por José Esmeraldo
Gonçalves (para a revista Contigo)
Turista nem um
pouco acidental, Tapa, 9, é uma celebridade na internet. Coleciona mais
carimbos na sua documentação do que muito mochileiro. Ao lado dos seus
companheiros de viagem, o administrador de empresas Gustavo Bresaola Vivácqua,
41, mineiro criado no Rio de Janeiro, e a psicóloga carioca Ana Machado, 34,
casados há oito anos, o labrador percorreu 160 mil quilômetros e deixou suas
pegadas em 47 países. Foram 746 dias na estrada, entre 2009 e 2011, além de
muitas viagens pelo Brasil.
Na expectativa de
um próximo roteiro, Tapa exibe na sua linha do tempo cenas invejáveis. Entre
outras experiências, tomou banho nos canais de Veneza, debruçou-se na amurada
do rio Neva, em São Petersburgo, correu nos desertos da Jordânia, flanou sob a
torre Eiffel, nadou nas praias do Chile, Venezuela, Califórnia e, já que nem
tudo é paisagem, deixou seu DNA de viajante em uma ninhada de filhotes no Peru.
Com exceção dos trechos transoceânicos, quando o carro era despachado em container e o trio seguia de
avião, Tapa deu a volta ao mundo a bordo de uma Toyota Hilux adaptada para
motor home e apelidada de “Farofamóvel”. “Nós mesmos fizemos o projeto,
montamos tudo inspirados em nada. Cama,
fogão, chuveiro externo, geladeira, vaso sanitário, microondas, proteção
térmica, uma caminha e reservatório com muita água para manter o Tapa bem
hidratado. É uma caçamba de pick up relativamente pequena. Surpreendentemente,
deu certo e a “Farofa” abrigou a gente perfeitamente durante dois anos”.
Segundo Gustavo, Tapa adaptou-se não só à nova casa como ao longo roteiro através
de tantos países e climas diversos. “Tapa fica bem em casa ou na estrada. É
feliz com as mínimas coisas. E isso é uma importante lição para nós. Ele ama o
mar, cachoeira, rios e descobri que adora neve”, conta ele, que viaja com
cachorro desde 1994. Na época, o companheiro era Haxi, também labrador. A
primeira viagem não foi planejada. Em uma véspera de réveillon, Gustavo não
tinha com quem deixar o animal e o levou. O acaso virou hábito. Nos anos seguintes, Haxi conheceu mais de 200
cidades no Brasil, até falecer, em 2005. Foi quando o empresário ganhou um
filhote de labrador para substituir o “amigo” ausente e deu-lhe o nome da Tapa,
vindo, sugestivamente, de tapa-buraco. “Viajar com cachorro é ótimo,
socialmente falando. As pessoas gostam, ficam curiosas, se aproximam,
conversam, querem saber de onde é o cachorro e como fomos parar ali”, explica.
Isso não significa, contudo, que uma viagem como a de uma volta ao mundo, passando por
culturas tão diversificadas, não ofereça surpresas no caminho. “Quando
planejamos a viagem, parecia uma coisa que ia precisar de uma coragem imensa.
Mas depois que você já está no percurso, tudo parece menos assustador. As
pessoas em geral são boas, colaboram muito. Estar na estrada, de carro,
possibilita uma interação maior, a nossa placa é do Brasil, que é um país
querido, a simpatia do Tapa ajuda. Não sofremos roubo, nem violência, fomos bem
recebidos em praticamente todos os lugares. Mas passamos um pouco de
dificuldade no Irã e na Síria. A gente não sabia que, em geral, eles não gostam
de cachorros. Não há cães de estimação, vimos apenas ovelheiros que trabalham
conduzindo rebanhos. As pessoas associam cachorros com uma coisa suja, infiel,
“cão infiel”, como dizem. Algumas crianças jogaram pedras no Tapa”, relembra
Gustavo. O casal tomou precauções extras ao cruzar o Oriente Médio em plena
Primavera Árabe, quando multidões estavam nas ruas em vários países
reivindicando mudanças políticas, e evitou rotas no norte da África onde havia
ocorrência de seqüestros, foram algumas providências do casal. Gustavo conta
que, na Argentina, um homem visivelmente borracho
tentou se apoderar do Tapa, mas desistiu depois de o brasileiro defender com
alguma energia o fiel companheiro de viagem.
Gustavo já sofreu
um acidente, mas não se machucou com gravidade. “Capotei com o carro. Como
estava em um lugar deserto e era madrugada, dormi junto com o cachorro (era o Haxi) dentro
do carro, que estava emborcado, até chegar ajuda. Acordei com um cara gritando:
“Tem um cara morto com um cachorro dentro do carro”, ri. Em outra ocasião, na
Bolívia, um grande susto: durante uma rápida parada na estrada, Tapa pulou do
carro sem que Gustavo percebesse. Quarenta quilômetros adiante, ele notou a
ausência do cachorro e retornou. Deparou-se com Tapa que vinha correndo na
direção do carro, sedento e cansado. Depois disso, segundo o empresário, o
cachorro nunca mais fugiu. No Peru, Tapa arranjou uma “namorada”, também
labradora, e gerou uns cachorrinhos andinos. De resto, o casal não contabiliza
outros incidentes e destaca que os países da Europa e os Estados Unidos são
extremamente amistosos com cachorros.
Com nove anos de
convivência, Tapa e Gustavo interpretam, de certa forma, os sentimentos um do
outro. “Ele entende tudo, só falta falar. Quando estou feliz, ele demonstra
alegria também. Mas fica “bolado” de ciúmes quando abraço e beijo Ana.
Dependendo da hora, ele fica mais ligado em mim ou na Ana”, diz. “À noite, ele
é meu”, ela completa.
Gustavo e Ana caem
na estrada juntos, velejam, ele faz mergulho submarino, dividem tanto os bons
momentos quanto as situações mais tensas, mas admitem que são diferentes. O
mais aventureiro, no caso, é Gustavo. “A gente se complementa em muitas coisas,
em outras somos diferentes. Sou psicóloga, um mundo totalmente diferente da
atividade dele, mas a gente se adaptou”, diz Ana, que conheceu o Gustavo em
2006, e sabia que estava recebendo um pacote completo: um namorado que adorava
viajar, gostava de cachorro e juntava essas duas preferências. “Ana é mais corporativa”, completa Gustavo. “Ela
teve que abrir mão do emprego para fazer uma viagem que durou dois anos. Tinha
medo, era natural, mas me acompanhou. Achei bacana isso. Ela entra nas
“furadas” , tem muito medo, mas encara, e isso eu admiro muito nela”.
Ana admite que foi
mesmo uma decisão “complicada”. “Fiquei bem preocupada. ‘Volta ao mundo, de
carro’? As pessoas reagiam com surpresa. ‘Isso não existe’, diziam. Parecia que
minha vida ia virar de cabeça pra baixo. Depois, descobri que sou uma pessoa
adaptável, acho que todos nós podemos nos ajustar a qualquer situação”. As respectivas famílias também ficaram
receosas ao saber da volta ao mundo. O que aliviou a saudade e a preocupação
foi a comunicação. “Começamos a dar notícia sempre pelo celular, mas aí chegou
a primeira conta de três mil reais e logo desligamos o aparelho. Acabamos nos
virando só com wi-fi”, relata Gustavo. Ana completa: “A gente usava o twitter como meio para
comentar e dizer onde estava e o skype. Tínhamos um rastreador no carro que
mostrava em um mapa todo o percurso da viagem o tempo inteiro. Nossas famílias
sabiam até onde a gente parava para dormir. Muita gente passou a nos acompanhar
e amigos davam dicas de passeios ao ver onde a gente estava”.
O rastreador
indica, no momento, que o trio viajante está em Angra dos Reis (RJ), onde mora
em um condomínio com bastante espaço para Tapa. Após a longa viagem, Ana
retomou sua atividade – trabalha no departamento de Recursos Humanos de uma grande empresa – e Gustavo dedica-se ao site Viagens Maneiras, que mantém desde 1998, quando deixou o setor
de mineração e navegação, onde trabalhava. Desde o ano passado, está no ar com o
programa do mesmo nome no canal TLC Discovery – produzido pela Soul Filmes e
que mostra fotos e vídeos registrados durante a viagem do Tapa - e escreve um
livro onde conta suas aventuras, com lançamento previsto para o fim do
ano.
Ana costuma dizer
que retomou a rotina mas não é a mesma pessoa de antes da viagem. “A gente
volta com outra mentalidade. Ao conhecer culturas tão diversas, passa a ver
tudo de uma forma diferente. Foi uma viagem muito enriquecedora”, diz.
Além da
documentação que atesta saúde e vacinação – e, a partir deste ano, passaporte
específico, que agora é lei – Tapa carrega um chip implantado sob a pele. Em
alguns países, um scanner lê sua ficha completa. Em breve, o chip vai registrar
o seu próximo roteiro: Canadá e Alasca.
Tapa em Moscou... |
...rolando na grama em Pisa... |
...diante de um templo em Seul ... |
...tomando banho em Veneza. Fotos de Gustavo Vivácqua e Ana Machado. |
Um comentário:
Reportagem interessante que revela que o brasileiro passa a ser aventureiro e gostar de viajar fora do esquema tradicional das Agências de Turismo. Viajar pelo mundo num motor home realmente deve ser fascinante. Mas, precisa ter dinheiro para essa aventura. Como a matéria rola muito em cima do do cachorro ficou faltando as impressões da viagem do cachorro.
Não sabia que BQVManchete também era repórter.
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