Quem disse que a história não é uma disciplina dinâmica? Com o tempo, os fatos são reinterpretados, acomodam-se às circunstâncias, adaptam-se às campanhas político-partidárias.
A morte recente de um embaixador que teve alto cargo no Itamaraty no governo Geisel, em plena ditadura, levou parte da mídia a acionar a tecla delete sobre o passado. Sob a motivação da homenagem ao embaixador, o Itamaraty da ditadura chegou a ser exaltado como uma ilha de rara competência e muita democracia.
Não foi bem assim.
Documentos levantados pela Comissão da Verdade e papeis que perderam o selo de top secret no Departamento de Estado, em Washington, provam que o Itamaraty nunca foi uma "ilha de democracia' em meio ao regime ditatorial. Ao contrário, foi um braço de longo alcance do governo militar. Diplomatas foram cassados, outros relegados a postos obscuros e exilados foram vigiados e perseguidos. Na outra ponta, certas carreiras ganharam impulsos extraordinários. Mesmo quando a ditadura fez a coreografia política de deixar o poder mantendo no lugar o alegórico José Sarney, funcionários do Itamaraty, a "ilha de democracia", ainda tiveram respaldo suficiente para destruir documentos comprometedores, assim como fez a maioria dos setores administrativos da ditadura na superfície ou nos porões.
O Itamaraty colaborou com a Operação Condor que funcionou até 1980 e tem marcas de assassinatos políticos nas coronhas que circularam pelas ditaduras do Cone Sul.
Um dos artigos publicados recentemente celebra a atuação do falecido embaixador Luiz Felipe Lampreia quando, no posto de porta-voz do Itamaraty, durante o governo Geisel - o ministro das Relações Exteriores era o notório Azeredo da Silveira -, "abriu" a instituição aos jornalistas credenciados e procurou manter boas relações com a imprensa. Um coisa, digamos, gentil.
Também não foi bem assim.
Em 2008, em depoimento ao Centro de Documentação (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, o próprio embaixador Lampreia reconhece que aquele relacionamento "amistoso" com a mídia era, na verdade, uma política do governo militar.
Reprodução Estadão |
E, no caso específico, nem precisou apelar para a grosseira censura.
4 comentários:
Ele não foi o ministro das relações exteriores do FHC????
Foi ele quem disse que "o Brasil não pode querer ser maior do que é", um espécie de incentivo à eterna dependência d Washington.
Lampreia fez diplomacia de alto nível ao contrário do terceiro-mundismo do PT
Neoliberalismo não é alto nível é esgoto
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