sábado, 13 de fevereiro de 2016

Memórias da redação: Na ditadura não era mole...


Por Roberto Muggiati

Alguns episódios – ao mesmo tempo curiosos e trágicos – sobre os atentados à liberdade de expressão durante a ditadura militar.

• Em 1970, diretor da Fatos&Fotos, fui intimado para uma conversa com um delegado da Polícia Federal sobre uma matéria denunciando o tráfico de mulatas para a Alemanha. Preocupados, lá fomos eu e o Murilo Melo Filho, Diretor Responsável de todas as publicações da Bloch. O delegado, agindo em causa própria, nada mais queria senão se fazer convidar para almoçar com uma mulata amiga dele no restaurante do terceiro andar e emplacar uma matéria sobre a moça no Ele&Ela...

• Em 1978, antecipando a primeira visita do Príncipe Charles ao Brasil (aquela em que ele sambou com a Pinah), Manchete deu matéria de capa com uma foto esplendorosa do Príncipe.
No miolo da revista, havia uma reportagem em preto&branco comprada da revista Stern sobre o novo guru-sensação, o Rajneesh. A matéria abria com uma foto em página dupla mostrando uma dezena de fieis totalmente nus em transe no ashram de Poona, na Índia. Estavam numa atitude religiosa, num ritual de purificação, mas a malícia brasileira viu naquilo uma suruba. Manchete quase sambou também. Assim que a revista foi para as bancas, um juiz de menores (não vou dizer o nome) empreendeu uma cruzada para apreender a edição. Imaginem só o prejuízo! Oscar Bloch saiu em campo com um batalhão de advogados para impetrar recursos contra a apreensão da revista pelo Brasil afora. O tempo jogou a nosso favor e a revista esgotou. Anos depois, o dito cujo juiz de menores foi destituído do cargo sob a acusação (comprovada) de pedofilia...

• Para deter a evasão de divisas, a ditadura inventou nos anos 70 uma taxa provisória de viagem ao exterior, só recuperada seis meses ou um ano depois. Era uma grana preta, o equivalente ao preço da passagem.
Criamos uma capa da Manchete sobre o tema, com uma foto (produzida em estúdio) de um casal jovem da classe média elegantemente vestido, com os pés presos por correntes a bolas de ferro pretas, nas quais estava estampada a quantia do imposto, 12 mil não-sei-em-que-moeda... A capa só saiu depois que Oscar Bloch obteve um nihil obstat do Ministro da Fazenda - o Rischbieter ou o Simonsen, não lembro qual.

• Finalmente, houve a edição em que Adolpho Bloch peitou e deu o troco. O Balé Bolshoi de Moscou tinha uma turnê agendada para o Brasil.
Algum energúmeno de não sei quantas estrelas viu naquilo uma ameaça à soberania nacional. Que mensagens comunistas poderiam estar embutidas no Lago dos Cisnes ou na Suite Quebra-Nozes?
Adolpho Bloch mandou que publicássemos uma reportagem de capa na abertura da revista sobre a importância cultural daquela fabulosa instituição que era o Balé Bolshoi, acima e além de qualquer ideologia.
A ditadura engoliu aquela e nada pôde fazer contra o bravo ucraniano de Jitomir.


7 comentários:

Mateus disse...

Essa do Balé Bolshoi é famosa para quem viveu a época e entrou para os nais do ridículo da ditadura e sua corja de censores

Telma disse...

se O GOVERNO ATUAL LER SOBRE A TAXA DE VIAGEM QUE A DITADURA INVENTOU VAI QUERER IMITAR

Alexandre Raposo disse...

Bela matéria, Muggiati. Mais um capítulo de sua bio? Aguardando, ansioso.

Maria disse...

Você tem essa revista do bolshoi? Se tiver, me fala? Queria saber sobre uma foto, se está nesta revista. Obrigada.

Maria disse...

Você tem essa revista do bolshoi? Se tiver, me fala? Queria saber sobre uma foto, se está nesta revista. Obrigada.

Administrador disse...

Infelizmente não dispomos da referida revista. Uma alternativa a que pesquisadores e jornalistas recorrem é a busca em sebos de revistas. A título de informação a ABI, no Rio, tem uma coleção da revista, além do conhecido acervo da Biblioteca Nacional.

Maria disse...

Eu não tenho interesse em comprar a revista, só mesmo ver uma foto que eu acho que está nesta edição. Mas obrigada!