por Lenira Alcure
7 de agosto de 2011
Já na véspera da partida, escrevo as últimas impressões de viagem. Amanhã, no final do dia, já devo estar em casa, mas como só vou me considerar available lá pelo final de semana – fora dar aulas, preciso dormir uns três dias !- envio meu último relato. A todos que me acompanharam, em especial, aos que me incentivaram de continuar a escrever, muito obrigada. Sou de uma família epistolar: minha avó Hersilia, minha mãe e a tia Martha sempre escreveram muito. Pena que tudo isso se perdeu.
Para mim, escrever me deu duplo prazer. Não viajei sozinha, mas uns dez ou 15 amigos viajaram comigo, por onde andei. Tive olhos e ouvidos multiplicados por vocês. Algumas vezes, perdi horas de sono com isso. Valeu a pena. Além de me ajudar a lembrar mais e sobretudo a bem observar o que acontece a meu redor.
Da minha primeira viagem sozinha, em 1970, quando depois de morar seis meses em Londres, fui ao sul da Itália e à Grécia, a essa última agora, por Portugal, França, Irlanda e Inglaterra, muita coisa mudou. Hoje, há internet, cartão internacional, além da própria experiência que vai se acumulando ao longo do tempo. O entusiasmo, porém, ainda é grande: o mundo que entra em nós diante de cada descoberta, de cada novo dia sempre diferente, se transforma no imenso mar que liga Portugal e o Brasil.
No meu último dia em Albufeira, fui conhecer outras praias do município. Tomei um ônibus Hop on, hop off ( não é nada de hip hop, como falei antes). Quando visitei a Guinness, li que um dos ingredientes era o ‘hop’. Fui procurar no pequeno dicionário que me acompanha: salto, pulo. Imagino que seja o levedo que fermenta. No tal ônibus que existe em várias outras cidades, é assim: você salta numa parada e pega de novo, no mesmo lugar ou mais adiante. Em Portugal, eles não dizem parada, estação, nem muito menos, ponto. Os ônibus (autocarros), os trens (combois) têm paragens... que é um bonito nome, sobretudo quando se está passeando.
Tinham me dito que em Galé e em São Rafael, eu encontraria areias brancas, finas.Peguei o tal ônibus na paragem quase ao lado do meu hotel, ele segue por todo o município, uma das últimas é São Rafael, onde desci. Fico sabendo pelo autoguia (com fone de ouvido) que Albufeira, como Lisboa foi quase toda destruída no terremoto de 1755. Fora algumas ruínas, como a da ermida em frente ao meu hotel, tudo foi reconstruído e os estilos se mesclam entre alguns prédios modernos como o da Câmara Municipal, as igrejas mais antigas que estão por toda parte, e as casas com forte influência do norte africano, todas brancas, e pequenos minaretes que a guia diz serem chaminés: não são, não faz sentido num lugar quase sempre quente. Pelo que me lembro da minha visita ao Marrocos, esses orifícios canalizam para o interior das casas uma ventilação natural.
Passamos por grandes condomínios, a maioria deles de proprietários estrangeiros. Desço em São Rafael, o motorista avisa que estamos a 700 metros da praia. Pode ser, mas o que ele não diz é que o caminho até lá é um labirinto.São ruas todas tortas, tiro algumas fotos, pergunto daqui e dali, chego à praia. Que é muito bonita, mas areia branca e fina, nem pensar. Acho que só mesmo no Brasil, na África e nas Antilhas.
Dessa vez, resolvo pagar 10 euros para me instalar sob um chapéu, com direito a uma espreguiçadeira. Diferente do Rio, onde os barraqueiros também abastecem os fregueses com comida e principalmente bebida, aqui não. Quem quiser tomar ou comer alguma coisa, tem que trazer de casa ou dos restaurantes que servem em frente. Trago banana, uma maçã e uma garrafinha de água. E também uma toalha de praia que comprei ontem. Vou precisar, o vento traz uma aragem fria, impossível, mesmo no sol, molhar o corpo sem enxugar. A praia é pequena. Por toda volta, rochas areníticas prestes a desabar – é o que dizem os avisos. Ao contrário da primeira praia, Paneco, perto do hotel, a de São Rafael está cheia de pedras. É difícil entrar, o chão tem cascalhos demais. Assim mesmo, há muita gente na água translúcida. Ensaio umas braçadas, é o que dá. Volto para meu local protegido. Avanço na leitura sobre os Celtas. Nova ida ao mar, desta vez com as sandálias. Também não dá certo. Esqueci no Brasil umas sapatilhas de borracha que comprei em Barcelona, para ir à praia. Decido almoçar no restaurante, mas eles demoram a atender. Estou preocupada com a volta. O garçom me diz que pode depois me chamar um táxi. Agradeço, pago a água que pedi e decido procurar o caminho da volta. Não é pelo dinheiro, seriam no máximo uns dez euros. É porque quero descobrir esse trajeto. Pergunto duas ou três vezes. Ninguém sabe. Estou um tanto perdida e agora com fome, já quase arrependida. Passam uns rapazes de carro, mais perdidos do que eu. Explico a eles como chegam à praia. Decido procurar a portaria de um hotel quatro estrelas. Antes, encontro o jardineiro, é quem me dá a orientação certa. Ando mais um pouco, já vejo a casa com ares catalães que fotografei na ida, mais alguns metros, o ponto do ônibus. Respiro aliviada e realizada também: consegui!! Sento sobre uma murada que tem ainda uma parede que me serve às costas. Volto à leitura, uns 15 minutos e já aparece na curva o vermelhinho Hop on, hop off. Mais dez minutos, estou no hotel.
Durmo bem essa noite,é a última em Albufeira. Depois do café, converso ainda um pouco com Elizabeth, dona do São Vicente, e o Rodrigo, que faz as minhas fotos à beira da piscina. Também me despeço dos meus vizinhos holandeses, que me prometem visitar o Brasil. Desço até o ponto, quero dizer, a paragem do Giro Vermelho, que já vai chegando e em dez minutos estou na Rodoviária.
A viagem dura 3 horas e meia, 15 minutos de parada no terço final. São 245 quilômetros até Lisboa, 86 apenas da fronteira com a Espanha. Os primeiros 100 quilômetros são mais bonitos, morretes por toda parte, vamos descendo em direção à planura. Pela janela, avisto apenas oliveiras e sobreiros.E uns campos vazios, em tons que vão do amarelo ao ocre, e até ao marrom. Devem ser de colheitas já realizadas, mas não sei de quê, trigo, arroz, sei lá. Nenhum casario, nenhum pastoreio, um riacho aqui e ali, uma lagoeta, gente mesmo, nada.
A estrada é excelente, três pistas em cada sentido, um canteiro de flores entre as duas mãos, além do acostamento. O ônibus segue macio, o piso é perfeito. Rodovias como essa cortam o agora Portugal europeu ( antes, era africano!). Imagino que aqui está uma boa parte da dívida imensa que afoga o país. Ironia, que os maiores beneficiários sejam os outros europeus e turistas em geral, que chegam aos milhares, em carros alugados. Mas, o turismo é a ainda a melhor opção de trabalho em Portugal, hoje. Quando entramos na costa alentejana, a paisagem muda, nada mais de morros, nem meias laranjas. Oliveiras e sobreiros ainda estão presentes, mas se avistam também pinheiros, tanto os de copas como os outros a que chamamos pinheiros de natal. No meio deles, cresce uma outra espécie, de folhas quase brancas, o que dá a impressão de neve no pinheiral. Só no terço final, aparecem alguns rebanhos de gado e as primeiras casitas, avulsas, afastadas umas das outras. Vejo também plantações de cana de açúcar, pelo menos é o que me parece.
Um pouco antes da chegada, avisto de longe a muralha do castelo de São Jorge, mas Lisboa ainda está longe. O ônibus dá uma volta, contorna pelo outro lado, passa pela bela ponte sobre o Tejo, a Vasco da Gama, são quase quatro da tarde, quando chego na Rodoviária. Dessa vez, me entrego, nem hesito, estou morta de fome e cansaço. Pego um táxi, mais alguns minutos, estou de novo no Florescente, onde sou recebida com a simpatia de sempre.
Hoje é domingo, deve ser quase uma da tarde. Vou dar uma volta, comer alguma coisa, volto para o hotel: preciso refazer as malas, pela última vez. E dormir até amanhã cedo. Programa, nem pensar. Quero voltar. Um beijo a todos.
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