por Lenira Alcure
6 de agosto de 2011
Já estou no meu hotel de Lisboa, depois de três dias no Algarve. Digo, “meu” porque já estou me sentindo em casa no Residencial Florescente, uma excelente indicação de minha amiga Angela Manhães. Na portaria, todos me conhecem, nem preciso mais dizer o nome, nem mostrar o passaporte. O único inconveniente é ser uma rua peotonal, sem acesso a táxis depois das 11 de manhã. Quem chegar de carro, não tem problema, o hotel indica um estacionamento (parque, dizem os portugueses) aqui perto, de onde se pode trazer a bagagem em duas vezes. No dia em que cheguei, deixei a mala grande no aeroporto, de onde eu segui no dia seguinte para Bordeaux e vim no ônibus que me deixa em Restauradores, pertinho do hotel. Mas no dia 02, foi difícil chegar de Londres com duas malas e ter que puxa-las ainda que só uns 50 metros até aqui. Hoje, porém, nenhum problema, pois só trazia comigo a malinha de mão e uma mochila.
Ainda não contei nada de Albufeira. Chegar à cidade também não foi fácil. Bem que a Eyleen tinha me avisado que o trem parava um pouco longe da cidade. No caso, ela rachou o preço do táxi com outras pessoas que desceram por lá. Talvez eu pudesse fazer o mesmo, ou quem sabe arcar o preço sozinha, afinal não seria tão caro assim, é o que pensava.
Ainda no trem, comecei a ficar preocupada porque já fazia quase quatro horas que saíra de Lisboa e nada de aparecer a tal Albufeira. Do chefe de trem, nem notícia. Resolvi perguntar a uma família, que ocupava justamente o 108 ao lado do 104...A mãe, de uns 40 anos, viajava com uma filha de uns 6 e o filho, talvez de 15. Eles me explicaram que o funcionário ficava no vagão restaurante, do qual eu nem tinha tido notícia. Ela mandou o filho lá saber. Quando voltou, me avisou que era a próxima parada. Mais uma vez, a mãe disse que o filho me ajudasse. Fiquei encantada. Ele não só pegou a mala do bagageiro, mas desceu com ela até a plataforma, rápido subiu de volta, porque o trem já partia. Mal me deu tempo de perguntar ao chefe da estação, na verdade, uma simples plataforma, onde eu pegava um táxi:
- Do outro lado, me explicou, mostrando uma passarela de ferro, três andares para cima e outros três para baixo. A essa altura, os poucos passageiros que tinham descido em Albufeira já estavam do outro lado. Sobraram dois rapazes, nórdicos, com duas pesadas malas, fora material de acampamento. Impossível pedir ajuda. Até tentamos pegar o elevador, mas estava quebrado. Subimos e descemos. Graças a Deus eu tinha colocado o meu suporte de coluna, senão estaria igualmente quebrada. Demorei um pouco, em cada andar parava. Os rapazes sumiram. Perguntei a alguém na rua, onde pegava um táxi.
- Só tem um, que acabou de sair, me disse o homem.
Logo adiante, vi um microônibus, um tal de Giro Laranja, onde entravam algumas pessoas com malas. Deviam ser os outros passageiros desembarcados. Expliquei ao motorista onde ia, ao centro. Não ia até lá, mas me deixaria na rodoviária, onde eu pegaria um outro Giro, a passagem era a mesma, não precisaria pagar de novo:1 euro e dez centavos! Subi e, como disse, o Giro Laranja, me deixou no lugar certo para pegar o Giro Vermelho. Que não tinha encostado: aproveitei na ida ao banheiro para comprar a passagem de volta a Lisboa, de ônibus. Seria menos agradável que de trem, mas pelo menos não teria mais que enfrentar as tais escadas.
- A senhora não se preocupe, vou lhe deixar perto do seu hotel, garantiu o motorista assim que subi.
No caminho, vim vendo Albufeira, com suas casinhas quase todas brancas, muitas recentes, algumas avenidas largas e muitas ruas estreitas. De repente, o deslumbramento, o mar lá embaixo imenso, alguns barquinhos aqui e ali e o casario se despejando pelas encostas, uma espécie de Vidigal de luxo. Finalmente cheguei. O hotel Vila de São Vicente, fica num largo em frente às ruínas de uma ermida e a uma estátua do santo de mesmo nome. No Brasil, chamaríamos pousada. Essa é encantadora, muito charme, na decoração, no cuidado, na limpeza. A dona é uma alemã, há 23 anos aqui. São poucos funcionários, um deles, um rapazote que me pergunta de que cidade sou.
- Minha mãe também é carioca, me diz ele. Meu pai é que é português. Tenho família no Brasil e de vez em quando vamos lá.
Chama-se Rodrigo, serve no bar junto à piscina, toda em ladrilho pequenino azul marinho. E a vista!! É ele quem me fez a foto que mando junto.
Saio para conhecer a cidade e se possível ir à praia. Venta muito, levo o agasalho vestido, mas ponho as havaianas (que na verdade são Ipanema). É perto, desço uma ladeira, depois são dez degraus, passo sob um túnel e lá está o mar. A areia grossa, vermelha. Não me arrisco a sentar (levantar é que são elas!) Há um setor ‘surveillé’, diz a placa, com espreguiçadeiras e barracas que eles chamam chapéus. 8 euros! Desisto, vou ficar cinco minutos. Não vale a pena. Paro num restaurante, peço alguma coisa enquanto vejo a multidão lá em baixo, os sem chapéu, quer dizer, gente comum, cada um com sua barraca, sua toalha. Desço, chego perto da água, pergunto a um casal se posso deixar com eles a minha mochilinha. Molho os pés, a água está gelada, desisto. Pego as minhas coisas e volto ao hotel. São ainda 6 horas, os sinos das igrejas batem todos: nossa, há quanto tempo não ouço isso? O dia ainda está bem claro, mas vou dormir um pouco estou exausta.
Saio de novo, por volta das 9h, o céu azul cobalto. Também o mar lá embaixo, e eu cá fico pensando na doideira daqueles portugueses do passado, enfrentarem essa imensidão para descobrir o Brasil. E a África, e a Índia e por onde mais se aventuraram ‘por mares nunca dantes navegados.’
Estou com fome. E com dor de barriga, o que são sensações conflitantes. São muitas as opções. Tento um dos lugares, o homem me diz que não tem mesa. Não é verdade, vejo vários lugares vazios, mas não quer ocupar com um só cliente. Uma moça à porta de outro restaurante me chama a entrar. Pergunta para quantas pessoas? Uma só? Não sabe, tem que ver com o gerente. De longe, vejo o homem fazer careta. Começo a achar que vai ser complicado andar sozinha aqui pelo Algarve, onde os costumes pouco mudam. Tento mais um, Ao Catraio, que eu não sei o que é. O garçom também hesita. Aí eu reclamo alto: está proibido uma pessoa comer sozinha aqui em Portugal? O dono ouve e vem em meu socorro. É um português bonito, de seus 50 anos. E galante, me faz entrar. Me dá uma boa mesa, me serve um vinho português excelente. Peço um linguado com legumes cozidos. E uma sopa também de legumes, de entrada. Divino... A conta é de 15 euros, chega a ser pechincha. No final, ele ainda me oferece um licor. Nem tudo está perdido. Volto ao São Vicente. O dia seguinte será para curtir o hotel.
Acordo tarde. A barriga ainda não está boa. Troco as delicias do café da manhã por um chá com torradas. Comprei umas cápsulas regeneradoras da flora intestinal, é o que eu tomo junto. Antes da piscina, resolvo dar uma volta no Giro Vermelho, pela cidade. Desço antes de chegar a meu hotel, porque vejo um mercado de frutas, onde compro banana e maçã. Já está ficando um habito dessa viagem. A primeira dor de barriga começou em Lisboa, logo na chegada. Acho que abusei de uns queijos na primeira noite em que jantei fora. Agora, acho de novo que foi um queijo, na dia em que parei em Lisboa. Passei quase todos esse dias, escolhendo o que comer, com medo de passar mal.A receita de banana e maçã, tem a vantagem de ser barata. Com um ou dois euros, resolvo o problema da fome e ainda não engordo. Em Bordeaux, no último dia, não resisti, comi um patê maison dos deuses, mas esse não me fez mal.
De volta ao meu segundo dia em Albufeira. Passo uma boa parte do tempo na piscina. Mas a água está muito fria. Dou uma rápida entrada, desisto. Há um chuveiro ali, a água normal. É como me arrumo. Há dois casais gays, um de homens e outro, de mulheres. Elas são de Luxemburgo, falam francês; eles falam uma língua que não é alemão e que eu não entendo. Me oferecem um dos colchões que trouxeram para a piscina. Bem melhor assim, pego sol e de vez em quando molho e corpo com um pouquinho de água gelada. Com as moças,converso sobre o Brasil, que elas querem um dia conhecer. Mais tarde, chega outro casal, um homem e uma mulher, já de meia idade. Já nos vimos antes, nossos quartos ficam um ao lado do outro. Conversamos em inglês, eles são holandeses, muito simpáticos. Durmo à tarde. São 7 da noite ( que ainda é dia por aqui) e decido começar cedo a ronda dos restaurantes. Dou sorte. O primeiro onde pergunto, está quase vazio. Chama-se Cabaz da Praia, não sei também o que é cabaz, mas dessa vez nem preciso perguntar, logo abaixo em inglês Beach Basket. Acho interessante, trouxe um livrinho da Irlanda sobre os celtas: cabaz e basket, é só trocar a ordem das sílabas, fenômeno que a gramática história que estudei há 2 mil anos explica.
Volto ao Cabaz real. È cedo e só há um casalzinho jovem numa ponta. Escolho uma outra mesa, também na varanda, justo de frente ao mar. Peço a tal sopa de legumes e depois só bata cozida e arroz. A moça estranha eu não querer nenhum tipo de carne. Digo a ela, que eu posso pagar o prato todo, mas só quero os acompanhamentos.
Daí a pouco chegam oito rapazes. Três mesas são acomodadas junto à minha para caber a todos. Eu com a vista, o arroz e a batata. Pergunto de onde são.
– Da Holanda, me dizem e querem saber de onde eu venho. Quando lhes digo que sou brasileira, começam a batucar um samba Brasil, Brasil... querem muito ir lá. Fazem muitas perguntas sobre o país, o carnaval, as mulheres (são todas bonitas?), o Lula, o futebol. Respondo como posso e o que sei. Passamos uma boa parte da noite nisso. Quando me preparo para sair eles me perguntam se eu não quero ir dançar com eles!! Agradeço, mas digo não. Pena que esqueci de tirar uma foto com meus oito amigos holandeses! E a conta veio pequenina: as moças só me cobraram o que de fato comi.
Saio dali e vou mais adiante descobrir novos recantos no centro da cidade. É incrível, a dois passos do meu hotel que é super calmo e entro no maior burburinho. Pelas ruas, lojinhas de todo o tipo de buginganga made in China, in Índia e até do Brasil, como me diz a vendedora de uns bonitos colares pelos quais me interessei. Desisto de comprar, quando fico sabendo. Afinal, seriam presentes. Ela tenta consertar e me diz que quem faz é um brasileiro, de Fortaleza, que agora tem também um filial lá. Me desculpe a vendedora, mas levo outra coisa, ainda que não made in Portugal. No final da rua, passo de novo pelo Ao Catraio, do português galante, mas não entro, sigo à direita, vou dar num largo, esse sim bem amplo, cercado de restaurantes. No meio, há todo tipo de performance: mímica, música, palhaços. Em torno de cada grupo, forma-se uma rodinha de interessados. Como o espaço é muito grande, um não incomoda o outro. Escolho um puppet show: um artista com quatro bonecos que ele manipula ao som de várias músicas. Um paininho de brinquedo, um mini microfone de pé e o espetáculo se sucede. Na primeira fila, uma enorme número de crianças e os adultos também todos encantados com o que vêem e ouvem. Um dos bonecos, na verdade um ET brinca com os ‘instrumentos’, joga longe o próprio banquinho e o microfone também. Um menino corre para botar no lugar. O diabinho verde derruba tudo de novo. Agora, são três, cinco, dez crianças que correm e tudo recomeça. Lembra um pouco o show da contadora de Búzios, na festa de um aninho das gêmeas. O último personagem é o palhaço. Ele olha o cesto quase vazio, onde algumas crianças volta e meia deixaram umas moedas. Faz cara de triste, as crianças acorrem de todos os lados. Vem as primeiras timidamente, depois são aos bandos, algumas duas, três vezes. Não contente, agora é a vez do homem trazer o palhaço perto da roda. Os adultos começam a dar dinheiro, inclusive eu. O palhacinho tira uma menina pequena para dançar. Ela vai, mas volta, está com medo. Uma outra mais velhinha corre e se dispõe a dançar. Quanto se despede, o palhaço se dependura no pescoço dela. Todos batem palmas, valeu a pena!!
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Um comentário:
Amo Portugal, e também achei, como você diz, que o povo portugês é adorável.
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