1975: Magalhães Júnior vs. João Antônio
Magalhães Júnior. Foto de Antonio Rudge/Manchete
Na Rua General Glicério tem uma espécie de pombal, uma caixinha com portinhola de vidro, destinada à doação ou troca de livros. Nunca encontrei algo que me interessasse ali, mas no último sábado foi diferente. Peguei logo a edição de bolso de Malagueta, Perus e Bacanaço, que João Antônio publicou em 1963 aos 28 anos. Tinha meus motivos pessoais: João Antônio trabalhou comigo na Manchete. Dez anos depois de publicar o elogiado livro de estreia, casado, com um filho pequeno, ele ganhava a vida como repórter da revista. Literatura – especialmente do seu tipo – não enchia a mesa de ninguém nesse país, particularmente nos tempos da ditadura militar. Amargurado, queima seu tempo e talento a escrever textos banais na semanal ilustrada das capas com mulheres bonitas, da qual me tornei o editor-chefe a partir de 1975. As matérias dos repórteres são reescritas por redatores mal-humorados, o R. Magalhães Júnior era o pior deles. Uma tarde, alto e bom som, na presença de toda a redação, ele achincalha um texto escrito pelo elogiado cronista do submundo, herdeiro de João do Rio e de Lima Barreto. João Antônio submete-se à humilhante reprimenda do Magalhães em silêncio. Ao voltar para casa, tem um surto de violência e quebra o apartamento inteiro. É imediatamente internado no Pinel, o manicômio de nove entre dez intelectuais cariocas.
A vida de João Antônio tomou outros rumos. Largou mulher e filho, viveu na Alemanha com uma bolsa de estudos e, ao voltar, concentrou seus esforços exclusivamente na literatura. Isolado como um eremita num apartamento na Praça Serzedelo Correa, em Copacabana, sua morte, aos 59 anos, só foi descoberta quinze dias depois.
Já o irascível – e, em raríssimos momentos, doce Raimundo Magalhães Júnior, morreu em 1981, aos 74 anos, atropelado quando atravessava teimosamente as pistas largas do Flamengo diante do prédio da Manchete. Para mim, foi um suicídio acidental. Dias antes, ao enfiar na cabeça a boina basca para ir embora, Magalhães confidenciou para mim: “Muggiati, que saber de uma coisa? Estou cansado. Acho que já vivi demais...”
1974: Maurício Gomes Leite vs. Sebastião Uchoa Leite
Sexta-feira, dia 25 de fevereiro de 1974, a redação do Russell a todo vapor fechando a matéria do pavoroso incêndio do Edifício Andraus, em São Paulo, ocorrido na véspera. Todo mundo fica com os nervos à flor da pele nestas ocasiões.
Mauricio G. Leite |
Já Sebastião Uchoa Leite, fez carreira discreta de poeta conceituado e morreu do coração aos 68 anos. Ignoro se foi cremado ou sepultado, mas, previdente, desde os tempos da Manchete ostentava já o seu epitáfio, assumindo toda o seu estranhamento social: “Aqui jaz, para o seu deleite, Sebastião Uchoa Leite.”