Roberto Muggiati
Julho de 1996 a outubro
de 1997 marcou para mim o único momento em que fui feliz na Bloch. Afastado da
direção da revista Manchete, nomeado
Editor de Projetos Jornalísticos, fui despachado para o local geograficamente
mais remoto do Titanic do Russel: a cobertura do terceiro prédio do Russell, à
qual se tinha acesso por uma escada em caracol. Era um salão imenso – uns dez
metros de frente por setenta ou oitenta de fundos – assoalho de tábuas
corridas, tapetes persas, sala de visitas com sofá e poltronas e obras de arte
nas paredes. Ali eu trabalhava com o João Américo Barros, meu chefe de arte, e
o Sérginho, meu factótum e fiel escudeiro. Com sua ironia fina, Alberto de
Carvalho batizou o lugar de degredo de “Santa Genoveva”, alusão ao asilo de
idosos em Santa Teresa em que os velhinhos, ao invés de serem cuidados, sofriam
maus tratos.
Longe do insensato mundo da Bloch, fiz bons trabalhos ali. A
reedição da série de fascículos sobre a História do Brasil, lançada em 1972,
atualizada para o ano de 1997. Foram 52 fascículos inseridos na Manchete
semanalmente – um ano exato – oferecendo um algo mais à revista que lutava para
sobreviver. Editei também o número especial dos 45 anos de Manchete, com 350 páginas e uma receita publicitária fabulosa. E
dirigi a edição especial de Fatos&Fotos
– a primeira a chegar às bancas – sobre a morte de Princesa Diana. Lancei
também meu livro A Revolução dos Beatles,
em comemoração dos 35 anos da primeira gravação dos Fab4 em Abbey Road.
Na "Santa Genoveva". Foto: Arquivo Pessoal R.M |
Atrás
da minha mesa no Santa Genoveva (o apelido colou imediatamente) havia um
Krajcberg na parede, uma assemblage
de galhos de árvore pintados de branco, praticamente uma versão reduzida da
obra de arte do saguão de entrada da Manchete.
No Santa Genoveva eu
fiquei protegido dos chatos (devem ter algum problema com escadas em caracol) e
da histeria manchetiana (os Bloch e os colegas da revista não tinham tempo, ou
coordenação motora, para chegar até lá.) Sentia pena do Herculano Mathias,
historiador que redigia semanalmente os novos fascículos da História do Brasil, cuja idade
dificultava escalar aquela escada íngreme. Eu era o dono do pedaço e podia
ligar e desligar o ar condicionado ao meu bel prazer, coisa inimaginável nas
outras redações, onde o ar só era ligado por ordem do seu Adolpho, ou
sucessores. Tinha sempre um bom scotch à mão para a happy hour, um dos habitués
era o milanês Carlo Rizzi, autor do novo design
da Manchete, ficamos logo amigos – os
Muggiati eram oriundi de Stradella, nos
arredores de Milão.
Mal sabia eu que aquela
alegria não ia durar muito. O primeiro sinal foi o Carnaval. Eu antevia, pela
primeira vez em 22 anos, um feriado tranquilo no meu chalé em Itaipava, longe
do fechamento da edição de Carnaval. Mas Jaquito me convocou para editar a Manchete carnavalesca: “Esses paulistas
não entendem porra nenhuma da Carnaval.” E lá fui eu amargar as madrugadas de
pão com ovo, o sol surgindo, bonito mas ordinário, uma bola vermelha entre o
Pão de Açúcar e o Saco de São Francisco. Pior ainda: a diagramação
computadorizada infernizou a edição, saudades da paginação analógica do grande
Wilson Passos e da fotocomposição do Carlão. O uso do Macintosh acabou com cem
empregos e sobrou problema para a redação e os diagramadores. E mais: o
sucessor do doce Vincenzo Scarpelini – que se apaixonou por nossa repórter
paulista e foi trabalhar na Folha – o
Massimo Gentile, que de gentil não tinha nada, estava numa ressaca mortal no
início dos trabalhos no sábado e tudo e todo mundo parado. Foi preciso o
Layrton ir busca-lo à força em casa e entupi-lo de café preto. Triste
lembrança: ambos jovens, tanto Vincenzo como Massimo já se foram. Carma da
Bloch? Você decide.
Um pouco da minha
história na Manchete. Voltando de
três anos na BBC de Londres, meu amigo Narceu de Almeida, chefe da sucursal de
Paris, no Rio para o 1º FIC – me levou à Manchete
em Frei Caneca, onde Jaquito me contratou como repórter especial, começando no
dia seguinte ao feriado da República de 1965 – cara, exatamente há 52 anos
hoje... Em março de 1968, sentindo-me sem perspectiva na Bloch, fui participar
da equipe inicial de Veja em São
Paulo como um dos quatro editores do capo
Mino Carta. Minha primeira mulher não se adaptou à Pauliceia e voltei em
setembro de 1969 para dirigir Fatos&Fotos.
Um daqueles cavalos de rodeio em que você só consegue se segurar alguns
instantes. Em setembro de 1970 o Cony me chamou para ser seu chefe de redação
no EleEla. Em 1972, o Justino Martins
me chamou para ser o seu “segundo” na Manchete.
Editei a revista nas férias de maio de Justino, Cidadão Cannes, que ia todo ano
ao festival. Em 1975, Adolpho tirou o Justino da Manchete e me colocou como editor. Justino voltou à direção em
1981, me mantendo sempre como seu “segundo”. Em 1983 – aí é que começam os
problemas das revistas, com a conquista da Rede Manchete. A TV vai ao ar, um
mês depois Justino morre de um câncer fulminante, uma morte simbólica. Volto à
direção da revista. Depois de um breve interregno da dupla Hélio Carneiro-Janir
de Holanda, reassumo direto até 1996.
Por essa época, o
Titanic já estava fazendo água. As vendas caíam, mais por uma contingência
editorial-gerencial da Bloch do que pela qualidade dos seus jornalistas.
Uma tentativa de me tirarem da direção da Manchete foi feita pelo Oscar (Bloch Sigelmann) em 1992. Convidou o Augusto Nunes, paulista que à época dirigia o jornal Zero Hora em Porto Alegre. Ofereceu-lhe um salário cinco ou seis vezes superior ao meu. Augusto Nunes, macaco velho, veio, viu e voou (para longe). Bastou um almoço com vista panorâmica no restaurante do Russell, e o papo do Oscar, para que percebesse o perigo que corria. Outro convidado, o Elio Gaspari, também não caiu na conversa. (Vejam os recortes das notas publicadas pelo Zózimo no JB). Jaquito costumava me chamar em crise: “Muggiati, precisamos fazer alguma coisa, por nossos filhos!” Osias (Wurman), mais sotto voce, buzinava: “Muggiati, fique atento senão um dia chega aí um paulista com uma pastinha de executivo para pegar o teu lugar.” Não deu outra. Em meados de 1996 Roberto Barreira assumiu interinamente a direção e em outubro a troika paulistana tomou o poder: Tão Gomes Pinto, com Otávio Costa e Nunzio Briguglio. Tão, que, como eu, foi subeditor de Mino Carta no início da Veja, tinha sofrido um AVC que deixou seu braço direito molenga. E o Nunzio era incauto o bastante para proclamar “Eu sou o braço direito do Tão”. Com Otávio e Nunzio se odiando ostensivamente e Tão morando num apartamento na Barra, totalmente deslocado, não podia dar certo.
Reprodução do Jornal do Brasil. Arquivo pessoal R.M |
Uma tentativa de me tirarem da direção da Manchete foi feita pelo Oscar (Bloch Sigelmann) em 1992. Convidou o Augusto Nunes, paulista que à época dirigia o jornal Zero Hora em Porto Alegre. Ofereceu-lhe um salário cinco ou seis vezes superior ao meu. Augusto Nunes, macaco velho, veio, viu e voou (para longe). Bastou um almoço com vista panorâmica no restaurante do Russell, e o papo do Oscar, para que percebesse o perigo que corria. Outro convidado, o Elio Gaspari, também não caiu na conversa. (Vejam os recortes das notas publicadas pelo Zózimo no JB). Jaquito costumava me chamar em crise: “Muggiati, precisamos fazer alguma coisa, por nossos filhos!” Osias (Wurman), mais sotto voce, buzinava: “Muggiati, fique atento senão um dia chega aí um paulista com uma pastinha de executivo para pegar o teu lugar.” Não deu outra. Em meados de 1996 Roberto Barreira assumiu interinamente a direção e em outubro a troika paulistana tomou o poder: Tão Gomes Pinto, com Otávio Costa e Nunzio Briguglio. Tão, que, como eu, foi subeditor de Mino Carta no início da Veja, tinha sofrido um AVC que deixou seu braço direito molenga. E o Nunzio era incauto o bastante para proclamar “Eu sou o braço direito do Tão”. Com Otávio e Nunzio se odiando ostensivamente e Tão morando num apartamento na Barra, totalmente deslocado, não podia dar certo.
Minha
saída aconteceu meses depois da morte de Adolpho, que foi enterrado no
cemitério de Vila Rosali em 20 de novembro de 1995, a primeira vez em que se
respeitou o feriado de Zumbi, uma segunda-feira em que choveu o dia inteiro.
Achavam que o Adolpho, sentimental demais, jamais me tiraria da direção da Manchete. Na verdade, o velho sabia mais
que os outros. Àquela altura, uma simples troca de técnico não ajudaria o time
em crise. Pior ainda seria chamar um “colombiano”, como o Flamengo fez.
Uma coisa de que me dou
conta só agora, é que a Bloch era uma confraria de oprimidos, muito forte e
coesa e, quem quisesse liderar qualquer coisa, tinha de entender isso. Foi o
que aprendi desde cedo, intuitivamente, e aderi àquela maravilhosa legião de
“proscritos da terra” (está lá, na letra do nosso hino, a Internacional). No Dia das Bruxas de 1997, Tão Gomes Pinto pediu as
contas e Jaquito me convocou, mais uma vez, para editar a Manchete. O que fiz, da melhor maneira que pude, até maio de 1999.
A revista já era uma nau à deriva, e a empresa também. E deu no que deu, no
pedido de falência em 1º de agosto de 2000. Mas nunca esquecerei os dias
felizes vividos com a escultura do Krajcberg nas minhas costas no Santa
Genoveva.
6 comentários:
Belo texto, Muggiati!
Edgard Catoira
Que bela carreira e recordações!!! Parabéns mestre Roberto Muggiati!
Ai Muggiati que saudade... Tornei-me muito nostálgica. Coisas da idade. Adoro ler seus recuerdos! Dalva Ventura
Mensagem enviada por email a José Carlos Jesus, da Comissão dos Ex-Empregados da Bloch Editores e repassada ao blog:
Zé, apenas um comentários, a embarcação ficou à deriva, sem comandante.
A editora custou muito a se modernizar, profissionais nao se reciclaram, principalmente no setor do Carlão.
Ni meu caso, eu me reciclei, sim, porque meo horario de trabalho permitia, que eu prestasse serviços em outras empresas que já entendiam que o processo de mudanças tecnologicas estavam em andamento.
Algumas coisas que aprendi, levei para a Fotocomposiçao, sempre com apoio do Carlão.
Disse pro Carlão uma vez, precisamos ter um microcomputador na Fotocomposiçao.
Ele convenceu o Jaquito que colocou um PC com o programa de ediçao de texto chamado PageMaker, e a partir disso todos os titulos das materias da Manchete, na sua maioria nao precisavam ser refeitos por problemas de estouro, corpo do titulo maio do que o espaçi a ele destinado, pelo diagramador e isso passou a ser usado para todas os titulos da revista.
Tenho muita coisa pra dizer tambem, mas isso fica pra outra hora.
Parabens ao Mugiatti pelo texto e um forte abraço pra vc.
Nilson
Mensagem enviada por email a José Carlos Jesus, da Comissão dos Ex-Empregados da Bloch Editores e repassada ao blog:
Saudades dos bons tempos
Ana Gaio
E o chefe da Pre pres , Ricardo Trazmelina, junto com Severo, o chefe de montagens elétricas na empresa, puxaram um cabo para o Santa Genoveva e pode-se instalar um computador iMac na aquele salão e pode-se então diagramar a série história do Brasil.
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