Otto Maria Carpeaux Foto Manchete |
Carpeaux escreveu a maior parte dos 200 artigos da série. Não só explicou admiravelmente ao leigo clássicos como O castelo, de Kafka; Crime e castigo, de Dostoievski e Madame Bovary, de Flaubert, como mostrou sua versatilidade ao analisar o romance cult de J.D. Salinger O apanhador no campo de centeio. O mais notável é que só aprendera o português aos quarenta anos de idade, quando chegou ao Brasil em 1939, fugindo do nazismo.
Judeu, nascido Otto Karpfen em Viena em 1900, participou ativamente da vida cultural da Áustria e da Alemanha, antes que a ascensão do hitlerismo começasse a lhe trazer problemas. Convertido ao catolicismo em 1933, acrescentou “Maria” ao nome e afrancesou o sobrenome para Carpeaux. Com a anexação da Áustria pela Alemanha, Carpeaux e a mulher foram obrigados a fugir, deixando para trás a mãe (o pai já tinha morrido) e levando consigo apenas um missal. Depois de um breve período em Antuérpia, na Bélgica, o casal pegou um navio para o Brasil, justo quando a Segunda Guerra se iniciava, com a invasão da Polônia pela Alemanha em 1º de setembro de 1939.
Excepcionalmente dotado para línguas – falava alemão, francês, italiano, inglês, catalão, galego, provençal, servo-croata e latim – em um ano aprendeu e dominou o português. Por seu saber incomparável, Carpeaux traria, nas quatro décadas seguintes, uma contribuição vital para a cultura brasileira, em projetos individuais e coletivos. Sua predominância na série da Manchete é apenas uma amostra da incrível capacidade de trabalho.
Eu já não o via mais desde que a série terminara em 1977. Na sexta-feira, 3 de fevereiro de 1978, estou na Praça Tiradentes com minha mulher, Lena, bisbilhotando a explosão do Carnaval gay, que costumava abrir com o Baile da Paulistinha. O lugar mais improvável para saber que Otto Maria Carpeaux – o homem que falou com Kafka em Berlim – morrera de um ataque cardíaco. A notícia foi trazida pelo Cony, que tinha ido ao enterro naquela tarde. Involuntariamente, Cony, Lena e eu – com olhares vagos para a folia ao nosso redor – fizemos um minuto de silêncio.