A advertência à Fatos & Fotos. Reprodução (clique na imagem para ampliar) |
A revista Fatos & Fotos não era, obviamente, um alvo da censura da ditadura. Mas a paranoia do regime era tanta que até mesmo a F&F, como revista de variedades, comportamento e entretenimento, mexia na TPM do censor, como se vê na advertência acima enviada a Adolpho Bloch, em 1977, e repassada ao então diretor da revista, Justino Martins.
Um decreto-lei de 1970 havia instituído a censura prévia. Na época, a Bloch encaminhou um requerimento à Polícia Federal solicitando que suas revistas fossem dispensadas da aprovação prévia de matérias. Um representante da Divisão de Censura de Diversões Públicas foi ao prédio da Manchete conversar com Adolpho para fechar o "acordo". Não há registro do teor da conversa, mas a PF, como expressa a advertência acima, firmou o compromisso de manter apenas a EleEla sob censura prévia. A revista masculina já era obrigada a cumprir algumas regras do tipo nada de genitais, um peito só visível por foto etc e zero de entrevistas com personagens opostos ao regime. Ainda assim, a Bloch incorporou aos seus corredores um coronel, uma espécie de "consultor", que era convocado a opinar sobre as consequências de uma ou outra matéria.
Nessa fase, as reportagens políticas da Manchete chegavam à mesa do editor tão assépticas que jamais deram problema. Em outra ponta, a revista exaltava o "Brasil Grande" e as obras do governo, o que certamente agradava aos milicos. Com tudo isso a Manchete teve pelo menos um atrito no item "agressão à moral e aos bons costumes" - acho que uma edição chegou a ser apreendida - por causa de uma foto em página dupla de uma matéria sobre "amor livre" que mostrava trocentos casais nus, deitados na grama. Até a Pais & Filhos teve uma edição recolhida em função de fotos de amamentação que provavelmente ativaram a libido de algum censor.
A advertência reproduzida acima enquadrava a F&F e ameaçava a revista de censura prévia por matérias sobre lesbianismo, Esquadrão da Morte e um chocante assassinato de uma menina. Em outra ocasião - como revela o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" - Justino Martins e o repórter Geraldo Lopes foram convocados à sede da PF, no Rio. Um bandido, que estava preso na Frei Caneca mas que era "liberado" para praticar assaltos, foi morto em um tiroteio supostamente após um desentendimento na partilha do produto do assalto. O repórter descobriu que um delegado, também morto na troca de tiros, participaria do esquema. A revista publicou uma extensa matéria sobre o crime, incluindo a denúncia do envolvimento da polícia. Tão logo a Fatos & Fotos chegou às bancas, Adolpho Bloch recebeu um telefonema do próprio ministro da Justiça, o notório Armando Falcão. Acontece que o policial citado era agente federal. Falcão disse ao Bloch, segundo este revelou, que não se responsabilizava pela reação dos colegas do acusado.
Essa versão - a do suposto envolvimento do policial - sumiu dos jornais e das "suites" do caso.
A convocação de Justino e Geraldo à PF foi pura intimidação, eles logo retornaram à redação. Mas o Ministério da Justiça exigiu que, na semana seguinte, a F&F publicasse uma "biografia" exaltando o perfil e a honestidade do delegado. O que foi feito. E foi assim que o "acusado" de uma semana virou "gente boa" na edição seguinte.