamento avançado para a época, usado por Capa e que dava muito mais mobilidade nas coberturas de ações militares. O filme 35mm oferecia 36 poses, enquanto as câmeras reflex, que usavam o filme 120, rendiam apenas 12 poses, o que fazia enorme diferença nos campos de batalha. 

Um trabalho que tornou Gerda famosa no mercado internacional foi a coberturas que fez, sozinha, do bombardeio de Valença por aviões nazistas a serviço de Franco. O material foi publicado por veículos das principais capitais europeias e nos Estados Unidos e definiu o seu campo de trabalho preferencial: a guerra. 

Capa e Gerda foram para a Espanha acompanhados do amigo e fotógrafo David "Chim" Seymour. Em poucos anos, os três se tornaram lendas da e referência da fotografia de guerra. O trio morreu em serviço, mas o tempo de Gerda, contudo, seria dramaticamente curto. Capa morreu na Guerra da Indochina, em 1954; "Chim" em 1956, na Guerra do Canal de Suez; e Gerda, na Espanha, como relatado acima, apenas um ano após começar a cobrir a Guerra Civil. Seu enterro no cemitério Père Lachaise, em Paris, exatamente no dia do seu aniversário, 1 de agosto, atraiu milhares de pessoas.  

Em 2007 foi encontrada na Cidade do México, a "Mala Mexicana", que continha milhares de negativos, até então desaaparecidos, de Taro, Capa e Seymour. O valioso achado - encontrado por herdeiros de um general -  teve consequências virtuosas: foram finalmente identificadas centenas de fotos feitas por Taro que eram atribuída a Capa; e foi possível conhecer a extensão da sua obra. Em 2016, um exposição em São Paulo (registrada neste blog em https://paniscumovum.blogspot.com/search?q=Gerda+Taro ) reuniu fotos encontradas na "Mala".

Em seu discurso fúnebre no Père Lachaise em homenagem a Gerda Taro, Pablo Neruda havia sentenciado: "Ce qui est pire que la mort c'est la disparition". Em tradução livre, "o desaparecimento é pior que a morte". Neruda se referia à ausência de Garda no seu círculo de amigos em Paris e ao vazio no coração do seu amado Capa. 

Para a fotografia, Garda não sumiu, eternizou-se. 

Um comentário:

Nilton Muniz disse...

Lindas fotos, ótimo texto! Parabéns, Esmeraldo!

Abrs
Nilton