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quarta-feira, 29 de junho de 2022

Rio, 1959: ouvindo Sarah Vaughan com Danuza • Por Roberto Muggiati

O último baile do Rio de Janeiro como capital da república.Na mesa principal, Danuza, Viniciu e Samuel Wainer. Assinalado pela sete, o autor dessas memórias. Foto Arquivo Pessoal 

Do Galeão Velho você  podia esperar tudo. Marlene Dietrich embarcando e Sarah Vaughan desembarcando, a ariana e a afroamericana trocando olhares cáusticos. Marlene acabara de fazer uma temporada no Golden Room do Copacabana Palace. Sarah faria sua estreia brasileira na noite de 6 de agosto de 1959 no Fred’s, a boate da moda que ficava em cima de um posto de gasolina na esquina da Avenida Atlântica com Princesa Isabel, onde depois seria construído o Hotel Méridien. Eu estava lá. 

Explico: curitibano chique passava as férias de inverno no Rio, esticava a temporada até o início de agosto para comparecer ao GP Brasil no hipódromo da Gávea. (O Jockey Club do Paraná tinha intercâmbio com o Jockey Club Brasileiro.) Depois da corrida de gala do domingo – em que os chapéus das dondocas predominavam sobre os cavalos – havia na terça-feira uma Nuit de Longchamps, com traje a rigor, foi assim que assisti ao vivo aquela beleza da Julie London na sua fase de ouro, cantando Cry Me a River.

Apesar de meus 21 anos, estava longe de ser um “foca”, trabalhava na Gazeta do Povo desde os dezesseis. Mas não tinha cacife para competir com jornalistas cariocas como Sílvio Túlio Cardoso (tido como “ghost” do livro Jazz Panorama de Jorginho Guinle), Sérgio Porto (também autor de um livro sobre jazz) e principalmente Vinicius de Moraes (parceiro de Tom Jobim, com o filme recém-lançado Orfeu Negro recheado de suas músicas). Quando cheguei finalmente à diva, no seu minúsculo camarim, numa abordagem desastrada, ela fez uma cara feia e me mandou passear. Foi o primeiro de uma série de episódios que me ensinariam muito sobre o ressentimento dos músicos negros diante do que eles consideravam a atitude “folgada” e desrespeitosa dos branquelos.

A mesa principal, com cerca de vinte assentos, era capitaneada pelo homem mais importante do Rio de Janeiro na época, Samuel Wainer, dono do jornal Última Hora. Tenho a cópia de uma foto do desaparecido arquivo da revista Manchete. Em primeiro plano, sentados, a partir da esquerda, aparecem a bela Danuza Leão, mulher de Wainer, na plenitude dos seus 25 anos; depois de um casal, Vinicius de Moraes e Samuel Wainer conversam diante de um enorme balde de gelo, o poetinha empunhando um cigarro quase na cara de Samuel. De pé, com um de seus fabulosos colares de pérolas, a socialite Josefina Jordan conversa com alguém que pode ser o Didu de Souza Campos. Casais rodam pela pista com uma orquestra ao fundo. Também no fundo, ao centro da foto, assinalado pela seta vermelha, este que vos escreve dança cheek to cheek com a namorada do amigo carioca.  Não aparecem na foto, mas estavam lá, recém-casados, João Gilberto e sua Astrud, que se tornaria cantora e cinco anos depois conquistaria o mundo com sua versão em inglês de “The Girl from Ipanema”, vendendo muito mais discos do que a lendária Sarah Vaughan. 

O show, irretocável, culminou com “Misty”, a canção de Erroll Garner que “Sassy” (Atrevida) adotou como sua assinatura musical. Um jornalista que cobriu a noitada a chamou de “último baile da Ilha Fiscal da República”. Era o derradeiro inverno do Rio de Janeiro como capital da república, em abril de 1960 Brasília assumiria o facho.  O Rio se tornaria o minúsculo Estado da Guanabara. Mas, com irreverência e humor típicos, o carioca deu o troco. Brasília fixou conhecida pelo nome da empreiteira que a construiu, a Novacap. O Rio adotou então o nome imbatível de Belacap, o que continua sendo até hoje.

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Domingo Ilustrado: arqueologia do "unicórnio" jornalístico de Samuel Wainer








por José Esmeraldo Gonçalves 

A revista Domingo Ilustrado - publicação em formato jornal criada por Samuel Wainer para a Bloch, em 1971 - teve trajetória meteórica. É também uma espécie de "unicórnio". Poucos a viram e é quase impossível exumar seus fósseis na internet. 

Em janeiro de 2021 publiquei aqui um post sobre a DI. Garimpei apenas algumas poucas reproduções em repetidas buscas no Google. 

Há poucos dias, um leitor que assinou como "unknow", nos enviou em comentário mais imagens da revista. Reproduzo algumas e repasso o link do blog Antiguinho que tem mais informações. Incluo também um link da matéria que fiz para o Panis.

Agredeço ao "unknow". Aos poucos o unicórnio jornalístico lançado por uma dupla improvável e que se detestava - Samuel Wainer e Adolpho Bloch - mostra sua cara.

http://antiguinho.blogspot.com/2021/07/vi-festival-internacional-da-cancao-1971.html?m=1

https://paniscumovum.blogspot.com/search?q=Domingo+Ilustrado


terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Domingo Ilustrado: fragmentos do tabloide perdido de Samuel Wainer




Reprodução Domingo Ilustrado



por José Esmeraldo Gonçalves

O semanário Domingo Ilustrado talvez tenha sido a publicação de vida mais curta da história da Bloch. Durou de 1971 a fins de 1973. Samuel Wainer era o diretor. 

 "Samuel Wainer, o homem que estava lá', de Karla Monteiro" lançado em setembro passado - aliás um ótimo livro - tem um capítulo sobre essa aventura jornalística. A redação reunia Maria Lúcia Rangel, Tato Taborda, Luís Carlos Maciel, Martha Alencar, entre outros, além de colaboradores de prestígio levados por Samuel, como Bruno Pedroso e Arthur da Távola.. 

Domingo Ilustrado vinha com o slogan "o jornal-revista do fim de semana". Era um tabloide colorido, excessivamente colorido, popularzão, estilo France Dimanche, sem grampos, impresso no mesmo couchê das revistas. 

O livro conta que Adolpho detestava Samuel e Samuel detestava Adolpho. Quem ousou juntar os dois em um mesmo projeto, supremo risco, foi João Pinheiro Neto, que quis ajudar o amigo então desempregado e apelou para Adolpho. Samuel desprezava o patrão. Com licença do título da Karla, era o homem que não devia estar lá, mas engolia sapos para não perder o emprego. "Samuel se submeteu a muita coisa humilhante. Ele (Adolpho Bloch) era tão grosso que virava piada. Se a gente apertava o botão do elevador duas vezes, batia na sua mão", recorda Martha Alencar em um dos depoimentos colhidos para o livro. 

Domingo Ilustrado acabou como começou, de repente. Adolpho cansou do prejuízo. Uma das expectativas, imaginem, era que os cariocas levassem o tabloide para ler na praia, junto com a cadeira, a esteira e a barraca, os apetrechos da época. Talvez um ou outro desafiasse os ventos e levasse mesmo o Domingo à areia, mas não virou moda e não garantiu as vendas.

Tente encontrar o Domingo Ilustrado em sebos de revistas. É impossível ou difícil. Vá ao Google, há poucas referências, algumas indexadas justamente do livro da Karla Monteiro. 

Refinando buscas, variando comandos na barra de pesquisa, encontrei dois sites que reproduzem matérias do jornal-revista: os blogs http://caetanoendetalle.blogspot.com/http://antiguinho.blogspot.com/2016/06/jornal-domingo-ilustrado-wanderleia.html

E só.

Domingo Ilustrado é o Percy Fawcett do jornalismo. A Atlântida da mídia impressa.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Memórias alegres de um eterno repórter: Aconteceu... no jornal Última Hora

por Eli Halfoun
Todo jornalista espera sempre por uma grande cobertura, um furo de reportagem, uma matéria polêmica, mas não é exatamente isso o que acontece no dia a dia das redações que fazem (pelo menos faziam em outros tempos, antes de virarem verdadeiras lan houses) do corre-corre atrás de notícias com que essa não seja uma profissão que caia na rotina. Pelo contrário: mesmo que não aconteça a grande cobertura repórteres acabam sendo nas ruas e nas redações personagens diários de acontecimentos inusitados e na maioria das vezes engraçados. Na minha vida de repórter, iniciada cedo, fui um desses personagens e aqui nesse espaço reúno pequenas histórias que podem não ser grandes ensinamentos de jornalismo, mas de uma forma ou de outra serão, além de curiosas, pequenos exemplos com os quais sempre se pode aprender alguma coisa.

O Dia do Perdão que não me perdoou
Estava na redação da Ultima Hora quando o chefe de reportagem me convocou.
- “Tem uma pauta especial para você. Vá fazer a cobertura do Dia do Perdão na sinagoga da Rua Tenente Possolo (é a maior sinagoga do Rio)"
Não era a grande cobertura que esperava e só era “especial” porque eu era o único judeu disponível na redação e embora não soubesse muito sobre o assunto (não sou um judeu muito religioso e só sabia que o Dia do Perdão é comemorado dez dias após o Ano Novo judaico e que é a data mais importante do calendário) lá fui eu. Com o natural entusiasmo de um repórter novato decidi que não iria me limitar a contar o que presenciaria. Queria mais e como o Dia do Perdão é o dia em que os judeus fazem jejum das 6 horas da tarde de um dia até o mesmo horário do dia seguinte, achei que era legal saber se todos que estavam na sinagoga realmente praticavam o jejum. Minha primeira ação foi pesquisar nos botequins e lanchonetes (naquela época havia poucas lanchonetes) e muita gente saía da sinagoga, onde se deve passar o dia inteiro, para comer. Fiquei sabendo que nesse dia os botecos em torno da sinagoga vendiam mais sanduíches, salgadinhos e principalmente cafezinho do que em outras datas. Rodei por alguns botecos (também aproveitei para comer um sanduíche) e já tinha um bom material para uma reportagem diferente, mas queria mais. Fiquei na sinagoga um tempo ouvindo discretamente as conversas que rolavam nos grupinhos que se formavam na entrada. Ninguém falava de religião, mas sim de negócios: venda de jóias, de móveis e de imóveis. Finalmente, eu tinha mais um bom material e voltei para a redação cheio de entusiasmo. Escrevi um texto que quase nada falava sobre o Dia do Perdão, mas sim sobre o que eu tinha apurado nos botecos e na calçada. Entreguei o texto crente que tinha feito uma excelente reportagem. O editor gostou, mas preocupado decidiu enviar o texto para a aprovação do também judeu Samuel Wainer, o patrão, que vetou a publicação, me chamou em sua sala e me deu a maior bronca:
- “Você quer ser um bom repórter, mas esse texto só criará problemas. Nem parece que você é judeu”.

Exagero que não livrou a cara nem do pai

Foi meu pai quem me apresentou ao Samuel Wainer. Meu pai era “maitre” (eu o chamava de camelô de comida porque ele vendia o que queria) e conhecia o Samuel de servi-lo nos restaurantes. Anos depois, eu já era editor do segundo caderno da Ultima Hora e também assinava uma coluna diária que tinha a então movimentada noite carioca como tema. Meu pai era o dono do Chez Robert, restaurante que funcionou em Copacabana e que tinha também, no segundo andar, a boa La Cage (o nome fazia referência a pista da dança que era uma gaiola dourada). Todas as noites, eu ia filar a bóia no Chez Robert, onde também encontrava muita gente e, portanto, muitas notas para minha coluna. Certa noite fui lá e a coisa não estava legal: o ar condicionado tinha pifado e tanto no restaurante como na boate, o serviço não era dos melhores. Não tive dúvidas e escrevi uma nota esculhambando a casa. Achei que estava cumprindo o meu dever de repórter, mas não foi bem assim: quando a nota foi publicada, o Samuel me chamou e perguntou ao mesmo tempo em que grifava o nome do restaurante na minha coluna.
- “Esse não é o restaurante do seu pai?” – perguntou. Respondi apenas com um sim, balançando a cabeça, e o Samuel completou:
- “Você é louco Como pode fazer isso com seu pai?”
Não me dei por vencido:
- “Não fiz nada, além do que o senhor me ensinou, que é publicar apenas a verdade e aí não tem nenhuma mentira”.
Samuel não disse nada e fui saindo, mas enquanto me encaminhava até a porta deu para ouvi-lo dizendo baixinho:
- “É doido. Doido”.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A grande cartada do mestre Samuel Wainer

por Eli Halfoun
Quem trabalhou com Samuel Wainer (tive a felicidade de tê-lo como mestre) sabe que, muito mais do que um jornal revolucionário (gráfica e editorialmente), a Ultima Hora era uma verdadeira escola de jornalismo. Estive presente em um episódio que nos ainda dias de glória do jornal, revela bem que Samuel Wainer não era um patrão qualquer. Era um colega-repórter e provou isso várias vezes em sua atitudes. Boa parte do pessoal da redação ficava no jornal até o fechamento mesmo que não tivesse nada para fazer. Em uma dessas noites fui indicado para um plantãozinho e tinha que ficar atento caso houvesse necessidade de preparar um segundo clichê. Na verdade a turma ficava ali com intenção bem diferente do que a de trabalhar: descíamos para ao porão, onde se localizava o arquivo, e o transformávamos em um “cassino” onde o jogo de cartas corria solto.
Nessa noite o telefone toca e o Samuel manda me chamar e diz:
- Eli, sei que vocês estão jogando. Suspende o carteado um pouquinho, pede pro pessoal subir, colocar papel na máquina e fingir que está trabalhando.
- Por que Samuel? – tive a ousadia de perguntar e ele explicou:
- É que o Raimundo (era o diretor financeiro) está indo pra aí dar um flagrante em vocês e demitir todo mundo por justa causa.
Transmiti o recado e em dez minutos estávamos todos na redação fingindo trabalhar. Quando o Raimundo chegou ficou completamente sem graça, disfarçou e desapareceu.
Nos meus ainda inocentes 20 anos de idade fiquei curioso e no dia seguinte fui até a sala do Samuel e perguntei:
- Por que você não permitiu o flagrante? Ele ensinou:
- Sei os repórteres que tenho e se todos estão na redação fora do horário e acontecer alguma coisa espetacular o jornal terá uma grande equipe em ação.
Não foi só mais uma demonstração de bom caráter do companheiro repórter que o Samuel representava. Foi a lição de que o interesse maior pelo bom jornalismo está presente no jornalista todo o tempo. Samuel Wainer era acima de tudo um jornalista. E foi isso que ensinou para muitos profissionais. Felizmente tive a sorte e o privilégio de ter sido um de seus alunos.

domingo, 27 de setembro de 2009

Benício Medeiros lança livro sobre o jornal Última Hora

A editora Civilização Brasileira lança em outubro o livro A Rotativa Parou - Os últimos dias da Ultima Hora de Samuel Wainer, do jornalista Benício Medeiros. É mais uma obra a abrir luz sobre a história de um importante veículo. Quem nos passa a dica é Roberto Mugiatti, que enviou o link com o seguinte recado: "Esta matéria pode interessar ao Panis Cum Ovum, tem a ver com nossa história, nesta profissão incerta... E o Benício esteve presente também aos últimos dias da Manchete. Foi meu chefe de redação de 1998 até maio de 1999, quando o Janir assumiu e fomos transferidos para o EleEla. Ele pediu o boné e não foi trabalhar no EE" (RM)
Leia a matéria sobre o livro de Benício no link A Rotativa Parou