sábado, 20 de novembro de 2010

Glória aos piratas...

(Foto:Reprodução/Globo, edição de hoje)
por José Esmeraldo Gonçalves
O Globo de hoje - Dia da Consciência Negra - publica uma excelente matéria sobre a Revolta da Chibata, que completa 100 anos na segunda-feira, 22. Assinado pelo jornalista Flávio Henrique Lino, o texto relata a garra e o drama do grupo de marinheiros liderados pelo negro João Cândido Felisberto que assumiu o controle do couraçado Minas Gerais, um dos mais poderosos navios de guerra da época, em 1910. Flávio compara a revolta, que durou seis dias, ao motim do encouraçado Potemkim que desafiou a Rússia imperial em 1905. Mas o próprio repórter alerta que a Revolta da Chibata não buscava um objetivo político direto mas o fim dos castigos corporais a bordo dos navios da Marinha de Guerra.
O Brasil celebra - João Cândido saiu da sua luta como o Almirante Negro - e a Marinha até hoje ignora as comemorações da data. Para os oficiais que aplicavam as chibatadas e para o comando elitista da Armada, o episódio foi uma derrota. À frente de um tripulação de mais de mil homens, o Almirante Negro apontou 120 canhões para a cidade. O governo cedeu e foi obrigado a mudar a lei e acabar com a crueldade dos castigos. Mas a vingança oficial não demoraria a vir. O governo Hermes da Fonseca logo descumpriu o decreto de anistia e prendeu alguns marinheiros rebeldes na Ilha das Cobras. Menos de 20 dias depois, sobre pretexto de um levante de fuzileiros, bombardeou a ilha. A ação resultou em cerca de 500 mortos. Flávio conta que João Cândido, que se declarou contra essa revolta dos fuzileiros, foi preso e jogado em uma cela empapada de cal. Dos 18 ocupantes da masmorra, apenas dois sobreviveram. Um deles, o Almirante Negro, que morreu em 1969, em plena ditadura, sem ver reconhecidos os heróis da Revolta da Chibata.
O episódio diz muito sobre a luta do Brasil contra o racismo. Apenas os dois últimos presidentes, na longa história de República, promoveram ações efetivas nesse campo.
O primeiro Presidente da República a reconhecer publicamente que o Brasil tem estruturas sociais e culturais que produzem racismo foi Fernando Henrique, que atendeu à Primeira Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Igualdade e pela Vida (o movimento levou 30 mil pessoas a Brasília) e criou, no seu primeiro governo, o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra. Isso aconteceu em 1995. O presidente Lula criou depois a Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial. Mas há fortes bolsões de resistências a essas políticas ainda incipientes. O recente Estatuto da Igualdade Social, um iniciativa importante, foi aprovado pelo Congresso mas saiu desfigurado pela intervenção das bancadas da direita e de representantes da elite conservadora do país. A política de cotas para as universidades continua aí sob bombardeio. E a recente campanha eleitoral mostrou que o racismo está vivo e atuante na sociedade e é um crime a ser punido.
Segundo os documentos históricos, hoje é o dia em que Zumbi dos Palmares foi capturado e morto. A data tem um forte simbolismo. Merece reflexão. Mas a realidade ainda exige que o Brasil se mexa para vencer o preconceito.
Duvida? Pois o IBGE constata que quem nasce negro no Brasil tem menor expectativa de vida, mais dificuldade de se empregar, salários em média mais baixos, e acesso mais difícil à saúde e à educação em todos os níveis.
Dia da Consciência Negra. Dia de ouvir a genial "Mestre-Sala dos Mares", de João Bosco e Aldir Blanc, na voz de Elis Regina.
A censura da ditadura militar nos anos 70 obrigou os autores a mudar a letra. Os militares cassaram a expressão "Almirante Negro" que, na letra liberada virou "Navegante Negro", "Bravo marinheiro" virou "Bravo feiticeiro" e "ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas", da letra original, transformou-se pela força da tesoura em "e ao acenar pelo mar na alegria das regatas". A ditadura e os censores são degetos da História; a canção de João Bosco e Aldir Blanc permanece. Ouça Ellis.

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2 comentários:

debarros disse...

Na minha opinião, não é com favorecimento de "cotas'" que o negro no Brasil seja alçado as Universidades. Acho que para manter a sua dignidade como pessoa é através do estudo, dos caminhos normais que ele deve percorrer, como os seus irmãp brancos, para chegar aos bancos das Faculdades.
Para isso, o governo em vez de ficar criando "cotas" – o que é muito cômodo para ele – deveria investir na Educação, criando escolas, professores a altura de ensino desejado e botando as crianças, negras e brancas, nas escolas. Em dez anos teremos uma nova geração apta para ingressar nas Faculdades, sem que os negros venham a precisar de favorecimentos, concorrendo ombro a ombro – o que os deixaria orgulhosos – com os seus irmão bancos. É assim que se forma homens de caracteres e qualificados para ajudar o seu país a crescer e ir pra frente. Sem favoritismos e assistencialismos.

Gonça disse...

debarros, as cotas são uma questão de justiça. Claro que governos, seja de sociólogos ou de operários, devem investir em educação já. Mas há toda uma geração que compete em desigualdade com estudantes que pagam cursinhos caríssimos para entrar na universidade. Cotas são legímitas, sim,e não são uma invenção do Brasil, países desenvolvidos usam esse sistema. No Brasil, qualquer política social é chamada pejorativamente de "assistencialismo". Os maiores beneficiários do caixa do governo são grandes empresários, banquiros, são os grandes sonegadores históricos, isso ninguém chama de "assistencialismo".
Voltando à educação, qualquer novo mecanismo nessa área que dê acesso a estudantes mais carentes, brancos, negros, mulatos, indios etc é bombardeada. O Enem, por ezemplo, foi e é combatido pela industria dos cursinhos já que milhares d estudantes todo ano ganham acesso a faculdades sem precisar passar pela lucrativa indústria dos cursinhos. Aliás, já há pesquisas acadêmicas que constatam o bom rendimento de alunos cotistas nas universidades que praticam o método.