quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Nem Bolsonaro nem Dória: quem começou a vacinação no Brasil foi a Embaixada da Rússia. Funcionários brasileiros da representação já foram vacinados

 



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ABI se coloca à disposição dos jornalistas Ruy Castro e Ricardo Noblat para enfrentar ameaça do governo à liberdade de expressão

 


Do site oficial da ABI

"O presidente da ABI, Paulo Jeronimo, telefonou nesta segunda-feira,11, para o jornalista e escritor Ruy Castro, manifestando solidariedade e colocando a  Casa do Jornalista à disposição do companheiro, alvo do ministro da Justiça, André Mendonça, que anunciou no domingo, 10,  que pedirá abertura de inquérito contra Ruy Castro após texto sobre Bolsonaro.

Paulo Jeronimo ouviu de Castro que a questão está sendo acompanhada e conduzida pelo jurídico do jornal “Folha de S.Paulo”, do qual ele é colunista. E mostrou-se “reconfortado” com o apoio da ABI.

O ministro André Mendonça, anunciou no último domingo que vai pedir abertura de inquérito policial contra o escritor Ruy Castro e contra o jornalista Ricardo Noblat.

Em sua coluna no jornal “Folha de S.Paulo”, Ruy Castro ironizou o presidente americano, Donald Trump, após a crise da invasão do Capitólio na última quarta-feira. O escritor disse que se o presidente americano desejasse se tornar um “mártir”, “herói” ou “ícone” para seus seguidores, poderia se matar.

Ao falar de Bolsonaro, lembrou que o presidente brasileiro costuma imitar ações de Trump. E sugeriu que ele também cometesse suicídio.

“Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo. Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento? Para o bem do Brasil, nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo”.

Ricardo Noblat replicou o texto nas redes sociais, o que causou a reação de apoiadores de Bolsonaro".

Fotomemória da redação: quando os roqueiros franceses John Hallyday e Sylvie Vartan foram resgatados da chuva por uma Rural Willys da Manchete

John Hallyday e Sylvie Vartan foram resgatados de um temporal carioca pela Rural da Manchete.

Mesmo assim, no caminho para o hotel, tiveram que se abrigar na Rodoviário Novo Rio enquanto esperavam as águas baixarem. O fotógrafo Orlando Abrunhosa registrou o casal, em primeiro plano, vivendo involuntariamente uma típica experiência de cariocas. 

por José Esmeraldo Gonçalves

Como o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" descreve, o oitavo andar do prédio da Rua do Russell era uma espécie de sala de visitas para personalidades de várias áreas. 

Cientistas como Albert Sabin e Christian Barnard, astronautas como John Glenn e Yuri Gagarin, escritores como Jean-Paul Sartre, astros como Kirk Douglas, Gina Lollobrígida, Claudia Cardinale e muitos outros visitaram a redação. Esse desfile de famosos era praticamente uma rotina. Distribuidoras de filmes, editoras de livros, gravadoras e embaixadas geralmente agendavam uma ida à Manchete como parte do roteiro carioca das celebridades internacionais. Se o oitavo andar era a "recepção", a frota de camionetes Rural Willys  que servia a repórteres e fotógrafos vivia  muitas vezes momentos de viatura vip ao transportar os convidados. 

A foto acima, de março de 1967, mostra o cantor de rock francês Johnny Halliday e a mulher, a também cantora de sucesso Sylvie Vartan a bordo de uma Rural.  O casal vinha de São Paulo e uma equipe de reportagem foi ao aeroporto. Mas era verão no Rio e a coisa não acabou bem. O diretor de redação da principal revista da casa, Justino Martins, escreveu: 

"Johnny Hallyday desceu do avião paulista e consultou o relógio. Eram seis horas da tarde. Às nove, ele devia cantar no Maracanãzinho. Chovia a cântaros. Mas, como bom francês, ele murmurou para a sua bela Sylvie: 'Que d'eau, que d'eau! Vamos em frente. Em qualquer cidade do mundo, quando chove, a vida continua". Só mais tarde, às cinco da manhã, constatou o quanto se enganara: no Rio, quando chove, a cidade morre afogada. O casal de cantores foi apanhado pelas inundações torrenciais e , salvo por uma camionete da Manchete, abrigou-se na estação rodoviária, e o Maracanã, em vez de fãs do iê-iê, acolheu milhares de flagelados, sobreviventes de uma dessas calamidades que ultimamente vêm enlutando o Rio."

A repórter Vera Rachel e o fotógrafo Orlando Abrunhosa cobriram a inesperada aventura dos cantores no Rio. 

Por algumas horas, os roqueiros franceses aguardaram em um banco da rodoviária Novo Rio a chuva diminuir. O show foi adiado e o dia já amanhecia quando o casal chegou, finalmente, ao hotel Copacabana Palace.

Pães e peitos (continuação) • Por Roberto Muggiati

Santa Águeda
Curiosa coincidência: ao ver a história da colega Clara Brito sobre Santa Águeda ao lado da minha matéria sobre pães, pensei: “Eu conheço esta senhora.” O encontro se deu nas viagens que fiz a Catania, na Sicília, em 1961 e 1999, em cuja catedral presenciei o culto de Santa Ágata, como também é conhecida. O fabuloso óleo sobre tela de Sebastiano del Piombo que a retrata (1520, Palazzo Pitti, Florença) é inédito na iconografia católica por mostrar uma santa de peito totalmente descoberto. 

Ágata está entre as seis mulheres que, ao lado da Virgem Maria, são celebradas nominalmente no Cânone da Missa (as demais são Felicidade, Perpétua, Luzia, Inês, Cecília e Anastácia.)  

Nas representações  artísticas, os seios de Ágata aparecem muitas vezes cortados sobre uma bandeja. Na Idade Média foram comumente confundidos com pães, o que teria originado a cerimônia na qual pães são levados ao altar numa bandeja. 



No sul da Alemanha e na Áustria, pães são cozidos na forma de seios pequenos e abençoados no dia 5 de fevereiro ou na véspera para ajudarem a combater  doenças nas mamas, febre e queimaduras; nas mães lactantes e no gado acredita-se que estes pães reforcem o fluxo do leite e suas migalhas são também espalhadas pelas casas e estábulos para prevenir incêndios. Santa Ágata foi também adotada como padroeira pelos médicos especializados em mamas e, na sua data, celebra-se o Dia do Mastologista.

A festa da santa está chegando. Que tal preparar, para 5 de fevereiro, umas deliciosas cassatinhas de Santa Ágata? Aqui vai a receita, sugestão especial de Carla Maitá.

Minne Di Sant'Agata - [Seios De Santa Ágata]

 "Foi graças à devoção de minha avó que todo dia 5 de fevereiro a família Badalamenti se reunia para comemorar a festa de suas Ágatas com um almoço em grande estilo, que terminava com os doces votivos - as Minne de Santa Ágata justamente - feitos à mão por ela mesma, por graças recebidas ou a receber. Minha vó, de quem levo o nome, tinha estabelecido que eu a ajudaria na cozinha na delicada preparação dos docinhos e me designou protetora oficial da receita e sua única herdeira. Na família Badalamenti a herança passava aos descendentes segundo o direito do mais velho: isto é, o patrimônio ia para o primeiro filho macho, que tinha obrigação de conservá-lo, mantê-los guardado e passá-lo integralmente ao próprio descendente. Embora esse direito tivesse sido abolido após a unificação da Itália, em nossa família, aliás, em toda a região meridional, permaneceu o costume de privilegiar o filho mais velho, reconhecendo às mulheres um dote em dinheiro que tinha o objetivo de prevenir disputas longas e violentas. Minha avó, feminista ao seu modo, quis legar a mim o mais precioso bem da família, a receita das Minne de Santa Ágata.

Na cozinha, na penumbra era realizado o sagrado ritual da preparação dos doces, do qual eram excluídos os outros parentes, que, incapazes de uma fé genuína, banalizariam o sacrifício da minha avó e causariam irritação à Santuzza, que poderia até retirar a sua benévola proteção.

Eu lavava as mãos com cuidado especial, o mesmo que anos depois eu usaria para assistir aos partos no hospital. Defronte à mesa de mármore eu trabalhava a massa e o creme de ricota com dedicação e seriedade. Um pouco para me entreter; um pouco para me instruir; um pouco para me contagiar com sua fé religiosa ingênua, sincera e apaixonada, minha avó me contava a vida da Santuzza, de modo como a conhecia."

Esse trecho foi retirado do livro Mamas Sicilianas (Il conto delle minne), segundo livro da siciliana Giuseppina Torregrossa, autora que tive o prazer de conhecer ano passado, quando um amigo me indicou a leitura. 

Acho que terminei o livro em menos de 48h e ele tem sido um presente constante às minhas amigas, pois é um livro que trata da força feminina e também de suas vulnerabilidades. É um livro intenso, curioso, sensual e  muito feminino. Foi nele que conheci a história de Santa Ágata - mártir siciliana que entre outras atrocidades, teve seus seios cortados-, e de suas cassatas que tantas sicilianas preparam no dia 5 de fevereiro.

Nem preciso dizer que indico muito a leitura.

Receita da Minne di Sant'Agata - Cassatinhas de Santa Ágata
O visual instigante das Cassatinhas sagradas.

INGREDIENTES

Massa

600 gramas de farinha de trigo peneirada

120 gramas de banha

150 gramas de açúcar de confeiteiro

Essência de baunilha

2 ovos

Corte a banha em pedacinhos e trabelhe com as mãos junto com a farinha. Quando os dois ingredientes estiverem misturados (tipo uma farofa), junte o açúcar de confeiteiro, os ovos e a baunilha. Sove rapidamente, e se necessário, molhe as mãos para dar mais umidade à massa.

"Quando a massa adquirir uma consistência macia e elástica, que permita afundar os dedos como se fosse um seio voluptuoso, cobrir com uma pano de prato e deixar descansar."

Recheio

500 gramas de ricota de leite de ovelha (não consegui, usei creme de ricota)

100 gramas de frutas cristalizadas em pedacinhos (usei damasco, tâmaras, cidra, laranja, figo turco)

100 gramas de lascas de chocolate

80 gramas de açúcar

Misture a ricota e o açúcar até obter um creme. Acrescente as frutas picadas e o chocolate. Deixe descansar na geladeira por 1h.

Unte com manteiga e farinha forminhas redondas* para o doce adquirir a forma de um seio. Abra a massa bem fininha e forre as forminhas. Coloque o recheio e cubra com mais uma camada de massa. Feche as bordinhas, cuidando para que não saia recheio.

Coloque as forminhas, viradas com as bordas para baixo, em uma forma untada e leve ao forno pré aquecido a 180ºC. Asse por 30 minutos. Retire do forno e deixe esfriar.

*para o efeito arredondado é necessário uma forma meia esfera. Consegui a "luna" no Barra Doce.

Glacê

350 gramas de açúcar de confeiteiro

2 colheres (sopa) de suco de limão

2 claras

Bata as claras em neve com uma pitada de sal. Junte o açúcar, o suco de limão e continue misturando até obter um creme branco, brilhante.

Retire as cassatinhas das formas e coloque em uma grade. Derrame o glacê em cada uma delas para cobrir.

"Para as simples cassatinhas se transformarem como que por encanto em seios maliciosos, minne completas, decore essas magníficas, brancas e perfumadas esferas com uma cerejinha cristalizada."


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

O pão nosso de cada dia • Por Roberto Muggiati

 

Foto Adobe Stock

Foi na última viagem do fim do meu primeiro casamento. Depois daquele porre que é a visita guiada a Versalhes fomos a um café enquanto o ônibus de Paris não chegava. A lembrança é clara. Ouvi, de um grupo de paulistas, a voz esganiçada de uma jovem: “Mas eles não servem cacetinho aqui!?” Me deu vontade de dizer: “Cacetinho é o cacete! Aqui eles não servem pães, só brioches...” Refreei o impulso, a cultura da mocinha não devia chegar à frase famosa atribuída a Maria Antonieta.

Entre as muitas coisas que tenho colecionado nestes tempos erráticos da pandemia está a quantidade de nomes usados para designar o pão nosso de todo dia: pão francês, careca, cavaca, baguete, bisnaga, broa. A baguete chamada de brigite entrou para o repertório depois da visita famosa da Bardot a Búzios no verão de 1964. Pão australiano, suíço, italiano, ciabatta, focaccia. Pão ázimo. Pão de queijo, pão de mel, de alho, de cebola, com gergelim, provolone, parmesão. Pão alemão: Pumpernickel, Kümmelbrot, aquele pão de cominho. Pão árabe, pão sírio. Pão de hambúrguer, pão de cachorro quente. Todas as formas de pão de forma com seus múltiplos sabores, grãos e fibras. Conhecem a sacadura? Imaginei que o nome fosse homenagem a Sacadura Cabral, o aviador que fez em 1922 com Gago Coutinho a primeira travessia do Atlântico Sul. Até hoje não tive confirmada essa teoria.

Quando ainda trabalhava na Manchete, descobri um pãozinho maravilhoso numa padaria da Rua Tonelero, vizinha ao prédio Albervânia, onde Carlos Lacerda sofreu o famoso atentado de 1954. Como tinha dificuldade em fixar o nome do pão, eu o associei ao do mandachuva do garimpo de Serra Pelada, o Major Curió. Era um minipão francês crocante, com uns cinco centímetros de comprimento e eu costumava compra-lo por peso.

Querendo reeditar a experiência gustativa de contornos proustianos, busquei a tal da padaria na internet. Apareceu logo uma Panificação e Confeitaria Curió, à Rua Tonelero, 202lj, telefone 2547.6266. Só que a Vivo informa:  “Esse telefone não existe”. E, navegando na Tonelero pelo Google Maps, não encontrei nenhuma padaria, o 204 é o número da portaria de um edifício novo sem lojas no térreo. Por enquanto, a vida fica me devendo o gostinho do curió. Mas a pesquisa sobre nomes de pães continua e toda colaboração dos leitores do nosso Panis (!) será bem-vinda. 

A revolução dos cyber seios (e o que isso tem a ver com a História)


As bem-dotadas estrelas dos videogames

por Clara S. Britto 

Vamos falar sobre seios. Tenho uma amiga com filhos adolescentes que, como muitos, são entusiastas dos videogames de última geração, como Playstation e Xbox. Alguns jogos têm como protagonistas super heróis e super heroínas. Estas, invariavelmente, são mega peitudas. 

Esse tipo de curvas acentuadas parece seduzir a garotada. 

Mas o fenômeno não está apenas na ficção digital. Um fabricante brasileiro de lingerie detectou que a venda de sutiãs tamanho P, que nos anos 1990 representava 20% do total, caiu em 6% e 15%, dependendo da região do país. Alimentação, sedentarismo e aumento da estatura média da população e a procura precoce por próteses estão entre os fatores que fazem os seios pularem dos decotes. 

Aquela jovem dos anos 1960/1970 que estava mais preocupada em conquistar direitos e exibia seios geralmente pequenos já era. Basta ver como as musas da época, Leila Diniz e Helô Pinheiro (a Garota de Ipanema), eram contidas no quesito. Ou as estrelas da Nouvelle Vague. Uma Sophia Loren tinha mais busto do que Anna Karina, Bernadette Lafont e Anne Wiazemsky juntas. 

Voltando ao Brasil. Hoje, um simples caminhada nos calçadões das cidades praianas prova que as novas gerações pouco ou nada deixam a desejar em relação às heroínas dos videogames. Vai longe o tempo em que a vibe dos peitões era tipicamente americana. Seios poderosos, dignos desse adjetivo, só no cinema. Os símbolos eram Jayne Mansfield, Jane Russel, Sophia Loren. Hoje, como um revival estético, suas medidas correspondem às das estrelas dos videogames.

Mas houve outros tempos em que os peitos foram valorizados. Os pintores clássicos, aí por volta de 1400/1500, foram pródigos em retratar belas damas em topless. Rafael teria sido o mais ousado. Tanto que a Igreja Católica atribuiu ao pintor a profusão e a profundidade dos decotes então adotados pela mulherada nos salões da reta final da Idade Média. 

Curiosamente, muito antes de Rafael, a igreja já havia passado a cultuar uma jovem e nobre siciliana de grande beleza e seios turbinados. Agueda, o nome da musa, despertou desejos intensos no cônsul Quinciano, que a pediu em casamento. A moça recusou, era cristã, já estava comprometida com Deus. Enfurecido pela negativa, e com o apoio do imperador Trajano, o cônsul mandou prender a jovem sob a acusação de prática de bruxaria. Ágata teve os seios arrancados. Por um milagre, os seios renasceram dias depois. A Igreja a reconheceu como mártir da virtude e santa. Para muitas crentes, Águeda tornou-se uma espécie de protetora dos seios. É cultuada até hoje, há orações em seu nome. Chegou a ser representada em pinturas com os seios nus, mas essas versões foram condenadas pelo clero e a imagem foi redesenhada. Mesmo assim, é a única santa retratada em muitas pinturas ou imagens com o volume do busto aparente sob as vestes. Há muitos mais mistérios entre a preferência dos games e o martiriológio romano do que pensa a vã filosofia digital.

Eu vou pro Carnaval de Muggia, eu vou... • Por Roberto Muggiati

 


Muggia aglomerada em carnavais passados. Em 2021, a folia só depende da vacinação em massa

À tranquila Muggia, às margens do Adriático, se agita no carnaval desde 1420.

As autoridades garantem e eu acredito piamente. Em fevereiro estarei vacinado contra a Covid. Já que não rola nada por aqui – e o mercado de peixes de Wuhan está fechado – decidi que vou passar o Carnaval em Muggia, a pequena cidade italiana origem do meu sobrenome. Quase ninguém ouviu falar de Muggia, nem mesmo os italianos – com exceção dos seus 13.299 habitantes. Acontece que Muggia não fica na “bota”, mas num naco do território italiano na cabeça da península ístria, vizinho da Eslovênia. daí a denominação de origem usada pelos heraldistas de araque contratados por meu tio Achilles para desenhar o brasão da família: “Muggia de l’Istria Veneta.” A adesão à Sereníssima República de Veneza é meritória, embora a procedência mais recente da família, antes de migrar para o Brasil em 1889, seja Stradella, nos arredores de Milão. Outra referência notável: aos vinte anos, estudante de medicina em Viena – fazendo um estágio no Instituto Oceanográfico de Trieste, que pertencia ao Império Austro-Húngaro – Sigmund Freud passa um domingo em Muggia. Numa carta a um amigo, Freud, que só pensava naquilo, comenta sobre as mulheres muggisanas: “São ruivas em sua maioria, o que não coincide nem com a raça italiana, nem com a judia...” Outro marco: vinte quilômetros ao norte de Muggia fica o Castelo de Duino, onde Rainer Maria Rilke escreveu suas famosas elegias de Duino. E James Joyce, que morou doze anos em Trieste, deve ter passado alguns domingos com Nora em Muggia.

Mas chega de literatura, vamos à folia de Muggia que é o que interessa! Dura dez dias, culminando no domingo de Carnaval com um grande desfile de carros alegóricos. Iniciado há 600 anos, em 1420, o Carnaval de Muggia guarda também um compromisso com o verde, com a agricultura e o meio ambiente, vejam aí:

https://www.youtube.com/watch?v=FgmoRz2CRA0

Considerado um dos mais animados da Europa, o Carnaval de Muggia tem a característica peculiar de incluir o desfile de alguns “defuntos” – carregados em macas alegóricas – lembrando a faceta carnavalesca do Dia dos Mortos mexicano. Este ano o domingo de Carnaval cai em 14 de fevereiro, vejam só, Valentine’s Day – o Dia dos Namorados dos gringos. 

Devidamente imunizado contra o corona, eu vou pro Carnaval de Muggia! Se Anália não quiser ir eu vou só, eu vou só, mas pro Carnaval de Muggia eu vou...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Gargalhada na escuridão

 


Polêmica nas redes sociais: a revista Vogue americana é acusada de "embranquecer" a vice-presidente Kamala Harris

 


As redes sociais criticam a Vogue. A revista preparou duas opções de capa com a primeira vice-presidente negra dos Estados Unidos.  Kamala Harris teria gostado da foto de terninho azul. A revista escolheu a outra, despojada, de tênis, um fundo rosa amarrotado. Mas a crítica mais contundente é sobre o suposto clareamento da pele.

por Clara S. Britto

A foto de Kamala Harris, a vice-presidente americana, na capa da Vogue Magazine, edição de fevereiro, está dando o que falar nas redes sociais. A Vogue pode clareado o tom de pele da Harris. 

A revista  postou duas capas, ontem, no Twitter. Em uma delas, Harris aparece de terninho. Na outra, está casual, de jaqueta, tênis, diante de um estranho fundo verde. Essa segunda opção, que vazou no fim de semana, irritou a web. O tom de pele, a iluminação ruim, o fundo amarrotado, a informalidade excessiva não agradaram. Houve quem achasse que a capa era falsa. Não era. "Capa desleixada para uma revista de moda", foi uma das críticas. A equipe de Kamala Harris teria aprovado a capa com ela de terninho azul. Mas a capa impressa foi a de qualidade muito inferior e estilo idem. A Vogue alegou que quis "capturar a personalidade e autenticidade". Ambas as fotos foram feitas por Tyler Mitchell, um fotógrafo negro, que revelou ter imaginado homenagear os anos de universitária da vice-presidente, daí a casualidade. 

Mas o jornal The Guardian registrou o estranhamento: "uma capa desbotada".  E a vice-presidente não comentou a escolha da foto. 

Fotomemória da redação: em 1977, 25 anos depois da Manchete número 1, o encontro dos pioneiros

 


por José Esmeraldo Gonçalves

A foto rara mostra Gervásio Baptista, Nelson Alves, Wilson Passos, Nicolau Drei e, à direita, Dirceu Torres Nascimento. Em abril de 1977, a redação preparava uma edição especial sobre os 25 anos da Manchete. O jornalista Joel Silveira escrevia um texto que reconstruía os bastidores do fechamento do número 1 da revista. Com um reconhecido talento para mostrar os fatos através dos protagonistas, tal como fazia nas suas grandes reportagens, Joel foi buscar alguns  "pioneiros" que ainda trabalhavam na Manchete, como a própria história viva de parte da primeira redação 25 anos depois. 

O quarteto subiu ao oitavo andar do prédio da Rua do Russell e posou junto para o registro acima. Foto relâmpago, os dois fotógrafos, Gervásio e Nicolau estavam de saída para pautas. Wilson, o  chefe da Arte da revista, tinha páginas a fazer, Dirceu e Nelson eram solicitados pela administração da editora, mesmo assim ajudaram Joel Silveira a contar a saga do número 1. 

Àquela altura, 1952, lançar uma semanal ilustrada para concorrer com a poderosa O Cruzeiro equivalia a mandar David ir à luta contra Golias sem levar pedras no alforje nem a funda para derrotar o filisteu. Manchete tinha então poucos recursos para enfrentar a revista de Assis Chateaubriand. E, de fato, com pouca publicidade, quase não sobreviveu ao primeiro ano. 

Passados aqueles difíceis primeiros meses, o potencial da revista em progresso começou a aparecer. Um bom time de cronistas, criatividade para cobrir os acontecimentos, embora ainda sem condições de fazer grandes reportagens, a vocação para o fotojornalismo e uma surpreendente agilidade para levar os fatos importantes às bancas. Em setembro de 1952, Manchete mostrou essas qualidades ao cobrir a morte do cantor Chico Alves, então o maior ídolo nacional. Foi o primeiro sucesso de vendas. Em 1954,  a crise institucional, a morte e o enterro de Getúlio Vargas, com o país em estado de comoção, resultaram em grande repercussão. Era como se a Manchete estivesse finalmente se apresentando aos leitores. Em 1955, em outro acontecimento marcante, a morte de Carmen Miranda, Manchete mostrou mais uma vez a capacidade de chegar antes às bancas das principais capitais. Nos anos seguintes, a industrialização do Brasil, os bens de consumo desembarcando nos lares da classe média em ascensão e gerando publicidade, a extraordinária cobertura da construção e da inauguração de Brasília, as reportagens, o fotojornalismo, a qualidade gráfica, a agilidade e a reforma editorial liderada por Justino Martins foram os gatilhos que levariam a revista a superar O Cruzeiro já na virada dos anos 1960. E os "pioneiros" fotografados naquela tarde de abril de 1977, no oitavo andar, simbolizaram as centenas de profissionais que integraram as redações que tornaram isso possível. 

O atropelamento e a morte de Otto Maria Carpeaux numa sexta-feira de Carnaval • Por Roberto Muggiati

Otto Maria Carpeaux
Foto Manchete
O primeiro não foi necessariamente causa do segundo, final e irreversível. Houve um hiato de três ou quatro anos entre os dois acontecimentos. Colaborador mais assíduo da série “As obras-primas que poucos leram” – publicada semanalmente pela Manchete entre 1972 e 1977 – Otto Maria Carpeaux costumava entregar pessoalmente seus textos na redação, geralmente a mim, secretário e depois editor-chefe. Ao contrário do que possa parecer, isso não implicava nenhum convívio ou papo literário. Ele meramente levava seu artigo à redação. Postava-se à minha frente do outro lado da grande mesa de edição, mudo, fazendo uma última leitura do texto impecavelmente datilografado por sua mulher, Hélène Silberherz (1899-1988), cantora que conhecera em Viena e com quem se casou em 1930, aos trinta anos. Inseria uma ou outra palavra com caneta esferográfica em sua letra miúda e serrilhada. Nas poucas vezes que falou comigo, mostrou um problema acentuado de dicção, as mandíbulas emperravam. Apresentava-se sempre elegante, de terno e gravata, com exceção da vez em que foi insolitamente atropelado diante do prédio do Russell, quando os carros ainda trafegavam em direção ao centro da cidade. O motorista freou antes de tocar levemente no escritor distraído, que foi ao chão, num tombo em câmera lenta sem maiores consequências. Dois homens da portaria o ampararam até a redação. Carpeaux estava inteiro e ficou amuado com todos aqueles cuidados. Desvencilhou-se, espanou com a ponta dos dedos a poeira que ainda restava sobre as ombreiras do paletó e tirou o texto da pequena pasta de couro. 

Carpeaux escreveu a maior parte dos 200 artigos da série. Não só explicou admiravelmente ao leigo clássicos como O castelo, de Kafka; Crime e castigo, de Dostoievski e Madame Bovary, de Flaubert, como mostrou sua versatilidade ao analisar o romance cult de J.D. Salinger O apanhador no campo de centeio. O mais notável é que só aprendera o português aos quarenta anos de idade, quando chegou ao Brasil em 1939, fugindo do nazismo. 

Judeu, nascido Otto Karpfen em Viena em 1900, participou ativamente da vida cultural da Áustria e da Alemanha, antes que a ascensão do hitlerismo começasse a lhe trazer problemas. Convertido ao catolicismo em 1933, acrescentou “Maria” ao nome e afrancesou o sobrenome para Carpeaux. Com a anexação da Áustria pela Alemanha, Carpeaux e a mulher foram obrigados a fugir, deixando para trás a mãe (o pai já tinha morrido) e levando consigo apenas um missal. Depois de um breve período em Antuérpia, na Bélgica, o casal pegou um navio para o Brasil, justo quando a Segunda Guerra se iniciava, com a invasão da Polônia pela Alemanha em 1º de setembro de 1939. Excepcionalmente dotado para línguas – falava alemão, francês, italiano, inglês, catalão, galego, provençal, servo-croata e latim – em um ano aprendeu e dominou o português. Por seu saber incomparável, Carpeaux traria, nas quatro décadas seguintes, uma contribuição vital para a cultura brasileira, em projetos individuais e coletivos. Sua predominância na série da Manchete é apenas uma amostra da incrível capacidade de trabalho. 

Eu já não o via mais desde que a série terminara em 1977. Na sexta-feira, 3 de fevereiro de 1978, estou na Praça Tiradentes com minha mulher, Lena, bisbilhotando a explosão do Carnaval gay, que costumava abrir com o Baile da Paulistinha. O lugar mais improvável para saber que Otto Maria Carpeaux – o homem que falou com Kafka em Berlim – morrera de um ataque cardíaco. A notícia foi trazida pelo Cony, que tinha ido ao enterro naquela tarde. Involuntariamente, Cony, Lena e eu – com olhares vagos para a folia ao nosso redor – fizemos um minuto de silêncio.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Há um ano, o vírus Sars-Cov-2 fazia a primeira vítima. Um organismo microscópico mudou o planeta para sempre


O mercado de Wuhan pode ter sido o ponto zero da pandemia global. Foto Twitter

Há um ano, em 10/1/2020, morria a primeira vítima oficial da Covid-19. Um homem de 61 anos, frequentador assíduo do mercado de Wuhan, cidade de 11 milhões de habitantes. Mas provavelmente o mundo jamais saberá quem foi a verdadeira vítima número 1. O vírus pode ter aparecido meses antes.

Infectologistas chineses constataram que o SARS-CoV-2, identificado em novembro de 2019 chegou tão devastador que já deveria estar circulando há algum tempo.

O nome da primeira vítima jamais foi divulgado pelas autoridades que anunciaram o óbito no dia seguinte.

O SARS-CoV-2 é medido em nanômetros, algo como um bilionésimo de um metro, tamanho inimaginável para um leigo, mas foi capaz de contaminar o planeta. E veio para ficar.

A OMS contabiliza hoje 1 919 126 mortes no mundo. Um esforço sem precedentes dos cientistas de vários países fez com que vacinas fossem desenvolvidas em tempo recorde. Surgiu a esperança. Mais de 50 países já estão em campanhas de vacinação.

O Brasil, por culpa de um presidente desequilibrado que debocha do vírus e politiza a tragédia, ainda patina. A contagem de mortos ainda avança mais do que as providências do governo genocida,

Da série Duelo no BLOK Corral • Por Roberto Muggiati

 

1975: Magalhães Júnior vs. João Antônio


Magalhães Júnior. Foto de Antonio Rudge/Manchete


Na Rua General Glicério tem uma espécie de pombal, uma caixinha com portinhola de vidro, destinada à doação ou troca de livros. Nunca encontrei algo que me interessasse ali, mas no último sábado foi diferente. Peguei logo a edição de bolso de Malagueta, Perus e Bacanaço, que João Antônio publicou em 1963 aos 28 anos. Tinha meus motivos pessoais: João Antônio trabalhou comigo na Manchete. Dez anos depois de publicar o elogiado livro de estreia, casado, com um filho pequeno, ele ganhava a vida como repórter da revista. Literatura – especialmente do seu tipo – não enchia a mesa de ninguém nesse país, particularmente nos tempos da ditadura militar. Amargurado, queima seu tempo e talento a escrever textos banais na semanal ilustrada das capas com mulheres bonitas, da qual me tornei o editor-chefe a partir de 1975. As matérias dos repórteres são reescritas por redatores mal-humorados, o R. Magalhães Júnior era o pior deles. Uma tarde, alto e bom som, na presença de toda a redação, ele achincalha um texto escrito pelo elogiado cronista do submundo, herdeiro de João do Rio e de Lima Barreto. João Antônio submete-se à humilhante reprimenda do Magalhães em silêncio. Ao voltar para casa, tem um surto de violência e quebra o apartamento inteiro. É imediatamente internado no Pinel, o manicômio de nove entre dez intelectuais cariocas.


A vida de João Antônio tomou outros rumos. Largou mulher e filho, viveu na Alemanha com uma bolsa de estudos e, ao voltar, concentrou seus esforços exclusivamente na literatura. Isolado como um eremita num apartamento na Praça Serzedelo Correa, em Copacabana, sua morte, aos 59 anos, só foi descoberta quinze dias depois.

Já o irascível – e, em raríssimos momentos, doce Raimundo Magalhães Júnior, morreu em 1981, aos 74 anos, atropelado quando atravessava teimosamente as pistas largas do Flamengo diante do prédio da Manchete. Para mim, foi um suicídio acidental. Dias antes, ao enfiar na cabeça a boina basca para ir embora, Magalhães confidenciou para mim: “Muggiati, que saber de uma coisa? Estou cansado. Acho que já vivi demais...”


1974: Maurício Gomes Leite vs. Sebastião Uchoa Leite

Sexta-feira, dia 25 de fevereiro de 1974, a redação do Russell a todo vapor fechando a matéria do pavoroso incêndio do Edifício Andraus, em São Paulo, ocorrido na véspera. Todo mundo fica com os nervos à flor da pele nestas ocasiões. 

Mauricio G. Leite


Sebastião Uchoa Leite 

O chefe de redação é o mineiro Maurício Gomes Leite (seu apelido: Maurício Gomes Leiaute), que tenta agilizar o fechamento das páginas para a gráfica. Tem um redator novo, uma espécie de estranho no ninho, com quem Maurício implicou desde o primeiro minuto. Por acaso seu sobrenome coincide com o do Maurício: Sebastião Uchoa Leite. É realmente uma figura fechada no seu universo e poeta de qualidade, não tem a menor paciência para fechar leiautes. Por um motivo fútil qualquer, Maurício e Sebastião começam a bater boca na redação e imediatamente vão às vias de fato, sendo separados pela turma do deixa-disso. Sebastião é sumariamente demitido. Maurício, das facções godardianas da crítica de filmes de BH, havia estreado como diretor do cinema novo em 1968 com A vida provisória. 

Em 1977 o visitei em Paris num pequeno apartamento ao lado da Torre Montparnasse, casado com a filha do Ministro das Relações Exteriores Azeredo da Silveira e com um bebê recém-nascido, que chorava sem parar. Graças ao sogro, tinha arranjado um emprego de tradutor na Unesco. 

Segundo um texto recente de seus camaradas cinéfilos mineiros, Maurício teria morrido em Paris sozinho e amargurado, em 1993, aos 57 anos. 


Já Sebastião Uchoa Leite, fez carreira discreta de poeta conceituado e morreu do coração aos 68 anos. Ignoro se foi cremado ou sepultado, mas, previdente, desde os tempos da Manchete ostentava já o seu epitáfio, assumindo toda o seu estranhamento social: “Aqui jaz, para o seu deleite, Sebastião Uchoa Leite.” 


Na capa da Time: e o fuhrer cumpriu a ameaça


No fundo da alma...

 


Mídia brasileira dá espaço para o lado podre da força

 

Reprodução Twitter
A CBN tem um programa chamado "Liberdade de Expressão", que durante muito tempo reuniu para debates sobre temas atuais os jornalistas Carlos Heitor Cony e Arthur Xexéo. Atualmente, a atração dá tempo igual para debatedores com opiniões opostas. Quando o tema é política, os mais obtusos bolsonaristas desfilam barbaridades na rádio. É a tal prática de "ouvir os dois lados", que legitima a ofensiva da ultra direita em sua campanha antidemocrática. O Capitólio tupiniquim é logo ali. A CBN é apenas um exemplo. Globo News, CNN Brasil, Folha, o Globo fazem o mesmo tipo de jornalismo declaratório. A página 3 do Globo em alguns dias da semana abriga certos colunistas que parecem saudosos do autoritarismo e que se arrepiam ao ouvir falar em combate ao racismo, à desigualdade, à função social do Estado ou qualquer coisas que conteste os dogmas do neoliberalismo selvagem.   

Anvisa leva vacina para interrogatório

sábado, 9 de janeiro de 2021

Deu ruim por Rio

 


Notas estupidamente geladas...

 


Funcionários do Ministério da Saúde e da Anvisa chegando para analisar a vacina Coronavac

 

A tropa segue o general Dureza que, parece, está na frigideira. O militar quis dar duro com jornalistas em coletiva, mas afinou diante do sociopata chefe. Levou um esporro e ainda recebeu o recado de que "não dá conta de mais nada".  Reprodução Web

Drogas legais dos anos dourados • Por Roberto Muggiati

 Na sociedade de consumo do pós-guerra consumia-se de tudo indiscriminadamente. Mas a indústria farmacêutica foi um capitulo à parte. Fortalecida durante o conflito no atendimento aos feridos em combates, ele teve de partir para a conquista de um mercado de cidadãos teoricamente saudáveis e impingir a eles mil e um elixires e poções, ainda que para a cura de males imaginários. Não havia rigor na exigência de receitas e assim várias drogas, hoje consideradas ilegais, eram vendidas livremente. 

Lembro algumas da minha juventude em Curitiba. Para ficar acordado e manter a mente ágil à véspera de provas, particularmente no vestibular, recorríamos às famosas “bolinhas”. Eu tomava muito Pervitin, usado contra cansaço, sensação de fome e de sono. sede e medo. Era uma metanfetamina um estimulante do sistema nervoso central. Durante a Segunda Guerra, Hitler mandou soldados drogados para o front. Na ocupação da França, teriam sido dados às tropas 35 milhões de comprimidos de Pervitin, apelidado de "chocolate de tanque" ou "pílula de Hermann Göring". Às vezes, para acelerar o efeito, a substância era injetada nas tropas. 

Quando tomava Pervitin, geralmente eu não passava a noite acordado a estudar, mas dava longas palestras sobre a história do jazz na entrada do Cine Avenida a amigos incautos que passassem por ali. Tomava da palavra e não a largava mais.

Quem gostava de viajar no barato do éter e não encontrava lança-perfume na entressafra do Carnaval, recorria ao Kelene, um spray usado para exterminar o “bicho geográfico”, uma espécie de bicho-do-pé contraído nas areias da praia.

Mas o campeão das drogas legais dos anos dourados foi o popular inalante de benzedrina, lançado comercialmente em 1933 nos Estados Unidos como um descongestionante nasal. Raro era o adolescente da minha época – vivi os anos 1950 entre os doze e os 22 anos de idade – que não carregava no bolso aquele tubinho plástico branco com uma tampinha. Seu uso não deixava de ser anti-higiênico, guardando resíduos de muco nasal, mas era usar e não largar mais. Músicos de jazz e beatniks iam direto à fonte: quebravam o tubinho e mascavam a tira de papel embebida em benzedrina, ou a misturavam a vinho ou a uisque. Existe uma história associada a Charlie Parker, de um grupo de músicos que passou a noite numa cabana ensaiando e ingerindo benzedrina. Ao amanhecer, um deles olhou pela janela e viu o chão todo branco. – Ihh, pessoal, esta noite nevou.

Era apenas o monte de cartuchos de inalante descartados durante a jam session.

Joan Burroughs, a mulher do escritor beat William Burroughs, era viciada em “benny” (a gíria para benzedrina) e mobilizava dezenas de amigos para comprarem todo o estoque de inalantes das farmácias da cidade. Joan morreu aos 28 anos no México durante uma festa maluca ao levar um tiro na testa quando brincava de Guilherme Tell com o marido William equilibrando uma taça de bebida na cabeça.

Esta lembrança foi motivada pela quantidade de cenas – nos filmes noir que tenho visto durante o confinamento – em que os vilões aparecem cafungando inalantes de benzedrina. Aqui vão algumas amostras. Sniff, sniff... 


Lee Marvin em Um sábado violento (1955).


Gary Merrill em Passos na noite (1950)


Richard Basehart na sua drugstore e o anúncio do inalante Vick (“Respiraqção Mais Confortável”) à direita, em Tensão (1949).


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Vai começar a vacinação vip... Você já recebeu o sua pulseira-convite?

Reprodução do Twitter. 6/1/2021

por O.V.Pochê 

E o Braziu? Dizem que empresários pretendem organizar a vacinação privê. Imagino que acontecerá em áreas vips como o Golden Room do Copacabana Palace, no Rio, e o Fasano, em São Paulo. Segundo se comenta, a pulseira para adentrar ao local custará 5 mil euros, sem recibo. Os organizadores pedirão que o pagamento seja feito em espécie ou bitcoin para facilitar transferências das propinas que viabilizarão a compra privilegiada de insumos para o empreendimento e uma eventual lavagem do dinheiro arrecadado. Uma promoter organizará shows para distrair os convivas no decorrer do procedimento. A vacina será importada da Índia, de um reparte premium reservado para marajás e maranis. A seringa a ser utilizada foi desenvolvida pela Cartier. O algodão é egípcio de fios longos. O antisséptico vem do Reino Unido, do mesmo fornecedor dos Windsor. Limusines blindadas transportarão os convidados. 

Os profissionais de saúde também serão recrutados no Reino Unido. Uma pesquisa comprovou que o público-alvo da vacinação privê fica mais à vontade com um staff de "nurses" vindo da terra de Florence Nightingale.

Como parte de uma ação de "responsabilidade social" planejada pela promoter do evento, os convidados, após a vacinação, darão entrevistas mostrando a importância do imunizante e pedindo aos brasileiros que tenham fé e que o dia do povão chegará. Em breve estará disponível a vacina "Pátria Amada" desenvolvida em parceria dos laboratórios do Exército com cientistas do Haiti, aditivadas com cloroquina e ivermectina, com eficácia de 17% e recomendada pela Anvisa.  

Essa vacina, a "Pátria Amada", virá com o selo da qualidade "La garantía soy yo".

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Em 10 meses, Brasil perdeu 55 jornalistas para a Covid-19


O Brasil está em segundo lugar no mundo nas estatísticas de jornalistas mortos por Covid-19. São 55 vítimas. O Peru lidera o triste ranking com 93. Em todo o mundo, 600 profissionais de imprensa foram vítimas fatais da pandemia nos últimos 10 meses.  Os dados são da Press Emblem Campaign (PEC), com sede em Genebra. "Os jornalistas saem para informar e estão particularmente expostos ao vírus. Alguns deles, especialmente 'freelancers' e fotógrafos, não podem trabalhar apenas de casa", comentou o secretário-geral da PEC, Blaise Lempen, em um comunicado oficial.

Putsch fascista em Washington

 

Reprodução Twitter

As cenas do ataque ao Capitólio pela tropa fascista de Donald Trump foram impressionante mesmo. Uma invasão anunciada. Há dez dias, Trump convocou publicamente o protesto e pontou que seria "selvagem" e "feroz". Poucos minutos antes da invasão, o republicano insuflou manifestantes a se dirigirem ao prédio do Congresso. Há dois dias, apoiadores de Trump avisaram nas redes sociais que tentariam ocupar o Capitólio. "Nós, o povo, devemos ir ao gramado e degraus do Capitólio dos Estados Unidos e dizer ao Congresso #DoNotCertify (#NãoCertifique)", postou um certo StopTheSteal .

Com tanto aviso, surpreende a fragilidade do aparato de segurança do Capitólio. A turba entrou no prédio inicialmente sem enfrentar resistência. No hall, em fila, parecia que os primeiros invasores iam fazer uma visita guiada. Lá dentro, começou o quebra-quebra e enfrentamento à guarda legislativa. Só com o caos instalado chegou o reforço policial. 

A pergunta que será feita nos próximos dias: qual a real intenção de Trump? 

Como o nosso Jânio Quadros ao renunciar, Trump esperava o apoio das Forças Armadas, que não veio/

E os jornalistas esportivos que consideram o gol de bola parada a mais nova infâmia do futebol? Só faltava essa

por Niko Bolontrin 

Alguns jornalistas esportivos deveriam mandar um abaixo-assinado para FIFA e para o board que zela pelas regras do futebol para considerar nulos os gols de bola parada. 

Hoje, na CBN e no Globo, dois deles, ao analisar o jogo Flu 2 X Fla 1, desvalorizam a bola parada, seja o gol de chute direto ou de jogada originada em cobrança de falta. 

O Globo dedica 80% de um longo texto a analisar a derrota do Flamengo. Ao falar do Flu repetidamente tira o mérito da vitória em considerações pouco objetivas. Ah, de bola parada. Eu, hein? O Fluminense virou o jogo, amigos. 

O Flamengo é um time poderoso, a vitória deve ter algum mérito, concordam? Zico fez gols memoráveis de bola parada. Hoje, Messi e CR7 são mestres também nesse fundamento. O torcedor vibra quando o craque do seu time coloca a bola lá onde mora a coruja. 

Mas, para quem vibra com o "jogo de posições", bola parada é a mais nova infâmia dos gramados.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Quem foi que plantou a Rua Marcel Proust em Santa Teresa? • Por Roberto Muggiati


No meio da mata em Santa Teresa, RJ, a Rua Marcel Proust.

Eu sei muito bem. Foi um personagem mefistofélico na minha vida, o editor do meu primeiro livro. Depois de dez anos de carreira jornalística vitoriosa, iniciada aos dezesseis anos na Gazeta do Povo de Curitiba e consolidada por um curso de dois anos no Centre de Formation des Journalistes de Paris e por três anos no Serviço Brasileiro da BBC em Londres, eu me vi de volta à estaca zero no Rio de Janeiro. Mais precisamente na velha redação da Manchete em Frei Caneca, no final de 1965. Além de atuar como repórter especial da revista, comecei a abrir novas frentes: editando os Cadernos de Jornalismo da Bloch, escrevendo para a Enciclopédia Bloch e traduzindo livros para as Edições Bloch. 

Um deles foi Sexus, de Henry Miller, um dos livros mais vendidos de todos os tempos no Brasil. Existe um detalhe curioso aí: detentora dos direitos da trilogia Sexus/Plexus/Nexus, a Bloch não a publicou. Um intelectual de plantão, puxa-saco do chefe, avisou a Adolpho Bloch que os livros estavam cheios de palavrões. Exaltado, Adolpho soltou o verbo: “Que merda! Só tem palavrão na porra destes livros!” 

A trilogia de Henry Miller foi repassada para Hermenegildo de Sá Cavalcante, da Gráfica Record Editora. Bacharel de direito nascido em Aurora, no Ceará, Hermenegildo ganhou uma fortuna com a trilogia de Miller, ainda mais porque tinha o hábito incorrigível de nunca pagar direito autoral. Nem sei até se os livros que publicava eram legalmente contratados. A solidão segundo Hemingway, McCullers, Kafka, Bradbury e Borges parecia obviamente pirateado. Naqueles tempos não havia pecado ao sul do Equador

No auge da Revolução Cultural, sugeri à Bloch um livro que fundisse a biografia de Mao Tsé-tung com a história da China comunista. Alberto Dines, consultor editorial, ficou tão entusiasmado com o projeto que me deu um adiantamento de mil dólares e colocou à minha disposição as sucursais internacionais, que me forneceram farto material, em inglês, francês, italiano e espanhol – na época a China era um dos temas favoritos das editoras do mundo inteiro. Nas brechas da reportagem – e num mês de férias que dediquei exclusivamente ao livro – escrevi Mao e a China, um volume robusto de 502 gramas e 374 páginas. 

Naquele momento, o superaquecimento das receitas publicitárias para a mídia impressa em cores, provocou o surgimento de uma quantidade de novas revistas (EleEla, Pais e Filhos e Desfile na Bloch: Quatro Rodas, Cláudia, Realidade e Veja, na Abril.) Os bons profissionais eram disputados a tapa, como os craques de futebol nos tempos mais recentes. Foi assim que recebi uma proposta para assumir, em São Paulo, uma das quatro editorias principais da semanal de texto Veja, comandada por Mino Carta. Com toda a transparência, respeitando as regras do mercado, coloquei a Bloch a par da oferta e manifestei meu desejo de permanecer no Rio, caso a empresa cobrisse a proposta da Abril. Mas nada aconteceu, tudo o que me ofereciam era um hipotético aumento a partir do fim do ano, quando fosse lançada a mensal Pais e Filhos, da qual eu seria o editor, logo eu, que detestava crianças... Pedi demissão e me mudei para São Paulo, onde, por um ano e meio, participaria da grande aventura cultural que foi o lançamento da Veja, naquela época de intensa confrontação política. 

A China continuava nas manchetes, eu esperava que o livro saísse a qualquer instante. Por volta de maio de 1968, fui procurado em São Paulo por Alcídio Mafra, responsável pela edição de livros na Bloch. Avisou-me que Adolpho se recusava a lançar Mao e a China, considerava-me um traidor por ter ido trabalhar na Abril. Alcídio havia convencido Adolpho do prejuízo que representavam aquelas duas toneladas e meia de livros ocupando espaço na gráfica de Parada de Lucas e sugeriu que repassasse Mao e a China para outro editor. O primeiro a se apresentar, lépido de fagueiro, foi o Hermenegildo, embora o livro fizesse a propaganda do comunismo chinês e ele fosse amigo de muitos generais da cúpula da ditadura. Quando Ernesto Geisel foi escolhido para a Presidência em 1974, ele foi apresentado à imprensa num almoço no sítio de Hermenegildo em Itaipava.  

 – O Muggiati me deu sorte com o Sexus, vou publicar o livro dele.

Mao e a China ainda não tinha capa, Hermenegildo topou minha sugestão de que fosse desenhada por minha mulher Lina, artista plástica. Ele mesmo escreveu as orelhas, num tom bombástico, afirmando que eu tinha entrevistado quatro vezes o Grande Timoneiro. Ora, todo mundo sabia que Mao Tsé-tung só deu na vida uma entrevista a um jornalista ocidental, o americano Edgar Snow, por ser redator do órgão oficial do Partido Comunista Norte-americano. 


O crítico Leo Gilson Ribeiro, Roberto Muggiati, Hermenegildo e Nádia de Sá Cavalcante.

Mas o negócio do Hermenegildo era vender livros e isso ele sabia fazer. Resolveu lançar Mao e a China numa noite de autógrafos durante a inauguração da filial da sua editora em São Paulo, localizada justamente na Rua Maria Antônia, o foco das agitações estudantis em 1968. O braço direito de Hermenegildo na filial paulistana da Gráfica Record era o jornalista Walter Fontoura, então o manda-chuva do Jornal do Brasil em São Paulo.

Convidei Deus-e-todo-mundo da Abril para o lançamento. Coleciono até hoje dezenas de PSCs em que  os Civita, pai e filhos, e altos executivos da empresa, se desculpavam pelo não-comparecimento. (PSCs eram os bilhetinhos Para-o-Seu-Conhecimento, impressos pela Abril para estimular a comunicação entre seus profissionais) . A noite de autógrafos foi marcada para 9 de dezembro de 1968, uma segunda-feira. O Brasil vivia o momento crítico da confrontação direita-esquerda e do enfrentamento ao regime. A linha-dura militar resolveu dar um basta a tudo aquilo; na sexta-feira, 13 de dezembro, era decretado o AI-5. 

Yllen Kerr, da sucursal carioca de Veja, me telefonou aflito. O lançamento de Mao e a China no Rio fora cancelado:

– Por favor, Muggiati, nem pense em aparecer por aqui!

Mao e a China passou a figurar menos nas vitrines das livrarias do que nas mostras de material subversivo apreendido pelos órgãos de repressão. A partir daí, comecei a perder o contato com o Hermenegildo. Soube que em 1970 ele pagou, pela primeira vez, direitos autorais, muito a contragosto. O autor francês Jean Genet veio ao Brasil para o lançamento de suas peças produzidas em São Paulo por Rute Escobar. Tinha um dinheiro a receber da editora do Hermenegildo. Genet – um ex-presidiário que se tornou escritor de sucesso – era um homossexual brigão tipo Madame Satã que resolvia muita coisa na porrada. Muniu-se de uma sleeping bag e se instalou no suntuoso hall de entrada do edifício onde morava Hermenegildo. Em menos de duas horas era pago em dinheiro vivo e levantava acampamento.

Não sei como, com todo aquele dinheiro dos livros do Henry Miller, Hermenegildo faliu com a sua editora. Ou melhor, sei. Ele vivia à larga, sob a égide de Marcel Proust. Insinuante e com bons contatos, ainda jovem foi secretário comercial do Brasil em Paris, onde, segundo o Portal da História Cearense, “se aprofundou no estudo da obra de Marcel Proust, tornando-se vice-presidente da Société International des Amis de Proust.” Hermenegildo passou a ostentar esse lábaro com orgulho, publicou os livros Proust e o Brasil (1964); Quem foi e o que fez Marcel Proust (1966) e Marcel Proust - Roteiro Crítico e Sentimental (1972). Sua mania de Proust – e seu talento de lobista -legaram a  Rua Marcel Proust à cidade que por muitos anos adotou como sua. No número 201 funciona a Escola Municipal Juan Antonio Saramanch, considerada uma das mais avançadas do Rio. 

 Hermenegildo dava grandes festas no sítio de Itaipava, batizado de Combray, em homenagem à cidade fictícia de Em busca do tempo perdido. Promovia excursões aos locais da literatura proustiana, muitas vezes viajava em alto estilo com a mulher, Nádia, e as duas filhas pequenas, acompanhadas de aias (termo mais adequado do que babás ou baby-sitters...) Ele representava todos os valores que eu repudiava  (ou a falta absoluta de valores), principalmente seu compadrio com a ditadura militar. Morreu em 1995 em São Paulo, aos 68 anos. Ignoro os rumos que sua vida tomou depois da década de 1970. Mao e a China morreu com a falência da sua editora. Sexus seguiu vendendo bem ao longo de várias décadas e até hoje é procurado na Estante Virtual. Em 1980 ganhou nova tradução, de Sérgio Flaksman, na editora Schwarcz. 

A passagem do templo suavizou minha opinião sobre Hermenegildo. Até mesmo seus escritos – particularmente o Roteiro crítico e sentimental de Proust, que só procurei recentemente – não deixam de ter aspectos interessantes. Sua foto com a mão sobre meu ombro naquela sessão de autógrafos que se perde na noite dos tempos me faz lembrar hoje apenas o cearense cativante, verdadeiro mestre na arte da sobrevivência. 

Otimismo numa hora dessas? • Por Roberto Muggiati

 “Esperança” foi a palavra da virada de ano, proferida de boca cheia no discurso vazio de comunicadores e influencers. Pareciam todos uma reencarnação do Dr. Pangloss, o mestre de Cândido (1759), o Otimista, a novela filosófica de Voltaire que inspirou as distopias 1984 e Admirável mundo novo e os romances de Machado de Assis Memórias póstumas de Braz Cubas e Quincas Borba.  Pangloss via o mundo com óculos de lentes cor-de-rosa e recitava a eterna ladainha “tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis”, contrariando a brutal evidência dos fatos.  Recrutado à força pelas tropas búlgaras, Cândido testemunha o massacre da Guerra dos Sete Anos. Foge e reencontra Pangloss, envelhecido e sifilítico, que o informa da suposta morte da mulher de Cândido, Cunegundes, estuprada por soldados búlgaros. 

Chegam a Lisboa no dia do terremoto e são vítimas de um auto de fé em que Pangloss é aparentemente enforcado. Cândido reencontra Cunegundes, amante de um Grande Inquisidor e de um judeu rico. Mata os dois homens e foge com a mulher. Depois de incontáveis atribulações que levam o casal aos lugares mais remotos – incluindo Buenos Aires e Paraguai – Cândido finalmente encontra uma paz relativa com a mulher, em ambiente bucólico. “Devemos cultivar o nosso jardim,” foi o lema ele encontrou em contraposição ao “melhor dos mundos” de Pangloss. 

Para se ter uma ideia da universalidade da novela de Voltaire, ela teve uma adaptação para o cinema no Brasil, Candinho – dirigido e estrelado por Mazzaropi, com o sambista do Brás Adoniram Barbosa numa genial interpretação de Pangloss, o Dr. Pancrácio. O filme inspirou em 2016 a telenovela de Walcyr Carrasco Êta mundo bom.

Aproveito essa discussão para transmitir o recado que recebi de uma estudiosa das mulheres da beat generation (Larissa, sergipana. 25 anos). Vejam a mensagem do velho William Burroughs, que considero pontualíssima no momento que vivemos. Nessa altura do campeonato, só posso recomendar: “Guenta aí, parça!”

“Você vai ter de aprender a existir sem religião, sem país, sem aliados. Você vai ter de aprender a viver sozinho em silêncio.”

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Chico César: "Não sou seu entretenimento, sou o fio da espada da história no pescoço dos fascistas"

por Clara S. Britto

As redes sociais adoraram reproduzir, ontem, uma mensagem do cantor e compositor Chico César. Um fã pediu que ele evitasse canções de cunho político-ideológico. 

Chico não gostou. 

Pode ter perdido o fá, mas não perdeu a postagem.


Domingo Ilustrado: fragmentos do tabloide perdido de Samuel Wainer




Reprodução Domingo Ilustrado



por José Esmeraldo Gonçalves

O semanário Domingo Ilustrado talvez tenha sido a publicação de vida mais curta da história da Bloch. Durou de 1971 a fins de 1973. Samuel Wainer era o diretor. 

 "Samuel Wainer, o homem que estava lá', de Karla Monteiro" lançado em setembro passado - aliás um ótimo livro - tem um capítulo sobre essa aventura jornalística. A redação reunia Maria Lúcia Rangel, Tato Taborda, Luís Carlos Maciel, Martha Alencar, entre outros, além de colaboradores de prestígio levados por Samuel, como Bruno Pedroso e Arthur da Távola.. 

Domingo Ilustrado vinha com o slogan "o jornal-revista do fim de semana". Era um tabloide colorido, excessivamente colorido, popularzão, estilo France Dimanche, sem grampos, impresso no mesmo couchê das revistas. 

O livro conta que Adolpho detestava Samuel e Samuel detestava Adolpho. Quem ousou juntar os dois em um mesmo projeto, supremo risco, foi João Pinheiro Neto, que quis ajudar o amigo então desempregado e apelou para Adolpho. Samuel desprezava o patrão. Com licença do título da Karla, era o homem que não devia estar lá, mas engolia sapos para não perder o emprego. "Samuel se submeteu a muita coisa humilhante. Ele (Adolpho Bloch) era tão grosso que virava piada. Se a gente apertava o botão do elevador duas vezes, batia na sua mão", recorda Martha Alencar em um dos depoimentos colhidos para o livro. 

Domingo Ilustrado acabou como começou, de repente. Adolpho cansou do prejuízo. Uma das expectativas, imaginem, era que os cariocas levassem o tabloide para ler na praia, junto com a cadeira, a esteira e a barraca, os apetrechos da época. Talvez um ou outro desafiasse os ventos e levasse mesmo o Domingo à areia, mas não virou moda e não garantiu as vendas.

Tente encontrar o Domingo Ilustrado em sebos de revistas. É impossível ou difícil. Vá ao Google, há poucas referências, algumas indexadas justamente do livro da Karla Monteiro. 

Refinando buscas, variando comandos na barra de pesquisa, encontrei dois sites que reproduzem matérias do jornal-revista: os blogs http://caetanoendetalle.blogspot.com/http://antiguinho.blogspot.com/2016/06/jornal-domingo-ilustrado-wanderleia.html

E só.

Domingo Ilustrado é o Percy Fawcett do jornalismo. A Atlântida da mídia impressa.

O magnata aloprado

O "grito" do magnata. Reprodução

Pelo menos dois livros recentes - "Medo: Trump na Casa Branca", de Bob Woodward; e "Fogo e Fúria: por dentro da Casa Branca" - trazem detalhes chocantes sobre o modo DT de governar. Mesmo assim, o magnata conseguiu baixar ainda mais o nível e atropelar a ética e a lei durante um telefonema no qual pressiona o Secretário de Estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, para roubar votos. Durante uma hora, ele pede pata "encontrar" 11.780 votos, um a mais do que a vantagem de Biden no estado, implora ajuda e, por fim, dispara ameaças. O secretário rechaçou o "convite" para o assalto eleitoral. 

O jornal Washington Post obteve a gravação do longo telefonema e expôs o meliante. 

Carl Bernstein, o repórter parceiro de Woodward  na série de matérias em que o mesmo Washington Post revelou o Caso Watergate,  disse, em entrevista à CNN, que Trump fez "muito pior"  do que a participação de Nixon no escândalo da invasão do escritório do Partido Democrata, nos anos 1970, que levou à sua renúncia. "É a a evidência do que este presidente está disposto a fazer para minar o sistema eleitoral e tentar instigar de forma ilegal, indevida e imoral um golpe". Bernstein avalia que em qualquer outro momento da história dos Estados Unidos, a gravação provocaria a exigência de renúncia imediata do presidente. 

O inacreditável telefonema de Donald Trump mostra que ele é capaz de fazer qualquer coisa para impedir até a data da posse de Joe Biden, o vitorioso, em 20 de janeiro..

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Cinememória: "Encurralado" foi lançado há 50 anos. O primeiro filme de Steven Spielberg é puro terror sobre rodas. Reveja uma cena inesquecível


A espetacular cena final do duelo na estrada

Dennis Weaver (David Mann) é o vendedor que vira caça em uma estrada da Califórnia.


Do caminhoneiro que aterroriza o motorista do carro só aparecem as mãos.

por José Esmeraldo Gonçalves 

Quem assistiu às elaboradas e caríssimas produções de Steven Spielberg ao longo da sua brilhante carreira pode não reconhecer nesse filme de estreia do diretor o estilo que o consagrou. 

Filmado em 16 dias, em 1971, com verba de poucos zeros, "Encurralado" ("Duel" no original) é um road movie que foi feito para a TV. Sem muitas pretensões, uma pequena distribuidora resolveu lançá-lo nos cinemas da Austrália. Ao constatar a receptividade do público naquele país, a Universal Studios repensou o marketing e distribuiu o filme nos cinemas dos Estados Unidos. Como telefilme, "Encurralado" tinha apenas 70 minutos. Antes de levá-lo ao circuito, os produtores chamaram Spielberg e equipe de volta à mesa de edição para adicionarem mais 20 minutos de cenas da caça que o gigantesco caminhão-tanque Mack  empreende ao pequeno Plymouth vermelho. O longa assim anabolizado eletrizou plateias. 

"Encurralado" é inspirado em uma situação real vivida pelo roteirista Richard Matheson. Na trama, o motorista do carro, um pacato vendedor, faz duas ultrapassagens sobre um caminhão em uma estrada do deserto da Califórnia. O caminhoneiro, que ao longo do filme se revela um psicopata, vê a manobra como uma provocação e passa a perseguir o Plymouth. A partir daí, é suspense sobre rodas até o fim espetacular (que é a cena inesquecível que destacamos nessa série de memórias do cinema que temos publicado no blog). 

O protagonista é o ator Dennis Weaver. O caminhoneiro, cujo rosto não aparece no filme, apenas as mãos, é interpretado por Carey Loftin (foto ao lado), um dos mais famosos dublês de Hollywood.

Mas, para muitos críticos, os verdadeiros astros do duelo na estrada são os ""cowboys" Plymouth e Mack.

 REVEJA A CENA FINAL DE "ENCURRALADO" AQUI