sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Gustavo Vivácqua, Ana Machado e Tapa: trio mochileiro

por José Esmeraldo Gonçalves (para a revista Contigo)
Turista nem um pouco acidental, Tapa, 9, é uma celebridade na internet. Coleciona mais carimbos na sua documentação do que muito mochileiro. Ao lado dos seus companheiros de viagem, o administrador de empresas Gustavo Bresaola Vivácqua, 41, mineiro criado no Rio de Janeiro, e a psicóloga carioca Ana Machado, 34, casados há oito anos, o labrador percorreu 160 mil quilômetros e deixou suas pegadas em 47 países. Foram 746 dias na estrada, entre 2009 e 2011, além de muitas viagens pelo Brasil.
Na expectativa de um próximo roteiro, Tapa exibe na sua linha do tempo cenas invejáveis. Entre outras experiências, tomou banho nos canais de Veneza, debruçou-se na amurada do rio Neva, em São Petersburgo, correu nos desertos da Jordânia, flanou sob a torre Eiffel, nadou nas praias do Chile, Venezuela, Califórnia e, já que nem tudo é paisagem, deixou seu DNA de viajante em uma ninhada de filhotes no Peru. Com exceção dos trechos transoceânicos, quando o carro era  despachado em container e o trio seguia de avião, Tapa deu a volta ao mundo a bordo de uma Toyota Hilux adaptada para motor home e apelidada de “Farofamóvel”. “Nós mesmos fizemos o projeto, montamos tudo inspirados em nada. Cama, fogão, chuveiro externo, geladeira, vaso sanitário, microondas, proteção térmica, uma caminha e reservatório com muita água para manter o Tapa bem hidratado. É uma caçamba de pick up relativamente pequena. Surpreendentemente, deu certo e a “Farofa” abrigou a gente perfeitamente durante dois anos”. Segundo Gustavo, Tapa adaptou-se não só à nova casa como ao longo roteiro através de tantos países e climas diversos. “Tapa fica bem em casa ou na estrada. É feliz com as mínimas coisas. E isso é uma importante lição para nós. Ele ama o mar, cachoeira, rios e descobri que adora neve”, conta ele, que viaja com cachorro desde 1994. Na época, o companheiro era Haxi, também labrador. A primeira viagem não foi planejada. Em uma véspera de réveillon, Gustavo não tinha com quem deixar o animal e o levou. O acaso virou hábito.  Nos anos seguintes, Haxi conheceu mais de 200 cidades no Brasil, até falecer, em 2005. Foi quando o empresário ganhou um filhote de labrador para substituir o “amigo” ausente e deu-lhe o nome da Tapa, vindo, sugestivamente, de tapa-buraco. “Viajar com cachorro é ótimo, socialmente falando. As pessoas gostam, ficam curiosas, se aproximam, conversam, querem saber de onde é o cachorro e como fomos parar ali”, explica. Isso não significa, contudo, que uma viagem  como a de uma volta ao mundo, passando por culturas tão diversificadas, não ofereça surpresas no caminho. “Quando planejamos a viagem, parecia uma coisa que ia precisar de uma coragem imensa. Mas depois que você já está no percurso, tudo parece menos assustador. As pessoas em geral são boas, colaboram muito. Estar na estrada, de carro, possibilita uma interação maior, a nossa placa é do Brasil, que é um país querido, a simpatia do Tapa ajuda. Não sofremos roubo, nem violência, fomos bem recebidos em praticamente todos os lugares. Mas passamos um pouco de dificuldade no Irã e na Síria. A gente não sabia que, em geral, eles não gostam de cachorros. Não há cães de estimação, vimos apenas ovelheiros que trabalham conduzindo rebanhos. As pessoas associam cachorros com uma coisa suja, infiel, “cão infiel”, como dizem. Algumas crianças jogaram pedras no Tapa”, relembra Gustavo. O casal tomou precauções extras ao cruzar o Oriente Médio em plena Primavera Árabe, quando multidões estavam nas ruas em vários países reivindicando mudanças políticas, e evitou rotas no norte da África onde havia ocorrência de seqüestros, foram algumas providências do casal. Gustavo conta que, na Argentina, um homem visivelmente borracho tentou se apoderar do Tapa, mas desistiu depois de o brasileiro defender com alguma energia o fiel companheiro de viagem.
Gustavo já sofreu um acidente, mas não se machucou com gravidade. “Capotei com o carro. Como estava em um lugar deserto e era madrugada, dormi junto com o cachorro (era o Haxi) dentro do carro, que estava emborcado, até chegar ajuda. Acordei com um cara gritando: “Tem um cara morto com um cachorro dentro do carro”, ri. Em outra ocasião, na Bolívia, um grande susto: durante uma rápida parada na estrada, Tapa pulou do carro sem que Gustavo percebesse. Quarenta quilômetros adiante, ele notou a ausência do cachorro e retornou. Deparou-se com Tapa que vinha correndo na direção do carro, sedento e cansado. Depois disso, segundo o empresário, o cachorro nunca mais fugiu. No Peru, Tapa arranjou uma “namorada”, também labradora, e gerou uns cachorrinhos andinos. De resto, o casal não contabiliza outros incidentes e destaca que os países da Europa e os Estados Unidos são extremamente amistosos com cachorros.
Com nove anos de convivência, Tapa e Gustavo interpretam, de certa forma, os sentimentos um do outro. “Ele entende tudo, só falta falar. Quando estou feliz, ele demonstra alegria também. Mas fica “bolado” de ciúmes quando abraço e beijo Ana. Dependendo da hora, ele fica mais ligado em mim ou na Ana”, diz. “À noite, ele é meu”, ela completa. 
Gustavo e Ana caem na estrada juntos, velejam, ele faz mergulho submarino, dividem tanto os bons momentos quanto as situações mais tensas, mas admitem que são diferentes. O mais aventureiro, no caso, é Gustavo. “A gente se complementa em muitas coisas, em outras somos diferentes. Sou psicóloga, um mundo totalmente diferente da atividade dele, mas a gente se adaptou”, diz Ana, que conheceu o Gustavo em 2006, e sabia que estava recebendo um pacote completo: um namorado que adorava viajar, gostava de cachorro e juntava essas duas preferências.  “Ana é mais corporativa”, completa Gustavo. “Ela teve que abrir mão do emprego para fazer uma viagem que durou dois anos. Tinha medo, era natural, mas me acompanhou. Achei bacana isso. Ela entra nas “furadas” , tem muito medo, mas encara, e isso eu admiro muito nela”.
Ana admite que foi mesmo uma decisão “complicada”. “Fiquei bem preocupada. ‘Volta ao mundo, de carro’? As pessoas reagiam com surpresa. ‘Isso não existe’, diziam. Parecia que minha vida ia virar de cabeça pra baixo. Depois, descobri que sou uma pessoa adaptável, acho que todos nós podemos nos ajustar a qualquer situação”.  As respectivas famílias também ficaram receosas ao saber da volta ao mundo. O que aliviou a saudade e a preocupação foi a comunicação. “Começamos a dar notícia sempre pelo celular, mas aí chegou a primeira conta de três mil reais e logo desligamos o aparelho. Acabamos nos virando só com wi-fi”, relata Gustavo. Ana completa:  “A gente usava o twitter como meio para comentar e dizer onde estava e o skype. Tínhamos um rastreador no carro que mostrava em um mapa todo o percurso da viagem o tempo inteiro. Nossas famílias sabiam até onde a gente parava para dormir. Muita gente passou a nos acompanhar e amigos davam dicas de passeios ao ver onde a gente estava”.
O rastreador indica, no momento, que o trio viajante está em Angra dos Reis (RJ), onde mora em um condomínio com bastante espaço para Tapa. Após a longa viagem, Ana retomou sua atividade – trabalha no departamento de Recursos Humanos de uma grande empresa – e Gustavo dedica-se ao site Viagens Maneiras,  que mantém desde 1998, quando deixou o setor de mineração e navegação, onde trabalhava. Desde o ano passado, está no ar com o programa do mesmo nome no canal TLC Discovery – produzido pela Soul Filmes e que mostra fotos e vídeos registrados durante a viagem do Tapa - e escreve um livro onde conta suas aventuras, com lançamento previsto para o fim do ano. 
Ana costuma dizer que retomou a rotina mas não é a mesma pessoa de antes da viagem. “A gente volta com outra mentalidade. Ao conhecer culturas tão diversas, passa a ver tudo de uma forma diferente. Foi uma viagem muito enriquecedora”, diz.  

Além da documentação que atesta saúde e vacinação – e, a partir deste ano, passaporte específico, que agora é lei – Tapa carrega um chip implantado sob a pele. Em alguns países, um scanner lê sua ficha completa. Em breve, o chip vai registrar o seu próximo roteiro: Canadá e Alasca.  


Tapa em Moscou...

...rolando na grama em Pisa...

...diante de um templo em Seul ...
...tomando banho em Veneza. Fotos de Gustavo Vivácqua e Ana Machado. 

Um comentário:

J.A.Barros disse...

Reportagem interessante que revela que o brasileiro passa a ser aventureiro e gostar de viajar fora do esquema tradicional das Agências de Turismo. Viajar pelo mundo num motor home realmente deve ser fascinante. Mas, precisa ter dinheiro para essa aventura. Como a matéria rola muito em cima do do cachorro ficou faltando as impressões da viagem do cachorro.
Não sabia que BQVManchete também era repórter.