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Pra lá da Via Láctea
Astrofísica brasileira que trabalha na Nasa e pesquisa a origem das galáxias conta como nasceu sua paixão pelas estrelas
A Pioneer 11 foi lançada em 1973. Destinava-se a explorar o espaço muito além de Marte. Os cientistas equiparam a nave com câmeras e instrumentos para mapear elétrons e prótons, medir temperaturas e investigar asteroides. Só esqueceram de instalar no painel um dispositivo capaz de medir uma função subjetiva da sonda: a capacidade de influenciar pessoas. A milhões de quilômetros de distância, a Pioneer 11 enviava dados e fotos que fizeram avançar a ciência e, por tabela, traçaram o futuro de uma menina brasileira.Duília Fernandes de Mello (50), astrofísica do Goddard Space Flight Center e da Nasa, professora da Universidade Católica da América, pesquisadora da Universidade John Hopkins, ambas em Washington, e analista de imagens do telescópio Hubble, revela à Contigo! que sua paixão pelas estrelas e a motivação para estudar astronomia nasceram na órbita da Pioneer. “Quando eu era criança, admirava a lua cheia. Olhava e pensava, ‘puxa, já pisamos lá’. Mas o que realmente me motivou foi ver em uma revista Manchete, quando deveria ter uns 14 anos, as imagens dos planetas que a Pioneer enviava para a Terra. Eu queria saber como aquilo funcionava, como eram captadas aquelas cenas maravilhosas”, conta Duília, que atualmente mora em Baltimore, nos Estados Unidos. Impressionada com a tecnologia da sonda, a então adolescente - ela nasceu em Jundiaí (SP) e foi criada no subúrbio carioca de Brás de Pina - passou a escrever nos seus cadernos escolares os nomes do ídolo, Peter Frampton, do time, Flamengo, e da Pioneer. Era, certamente, a única menina na escola a ter uma “sonda favorita”. “Sempre adorei ficção científica, cresci vendo Star Trek, Perdidos no Espaço eGuerra nas Estrelas”, recorda. A Pioneer 11 mergulhou no espaço profundo e parou de se comunicar com a Terra em 1995, ano em que a trajetória profissional da menina que a nave impulsionou começou a decolar. Já em janeiro de 1997, Duília, que se formou na Universidade Federal do Rio de Janeiro, era astrônoma do Observatório Nacional e estudava galáxias no Observatório Europeu do Sul (European Southern Observatory). E foi no ESO, em La Silla, no Chile, que ela fez sua primeira descoberta. Nada menos do que uma supernova, uma estrela que havia acabado de explodir. “Descobrir uma supernova foi bem emocionante. Principalmente pela forma como a encontrei. Eu estava sozinha, em um telescópio, observando galáxias, quando vi uma estrela que não deveria estar no campo em que estava pesquisando. Fiquei curiosa e tomei a decisão de avaliar o que era. Eu poderia ter simplesmente continuado a fazer o que estava fazendo e não ligar para a estrela intrusa. Mas a minha curiosidade levou à descoberta. Depois vi que a intrusa era uma supernova, que levou o nome 1997D”. Cerca de dez anos depois, Duília fez outra descoberta importante: um fenômeno a que batizou de “Bolhas Azuis”. A partir da sua pesquisa, que encontrou oito “bolhas” a 12 milhões de anos-luz de distância da Terra, cada uma contendo duas mil estrelas, a Nasa implantou um programa especialmente para detectar “bolhas azuis” em outras galáxias. Foi mais uma conquista entre tantas ao longo de uma carreira que neste 2014, em junho, mereceu o Prêmio Diáspora Brasil, na categoria Tecnologia da Informação e Comunicação, concedido aos cientistas que se destacam no exterior. Duília é um exemplo da dispersão de talentos brasileiros. “Em 1997, tomei a decisão de sair do Brasil porque os investimentos eram muito limitados. Uma situação que não mudaria rapidamente pois o governo, na época, anunciava cortes severos no investimento em pesquisa. Nos últimos 10 anos, isto mudou. Se fosse hoje, eu não teria saído. Sei que agora é possível fazer ciência de primeiro mundo no Brasil. Mas a comunidade científica brasileira precisa se organizar, escolher projetos-chaves e investir nestes projetos para dar impulso à ciência e motivação ao jovem”, opina.
A “diáspora” empreendida por Duília a levou além do êxito científico. Quando ainda estava no Chile, ela não fez contato visual apenas com a supernova. Uma noite, ao tirar o olho do telescópio, “descobriu” o astrônomo sueco Tommy Wiklind (56), com quem está casada há 17 anos. “O observatório de La Silla reúne astrofísicos e astrônomos de vários países. Foi lá que nos conhecemos. Somos muito felizes e temos muita coisa que nos une. Nossa paixão pela astronomia é uma delas, mas temos também grande paixão por viajar e explorar outras culturas. Não sabemos como seria o nosso relacionamento se não fossemos astrônomos”, constata Duília. Segundo ela, muitas mulheres astrônomas são casadas com astrônomos. “Imagino que temos um pouco mais de tolerância, pois entendemos a dedicação que a carreira requer”. A profissão exige, de fato, um ajuste frequente na sincronia do casal. Conciliar horários, por exemplo, nem sempre é possível. “Eu sou matutina, mas quando é preciso virar a noite, eu viro. Um astrônomo, quando vai observar, precisa passar a noite em claro e dormir durante o dia. E é difícil se desconectar do que se está fazendo”, explica. Recentemente, trabalhando com o Hubble, Duília capturou imagens do “Campo Ultraprofundo”, o que foi avaliado como um passo importante para desvendar a origem das galáxias. Uma pesquisa tão complexa, que tenta identificar imagens geradas há milhões de anos, torna difícil a um leigo imaginar como alguém pode sair de um trabalho como esse, quase uma máquina do tempo, e encarar uma rotina comum. “Não dá para desligar o cérebro, tem sempre alguma coisa no fundo do pensamento. Por exemplo, adoro pensar nos projetos quando acordo e vou tomar banho. Tomo grandes decisões no chuveiro”, conta, rindo. Duília, contudo, não se sente dividida entre “ficção” e realidade. “Eu lido com o universo como se ele fosse o meu laboratório. Estou sempre questionando o ser humano e como ele não se dá conta da vastidão do universo”, diz. Mesmo assim, há, é claro, espaço e tempo para a vida dita “normal”. Para muitos, persiste o estereótipo de que cientistas são seres descabelados como Einstein ou, atualizando a imagem, físicos mega nerds como os personagens Sheldon, Leonard, Howard e Rajeesh, do seriadoThe Big Bang Theory. Duília relata no livro Vivendo com as estrelas (Panda Books), lançado em 2009, um episódio que ilustra o preconceito. “Pensam que vivo no mundo da lua. Certa vez, um estudante universitário brasileiro me perguntou porque eu havia escolhido ser astrônoma, já que era bonitinha e parecia uma pessoa normal”, escreveu. Até hoje, ela acha que é difícil tirar esse rótulo do cientista. “Mas precisamos mostrar que não são todos assim e que todos podem chegar a ser cientistas, basta persistência e vontade”, diz ela, que lista alguns itens da sua porção “normal”. “Sou vaidosa, só não gosto de pintar a unha. Gosto de fotografia aérea. Temos um aviãozinho monomotor e enquanto Tommy pilota, eu tiro fotos da Terra vista de cima, cozinhar é um dos meus hobbies. Dou uma desacelerada no cérebro quando estou cozinhando. Não gosto muito de seguir receitas, vai tudo no improviso. Apenas no Natal sigo a receita da Julia Child (apresentadora já falecida de programas de culinária na TV americana) do prato francês Boeuf Bourguignon que, segundo o meu marido, é o melhor do mundo”, com conclui, bem-humorada.
2 comentários:
Um exemplo de garra. São essas pessoas que nos fazem acreditar no Brasil.
Mas esses gênios brasileiros, infelizmente, não conseguem nada neste país e são obrigados a irem embora ou se descobertos por países estrangeiros mudarem de nação. Não me lembro de nenhum nome brasileiro de cientistas – em qualquer ramo da ciência – que tenha ficado no Brasil. Cesar Lattes, Sérgio Porto e tantos outros foram acabar nos EUA ou na Europa.
Esse Brasil não sabe educar e muito menos preservar os seus brilhantes cérebros, que sem apoio e sem emprego acabam motoristas de taxi para sobreviverem.
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