por Lenira Alcure
7 de agosto de 2011
Já na véspera da partida, escrevo as últimas impressões de viagem. Amanhã, no final do dia, já devo estar em casa, mas como só vou me considerar available lá pelo final de semana – fora dar aulas, preciso dormir uns três dias !- envio meu último relato. A todos que me acompanharam, em especial, aos que me incentivaram de continuar a escrever, muito obrigada. Sou de uma família epistolar: minha avó Hersilia, minha mãe e a tia Martha sempre escreveram muito. Pena que tudo isso se perdeu.
Para mim, escrever me deu duplo prazer. Não viajei sozinha, mas uns dez ou 15 amigos viajaram comigo, por onde andei. Tive olhos e ouvidos multiplicados por vocês. Algumas vezes, perdi horas de sono com isso. Valeu a pena. Além de me ajudar a lembrar mais e sobretudo a bem observar o que acontece a meu redor.
Da minha primeira viagem sozinha, em 1970, quando depois de morar seis meses em Londres, fui ao sul da Itália e à Grécia, a essa última agora, por Portugal, França, Irlanda e Inglaterra, muita coisa mudou. Hoje, há internet, cartão internacional, além da própria experiência que vai se acumulando ao longo do tempo. O entusiasmo, porém, ainda é grande: o mundo que entra em nós diante de cada descoberta, de cada novo dia sempre diferente, se transforma no imenso mar que liga Portugal e o Brasil.
No meu último dia em Albufeira, fui conhecer outras praias do município. Tomei um ônibus Hop on, hop off ( não é nada de hip hop, como falei antes). Quando visitei a Guinness, li que um dos ingredientes era o ‘hop’. Fui procurar no pequeno dicionário que me acompanha: salto, pulo. Imagino que seja o levedo que fermenta. No tal ônibus que existe em várias outras cidades, é assim: você salta numa parada e pega de novo, no mesmo lugar ou mais adiante. Em Portugal, eles não dizem parada, estação, nem muito menos, ponto. Os ônibus (autocarros), os trens (combois) têm paragens... que é um bonito nome, sobretudo quando se está passeando.
Tinham me dito que em Galé e em São Rafael, eu encontraria areias brancas, finas.Peguei o tal ônibus na paragem quase ao lado do meu hotel, ele segue por todo o município, uma das últimas é São Rafael, onde desci. Fico sabendo pelo autoguia (com fone de ouvido) que Albufeira, como Lisboa foi quase toda destruída no terremoto de 1755. Fora algumas ruínas, como a da ermida em frente ao meu hotel, tudo foi reconstruído e os estilos se mesclam entre alguns prédios modernos como o da Câmara Municipal, as igrejas mais antigas que estão por toda parte, e as casas com forte influência do norte africano, todas brancas, e pequenos minaretes que a guia diz serem chaminés: não são, não faz sentido num lugar quase sempre quente. Pelo que me lembro da minha visita ao Marrocos, esses orifícios canalizam para o interior das casas uma ventilação natural.
Passamos por grandes condomínios, a maioria deles de proprietários estrangeiros. Desço em São Rafael, o motorista avisa que estamos a 700 metros da praia. Pode ser, mas o que ele não diz é que o caminho até lá é um labirinto.São ruas todas tortas, tiro algumas fotos, pergunto daqui e dali, chego à praia. Que é muito bonita, mas areia branca e fina, nem pensar. Acho que só mesmo no Brasil, na África e nas Antilhas.
Dessa vez, resolvo pagar 10 euros para me instalar sob um chapéu, com direito a uma espreguiçadeira. Diferente do Rio, onde os barraqueiros também abastecem os fregueses com comida e principalmente bebida, aqui não. Quem quiser tomar ou comer alguma coisa, tem que trazer de casa ou dos restaurantes que servem em frente. Trago banana, uma maçã e uma garrafinha de água. E também uma toalha de praia que comprei ontem. Vou precisar, o vento traz uma aragem fria, impossível, mesmo no sol, molhar o corpo sem enxugar. A praia é pequena. Por toda volta, rochas areníticas prestes a desabar – é o que dizem os avisos. Ao contrário da primeira praia, Paneco, perto do hotel, a de São Rafael está cheia de pedras. É difícil entrar, o chão tem cascalhos demais. Assim mesmo, há muita gente na água translúcida. Ensaio umas braçadas, é o que dá. Volto para meu local protegido. Avanço na leitura sobre os Celtas. Nova ida ao mar, desta vez com as sandálias. Também não dá certo. Esqueci no Brasil umas sapatilhas de borracha que comprei em Barcelona, para ir à praia. Decido almoçar no restaurante, mas eles demoram a atender. Estou preocupada com a volta. O garçom me diz que pode depois me chamar um táxi. Agradeço, pago a água que pedi e decido procurar o caminho da volta. Não é pelo dinheiro, seriam no máximo uns dez euros. É porque quero descobrir esse trajeto. Pergunto duas ou três vezes. Ninguém sabe. Estou um tanto perdida e agora com fome, já quase arrependida. Passam uns rapazes de carro, mais perdidos do que eu. Explico a eles como chegam à praia. Decido procurar a portaria de um hotel quatro estrelas. Antes, encontro o jardineiro, é quem me dá a orientação certa. Ando mais um pouco, já vejo a casa com ares catalães que fotografei na ida, mais alguns metros, o ponto do ônibus. Respiro aliviada e realizada também: consegui!! Sento sobre uma murada que tem ainda uma parede que me serve às costas. Volto à leitura, uns 15 minutos e já aparece na curva o vermelhinho Hop on, hop off. Mais dez minutos, estou no hotel.
Durmo bem essa noite,é a última em Albufeira. Depois do café, converso ainda um pouco com Elizabeth, dona do São Vicente, e o Rodrigo, que faz as minhas fotos à beira da piscina. Também me despeço dos meus vizinhos holandeses, que me prometem visitar o Brasil. Desço até o ponto, quero dizer, a paragem do Giro Vermelho, que já vai chegando e em dez minutos estou na Rodoviária.
A viagem dura 3 horas e meia, 15 minutos de parada no terço final. São 245 quilômetros até Lisboa, 86 apenas da fronteira com a Espanha. Os primeiros 100 quilômetros são mais bonitos, morretes por toda parte, vamos descendo em direção à planura. Pela janela, avisto apenas oliveiras e sobreiros.E uns campos vazios, em tons que vão do amarelo ao ocre, e até ao marrom. Devem ser de colheitas já realizadas, mas não sei de quê, trigo, arroz, sei lá. Nenhum casario, nenhum pastoreio, um riacho aqui e ali, uma lagoeta, gente mesmo, nada.
A estrada é excelente, três pistas em cada sentido, um canteiro de flores entre as duas mãos, além do acostamento. O ônibus segue macio, o piso é perfeito. Rodovias como essa cortam o agora Portugal europeu ( antes, era africano!). Imagino que aqui está uma boa parte da dívida imensa que afoga o país. Ironia, que os maiores beneficiários sejam os outros europeus e turistas em geral, que chegam aos milhares, em carros alugados. Mas, o turismo é a ainda a melhor opção de trabalho em Portugal, hoje. Quando entramos na costa alentejana, a paisagem muda, nada mais de morros, nem meias laranjas. Oliveiras e sobreiros ainda estão presentes, mas se avistam também pinheiros, tanto os de copas como os outros a que chamamos pinheiros de natal. No meio deles, cresce uma outra espécie, de folhas quase brancas, o que dá a impressão de neve no pinheiral. Só no terço final, aparecem alguns rebanhos de gado e as primeiras casitas, avulsas, afastadas umas das outras. Vejo também plantações de cana de açúcar, pelo menos é o que me parece.
Um pouco antes da chegada, avisto de longe a muralha do castelo de São Jorge, mas Lisboa ainda está longe. O ônibus dá uma volta, contorna pelo outro lado, passa pela bela ponte sobre o Tejo, a Vasco da Gama, são quase quatro da tarde, quando chego na Rodoviária. Dessa vez, me entrego, nem hesito, estou morta de fome e cansaço. Pego um táxi, mais alguns minutos, estou de novo no Florescente, onde sou recebida com a simpatia de sempre.
Hoje é domingo, deve ser quase uma da tarde. Vou dar uma volta, comer alguma coisa, volto para o hotel: preciso refazer as malas, pela última vez. E dormir até amanhã cedo. Programa, nem pensar. Quero voltar. Um beijo a todos.
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
Mostrando postagens com marcador diario de viagem de lenira alcure. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador diario de viagem de lenira alcure. Mostrar todas as postagens
domingo, 7 de agosto de 2011
Anotações de viagem-6: andanças em Albufeira
por Lenira Alcure
6 de agosto de 2011
Já estou no meu hotel de Lisboa, depois de três dias no Algarve. Digo, “meu” porque já estou me sentindo em casa no Residencial Florescente, uma excelente indicação de minha amiga Angela Manhães. Na portaria, todos me conhecem, nem preciso mais dizer o nome, nem mostrar o passaporte. O único inconveniente é ser uma rua peotonal, sem acesso a táxis depois das 11 de manhã. Quem chegar de carro, não tem problema, o hotel indica um estacionamento (parque, dizem os portugueses) aqui perto, de onde se pode trazer a bagagem em duas vezes. No dia em que cheguei, deixei a mala grande no aeroporto, de onde eu segui no dia seguinte para Bordeaux e vim no ônibus que me deixa em Restauradores, pertinho do hotel. Mas no dia 02, foi difícil chegar de Londres com duas malas e ter que puxa-las ainda que só uns 50 metros até aqui. Hoje, porém, nenhum problema, pois só trazia comigo a malinha de mão e uma mochila.
Ainda não contei nada de Albufeira. Chegar à cidade também não foi fácil. Bem que a Eyleen tinha me avisado que o trem parava um pouco longe da cidade. No caso, ela rachou o preço do táxi com outras pessoas que desceram por lá. Talvez eu pudesse fazer o mesmo, ou quem sabe arcar o preço sozinha, afinal não seria tão caro assim, é o que pensava.
Ainda no trem, comecei a ficar preocupada porque já fazia quase quatro horas que saíra de Lisboa e nada de aparecer a tal Albufeira. Do chefe de trem, nem notícia. Resolvi perguntar a uma família, que ocupava justamente o 108 ao lado do 104...A mãe, de uns 40 anos, viajava com uma filha de uns 6 e o filho, talvez de 15. Eles me explicaram que o funcionário ficava no vagão restaurante, do qual eu nem tinha tido notícia. Ela mandou o filho lá saber. Quando voltou, me avisou que era a próxima parada. Mais uma vez, a mãe disse que o filho me ajudasse. Fiquei encantada. Ele não só pegou a mala do bagageiro, mas desceu com ela até a plataforma, rápido subiu de volta, porque o trem já partia. Mal me deu tempo de perguntar ao chefe da estação, na verdade, uma simples plataforma, onde eu pegava um táxi:
- Do outro lado, me explicou, mostrando uma passarela de ferro, três andares para cima e outros três para baixo. A essa altura, os poucos passageiros que tinham descido em Albufeira já estavam do outro lado. Sobraram dois rapazes, nórdicos, com duas pesadas malas, fora material de acampamento. Impossível pedir ajuda. Até tentamos pegar o elevador, mas estava quebrado. Subimos e descemos. Graças a Deus eu tinha colocado o meu suporte de coluna, senão estaria igualmente quebrada. Demorei um pouco, em cada andar parava. Os rapazes sumiram. Perguntei a alguém na rua, onde pegava um táxi.
- Só tem um, que acabou de sair, me disse o homem.
Logo adiante, vi um microônibus, um tal de Giro Laranja, onde entravam algumas pessoas com malas. Deviam ser os outros passageiros desembarcados. Expliquei ao motorista onde ia, ao centro. Não ia até lá, mas me deixaria na rodoviária, onde eu pegaria um outro Giro, a passagem era a mesma, não precisaria pagar de novo:1 euro e dez centavos! Subi e, como disse, o Giro Laranja, me deixou no lugar certo para pegar o Giro Vermelho. Que não tinha encostado: aproveitei na ida ao banheiro para comprar a passagem de volta a Lisboa, de ônibus. Seria menos agradável que de trem, mas pelo menos não teria mais que enfrentar as tais escadas.
- A senhora não se preocupe, vou lhe deixar perto do seu hotel, garantiu o motorista assim que subi.
No caminho, vim vendo Albufeira, com suas casinhas quase todas brancas, muitas recentes, algumas avenidas largas e muitas ruas estreitas. De repente, o deslumbramento, o mar lá embaixo imenso, alguns barquinhos aqui e ali e o casario se despejando pelas encostas, uma espécie de Vidigal de luxo. Finalmente cheguei. O hotel Vila de São Vicente, fica num largo em frente às ruínas de uma ermida e a uma estátua do santo de mesmo nome. No Brasil, chamaríamos pousada. Essa é encantadora, muito charme, na decoração, no cuidado, na limpeza. A dona é uma alemã, há 23 anos aqui. São poucos funcionários, um deles, um rapazote que me pergunta de que cidade sou.
- Minha mãe também é carioca, me diz ele. Meu pai é que é português. Tenho família no Brasil e de vez em quando vamos lá.
Chama-se Rodrigo, serve no bar junto à piscina, toda em ladrilho pequenino azul marinho. E a vista!! É ele quem me fez a foto que mando junto.
Saio para conhecer a cidade e se possível ir à praia. Venta muito, levo o agasalho vestido, mas ponho as havaianas (que na verdade são Ipanema). É perto, desço uma ladeira, depois são dez degraus, passo sob um túnel e lá está o mar. A areia grossa, vermelha. Não me arrisco a sentar (levantar é que são elas!) Há um setor ‘surveillé’, diz a placa, com espreguiçadeiras e barracas que eles chamam chapéus. 8 euros! Desisto, vou ficar cinco minutos. Não vale a pena. Paro num restaurante, peço alguma coisa enquanto vejo a multidão lá em baixo, os sem chapéu, quer dizer, gente comum, cada um com sua barraca, sua toalha. Desço, chego perto da água, pergunto a um casal se posso deixar com eles a minha mochilinha. Molho os pés, a água está gelada, desisto. Pego as minhas coisas e volto ao hotel. São ainda 6 horas, os sinos das igrejas batem todos: nossa, há quanto tempo não ouço isso? O dia ainda está bem claro, mas vou dormir um pouco estou exausta.
Saio de novo, por volta das 9h, o céu azul cobalto. Também o mar lá embaixo, e eu cá fico pensando na doideira daqueles portugueses do passado, enfrentarem essa imensidão para descobrir o Brasil. E a África, e a Índia e por onde mais se aventuraram ‘por mares nunca dantes navegados.’
Estou com fome. E com dor de barriga, o que são sensações conflitantes. São muitas as opções. Tento um dos lugares, o homem me diz que não tem mesa. Não é verdade, vejo vários lugares vazios, mas não quer ocupar com um só cliente. Uma moça à porta de outro restaurante me chama a entrar. Pergunta para quantas pessoas? Uma só? Não sabe, tem que ver com o gerente. De longe, vejo o homem fazer careta. Começo a achar que vai ser complicado andar sozinha aqui pelo Algarve, onde os costumes pouco mudam. Tento mais um, Ao Catraio, que eu não sei o que é. O garçom também hesita. Aí eu reclamo alto: está proibido uma pessoa comer sozinha aqui em Portugal? O dono ouve e vem em meu socorro. É um português bonito, de seus 50 anos. E galante, me faz entrar. Me dá uma boa mesa, me serve um vinho português excelente. Peço um linguado com legumes cozidos. E uma sopa também de legumes, de entrada. Divino... A conta é de 15 euros, chega a ser pechincha. No final, ele ainda me oferece um licor. Nem tudo está perdido. Volto ao São Vicente. O dia seguinte será para curtir o hotel.
Acordo tarde. A barriga ainda não está boa. Troco as delicias do café da manhã por um chá com torradas. Comprei umas cápsulas regeneradoras da flora intestinal, é o que eu tomo junto. Antes da piscina, resolvo dar uma volta no Giro Vermelho, pela cidade. Desço antes de chegar a meu hotel, porque vejo um mercado de frutas, onde compro banana e maçã. Já está ficando um habito dessa viagem. A primeira dor de barriga começou em Lisboa, logo na chegada. Acho que abusei de uns queijos na primeira noite em que jantei fora. Agora, acho de novo que foi um queijo, na dia em que parei em Lisboa. Passei quase todos esse dias, escolhendo o que comer, com medo de passar mal.A receita de banana e maçã, tem a vantagem de ser barata. Com um ou dois euros, resolvo o problema da fome e ainda não engordo. Em Bordeaux, no último dia, não resisti, comi um patê maison dos deuses, mas esse não me fez mal.
De volta ao meu segundo dia em Albufeira. Passo uma boa parte do tempo na piscina. Mas a água está muito fria. Dou uma rápida entrada, desisto. Há um chuveiro ali, a água normal. É como me arrumo. Há dois casais gays, um de homens e outro, de mulheres. Elas são de Luxemburgo, falam francês; eles falam uma língua que não é alemão e que eu não entendo. Me oferecem um dos colchões que trouxeram para a piscina. Bem melhor assim, pego sol e de vez em quando molho e corpo com um pouquinho de água gelada. Com as moças,converso sobre o Brasil, que elas querem um dia conhecer. Mais tarde, chega outro casal, um homem e uma mulher, já de meia idade. Já nos vimos antes, nossos quartos ficam um ao lado do outro. Conversamos em inglês, eles são holandeses, muito simpáticos. Durmo à tarde. São 7 da noite ( que ainda é dia por aqui) e decido começar cedo a ronda dos restaurantes. Dou sorte. O primeiro onde pergunto, está quase vazio. Chama-se Cabaz da Praia, não sei também o que é cabaz, mas dessa vez nem preciso perguntar, logo abaixo em inglês Beach Basket. Acho interessante, trouxe um livrinho da Irlanda sobre os celtas: cabaz e basket, é só trocar a ordem das sílabas, fenômeno que a gramática história que estudei há 2 mil anos explica.
Volto ao Cabaz real. È cedo e só há um casalzinho jovem numa ponta. Escolho uma outra mesa, também na varanda, justo de frente ao mar. Peço a tal sopa de legumes e depois só bata cozida e arroz. A moça estranha eu não querer nenhum tipo de carne. Digo a ela, que eu posso pagar o prato todo, mas só quero os acompanhamentos.
Daí a pouco chegam oito rapazes. Três mesas são acomodadas junto à minha para caber a todos. Eu com a vista, o arroz e a batata. Pergunto de onde são.
– Da Holanda, me dizem e querem saber de onde eu venho. Quando lhes digo que sou brasileira, começam a batucar um samba Brasil, Brasil... querem muito ir lá. Fazem muitas perguntas sobre o país, o carnaval, as mulheres (são todas bonitas?), o Lula, o futebol. Respondo como posso e o que sei. Passamos uma boa parte da noite nisso. Quando me preparo para sair eles me perguntam se eu não quero ir dançar com eles!! Agradeço, mas digo não. Pena que esqueci de tirar uma foto com meus oito amigos holandeses! E a conta veio pequenina: as moças só me cobraram o que de fato comi.
Saio dali e vou mais adiante descobrir novos recantos no centro da cidade. É incrível, a dois passos do meu hotel que é super calmo e entro no maior burburinho. Pelas ruas, lojinhas de todo o tipo de buginganga made in China, in Índia e até do Brasil, como me diz a vendedora de uns bonitos colares pelos quais me interessei. Desisto de comprar, quando fico sabendo. Afinal, seriam presentes. Ela tenta consertar e me diz que quem faz é um brasileiro, de Fortaleza, que agora tem também um filial lá. Me desculpe a vendedora, mas levo outra coisa, ainda que não made in Portugal. No final da rua, passo de novo pelo Ao Catraio, do português galante, mas não entro, sigo à direita, vou dar num largo, esse sim bem amplo, cercado de restaurantes. No meio, há todo tipo de performance: mímica, música, palhaços. Em torno de cada grupo, forma-se uma rodinha de interessados. Como o espaço é muito grande, um não incomoda o outro. Escolho um puppet show: um artista com quatro bonecos que ele manipula ao som de várias músicas. Um paininho de brinquedo, um mini microfone de pé e o espetáculo se sucede. Na primeira fila, uma enorme número de crianças e os adultos também todos encantados com o que vêem e ouvem. Um dos bonecos, na verdade um ET brinca com os ‘instrumentos’, joga longe o próprio banquinho e o microfone também. Um menino corre para botar no lugar. O diabinho verde derruba tudo de novo. Agora, são três, cinco, dez crianças que correm e tudo recomeça. Lembra um pouco o show da contadora de Búzios, na festa de um aninho das gêmeas. O último personagem é o palhaço. Ele olha o cesto quase vazio, onde algumas crianças volta e meia deixaram umas moedas. Faz cara de triste, as crianças acorrem de todos os lados. Vem as primeiras timidamente, depois são aos bandos, algumas duas, três vezes. Não contente, agora é a vez do homem trazer o palhaço perto da roda. Os adultos começam a dar dinheiro, inclusive eu. O palhacinho tira uma menina pequena para dançar. Ela vai, mas volta, está com medo. Uma outra mais velhinha corre e se dispõe a dançar. Quanto se despede, o palhaço se dependura no pescoço dela. Todos batem palmas, valeu a pena!!
6 de agosto de 2011
Já estou no meu hotel de Lisboa, depois de três dias no Algarve. Digo, “meu” porque já estou me sentindo em casa no Residencial Florescente, uma excelente indicação de minha amiga Angela Manhães. Na portaria, todos me conhecem, nem preciso mais dizer o nome, nem mostrar o passaporte. O único inconveniente é ser uma rua peotonal, sem acesso a táxis depois das 11 de manhã. Quem chegar de carro, não tem problema, o hotel indica um estacionamento (parque, dizem os portugueses) aqui perto, de onde se pode trazer a bagagem em duas vezes. No dia em que cheguei, deixei a mala grande no aeroporto, de onde eu segui no dia seguinte para Bordeaux e vim no ônibus que me deixa em Restauradores, pertinho do hotel. Mas no dia 02, foi difícil chegar de Londres com duas malas e ter que puxa-las ainda que só uns 50 metros até aqui. Hoje, porém, nenhum problema, pois só trazia comigo a malinha de mão e uma mochila.
Ainda não contei nada de Albufeira. Chegar à cidade também não foi fácil. Bem que a Eyleen tinha me avisado que o trem parava um pouco longe da cidade. No caso, ela rachou o preço do táxi com outras pessoas que desceram por lá. Talvez eu pudesse fazer o mesmo, ou quem sabe arcar o preço sozinha, afinal não seria tão caro assim, é o que pensava.
Ainda no trem, comecei a ficar preocupada porque já fazia quase quatro horas que saíra de Lisboa e nada de aparecer a tal Albufeira. Do chefe de trem, nem notícia. Resolvi perguntar a uma família, que ocupava justamente o 108 ao lado do 104...A mãe, de uns 40 anos, viajava com uma filha de uns 6 e o filho, talvez de 15. Eles me explicaram que o funcionário ficava no vagão restaurante, do qual eu nem tinha tido notícia. Ela mandou o filho lá saber. Quando voltou, me avisou que era a próxima parada. Mais uma vez, a mãe disse que o filho me ajudasse. Fiquei encantada. Ele não só pegou a mala do bagageiro, mas desceu com ela até a plataforma, rápido subiu de volta, porque o trem já partia. Mal me deu tempo de perguntar ao chefe da estação, na verdade, uma simples plataforma, onde eu pegava um táxi:
- Do outro lado, me explicou, mostrando uma passarela de ferro, três andares para cima e outros três para baixo. A essa altura, os poucos passageiros que tinham descido em Albufeira já estavam do outro lado. Sobraram dois rapazes, nórdicos, com duas pesadas malas, fora material de acampamento. Impossível pedir ajuda. Até tentamos pegar o elevador, mas estava quebrado. Subimos e descemos. Graças a Deus eu tinha colocado o meu suporte de coluna, senão estaria igualmente quebrada. Demorei um pouco, em cada andar parava. Os rapazes sumiram. Perguntei a alguém na rua, onde pegava um táxi.
- Só tem um, que acabou de sair, me disse o homem.
Logo adiante, vi um microônibus, um tal de Giro Laranja, onde entravam algumas pessoas com malas. Deviam ser os outros passageiros desembarcados. Expliquei ao motorista onde ia, ao centro. Não ia até lá, mas me deixaria na rodoviária, onde eu pegaria um outro Giro, a passagem era a mesma, não precisaria pagar de novo:1 euro e dez centavos! Subi e, como disse, o Giro Laranja, me deixou no lugar certo para pegar o Giro Vermelho. Que não tinha encostado: aproveitei na ida ao banheiro para comprar a passagem de volta a Lisboa, de ônibus. Seria menos agradável que de trem, mas pelo menos não teria mais que enfrentar as tais escadas.
- A senhora não se preocupe, vou lhe deixar perto do seu hotel, garantiu o motorista assim que subi.
No caminho, vim vendo Albufeira, com suas casinhas quase todas brancas, muitas recentes, algumas avenidas largas e muitas ruas estreitas. De repente, o deslumbramento, o mar lá embaixo imenso, alguns barquinhos aqui e ali e o casario se despejando pelas encostas, uma espécie de Vidigal de luxo. Finalmente cheguei. O hotel Vila de São Vicente, fica num largo em frente às ruínas de uma ermida e a uma estátua do santo de mesmo nome. No Brasil, chamaríamos pousada. Essa é encantadora, muito charme, na decoração, no cuidado, na limpeza. A dona é uma alemã, há 23 anos aqui. São poucos funcionários, um deles, um rapazote que me pergunta de que cidade sou.
- Minha mãe também é carioca, me diz ele. Meu pai é que é português. Tenho família no Brasil e de vez em quando vamos lá.
Chama-se Rodrigo, serve no bar junto à piscina, toda em ladrilho pequenino azul marinho. E a vista!! É ele quem me fez a foto que mando junto.
Saio para conhecer a cidade e se possível ir à praia. Venta muito, levo o agasalho vestido, mas ponho as havaianas (que na verdade são Ipanema). É perto, desço uma ladeira, depois são dez degraus, passo sob um túnel e lá está o mar. A areia grossa, vermelha. Não me arrisco a sentar (levantar é que são elas!) Há um setor ‘surveillé’, diz a placa, com espreguiçadeiras e barracas que eles chamam chapéus. 8 euros! Desisto, vou ficar cinco minutos. Não vale a pena. Paro num restaurante, peço alguma coisa enquanto vejo a multidão lá em baixo, os sem chapéu, quer dizer, gente comum, cada um com sua barraca, sua toalha. Desço, chego perto da água, pergunto a um casal se posso deixar com eles a minha mochilinha. Molho os pés, a água está gelada, desisto. Pego as minhas coisas e volto ao hotel. São ainda 6 horas, os sinos das igrejas batem todos: nossa, há quanto tempo não ouço isso? O dia ainda está bem claro, mas vou dormir um pouco estou exausta.
Saio de novo, por volta das 9h, o céu azul cobalto. Também o mar lá embaixo, e eu cá fico pensando na doideira daqueles portugueses do passado, enfrentarem essa imensidão para descobrir o Brasil. E a África, e a Índia e por onde mais se aventuraram ‘por mares nunca dantes navegados.’
Estou com fome. E com dor de barriga, o que são sensações conflitantes. São muitas as opções. Tento um dos lugares, o homem me diz que não tem mesa. Não é verdade, vejo vários lugares vazios, mas não quer ocupar com um só cliente. Uma moça à porta de outro restaurante me chama a entrar. Pergunta para quantas pessoas? Uma só? Não sabe, tem que ver com o gerente. De longe, vejo o homem fazer careta. Começo a achar que vai ser complicado andar sozinha aqui pelo Algarve, onde os costumes pouco mudam. Tento mais um, Ao Catraio, que eu não sei o que é. O garçom também hesita. Aí eu reclamo alto: está proibido uma pessoa comer sozinha aqui em Portugal? O dono ouve e vem em meu socorro. É um português bonito, de seus 50 anos. E galante, me faz entrar. Me dá uma boa mesa, me serve um vinho português excelente. Peço um linguado com legumes cozidos. E uma sopa também de legumes, de entrada. Divino... A conta é de 15 euros, chega a ser pechincha. No final, ele ainda me oferece um licor. Nem tudo está perdido. Volto ao São Vicente. O dia seguinte será para curtir o hotel.
Acordo tarde. A barriga ainda não está boa. Troco as delicias do café da manhã por um chá com torradas. Comprei umas cápsulas regeneradoras da flora intestinal, é o que eu tomo junto. Antes da piscina, resolvo dar uma volta no Giro Vermelho, pela cidade. Desço antes de chegar a meu hotel, porque vejo um mercado de frutas, onde compro banana e maçã. Já está ficando um habito dessa viagem. A primeira dor de barriga começou em Lisboa, logo na chegada. Acho que abusei de uns queijos na primeira noite em que jantei fora. Agora, acho de novo que foi um queijo, na dia em que parei em Lisboa. Passei quase todos esse dias, escolhendo o que comer, com medo de passar mal.A receita de banana e maçã, tem a vantagem de ser barata. Com um ou dois euros, resolvo o problema da fome e ainda não engordo. Em Bordeaux, no último dia, não resisti, comi um patê maison dos deuses, mas esse não me fez mal.
De volta ao meu segundo dia em Albufeira. Passo uma boa parte do tempo na piscina. Mas a água está muito fria. Dou uma rápida entrada, desisto. Há um chuveiro ali, a água normal. É como me arrumo. Há dois casais gays, um de homens e outro, de mulheres. Elas são de Luxemburgo, falam francês; eles falam uma língua que não é alemão e que eu não entendo. Me oferecem um dos colchões que trouxeram para a piscina. Bem melhor assim, pego sol e de vez em quando molho e corpo com um pouquinho de água gelada. Com as moças,converso sobre o Brasil, que elas querem um dia conhecer. Mais tarde, chega outro casal, um homem e uma mulher, já de meia idade. Já nos vimos antes, nossos quartos ficam um ao lado do outro. Conversamos em inglês, eles são holandeses, muito simpáticos. Durmo à tarde. São 7 da noite ( que ainda é dia por aqui) e decido começar cedo a ronda dos restaurantes. Dou sorte. O primeiro onde pergunto, está quase vazio. Chama-se Cabaz da Praia, não sei também o que é cabaz, mas dessa vez nem preciso perguntar, logo abaixo em inglês Beach Basket. Acho interessante, trouxe um livrinho da Irlanda sobre os celtas: cabaz e basket, é só trocar a ordem das sílabas, fenômeno que a gramática história que estudei há 2 mil anos explica.
Volto ao Cabaz real. È cedo e só há um casalzinho jovem numa ponta. Escolho uma outra mesa, também na varanda, justo de frente ao mar. Peço a tal sopa de legumes e depois só bata cozida e arroz. A moça estranha eu não querer nenhum tipo de carne. Digo a ela, que eu posso pagar o prato todo, mas só quero os acompanhamentos.
Daí a pouco chegam oito rapazes. Três mesas são acomodadas junto à minha para caber a todos. Eu com a vista, o arroz e a batata. Pergunto de onde são.
– Da Holanda, me dizem e querem saber de onde eu venho. Quando lhes digo que sou brasileira, começam a batucar um samba Brasil, Brasil... querem muito ir lá. Fazem muitas perguntas sobre o país, o carnaval, as mulheres (são todas bonitas?), o Lula, o futebol. Respondo como posso e o que sei. Passamos uma boa parte da noite nisso. Quando me preparo para sair eles me perguntam se eu não quero ir dançar com eles!! Agradeço, mas digo não. Pena que esqueci de tirar uma foto com meus oito amigos holandeses! E a conta veio pequenina: as moças só me cobraram o que de fato comi.
Saio dali e vou mais adiante descobrir novos recantos no centro da cidade. É incrível, a dois passos do meu hotel que é super calmo e entro no maior burburinho. Pelas ruas, lojinhas de todo o tipo de buginganga made in China, in Índia e até do Brasil, como me diz a vendedora de uns bonitos colares pelos quais me interessei. Desisto de comprar, quando fico sabendo. Afinal, seriam presentes. Ela tenta consertar e me diz que quem faz é um brasileiro, de Fortaleza, que agora tem também um filial lá. Me desculpe a vendedora, mas levo outra coisa, ainda que não made in Portugal. No final da rua, passo de novo pelo Ao Catraio, do português galante, mas não entro, sigo à direita, vou dar num largo, esse sim bem amplo, cercado de restaurantes. No meio, há todo tipo de performance: mímica, música, palhaços. Em torno de cada grupo, forma-se uma rodinha de interessados. Como o espaço é muito grande, um não incomoda o outro. Escolho um puppet show: um artista com quatro bonecos que ele manipula ao som de várias músicas. Um paininho de brinquedo, um mini microfone de pé e o espetáculo se sucede. Na primeira fila, uma enorme número de crianças e os adultos também todos encantados com o que vêem e ouvem. Um dos bonecos, na verdade um ET brinca com os ‘instrumentos’, joga longe o próprio banquinho e o microfone também. Um menino corre para botar no lugar. O diabinho verde derruba tudo de novo. Agora, são três, cinco, dez crianças que correm e tudo recomeça. Lembra um pouco o show da contadora de Búzios, na festa de um aninho das gêmeas. O último personagem é o palhaço. Ele olha o cesto quase vazio, onde algumas crianças volta e meia deixaram umas moedas. Faz cara de triste, as crianças acorrem de todos os lados. Vem as primeiras timidamente, depois são aos bandos, algumas duas, três vezes. Não contente, agora é a vez do homem trazer o palhaço perto da roda. Os adultos começam a dar dinheiro, inclusive eu. O palhacinho tira uma menina pequena para dançar. Ela vai, mas volta, está com medo. Uma outra mais velhinha corre e se dispõe a dançar. Quanto se despede, o palhaço se dependura no pescoço dela. Todos batem palmas, valeu a pena!!
Anotações de viagem-5: de Lisboa ao Algarve
por Lenira Alcure
3 de agosto de 2011
Escrevo do trem de Lisboa para a praia de Albufeira, no Algarve. Preciso muito descansar porque a correria tem sido muito grande. Viajar sozinha tem sido uma experiência muito interessante, mas vivo de sustos. O último dia de Londres foi sem problemas. Pela manhã consegui visitar O Globe: os tours são ótimos. Sempre incluem assistir a um ensaio ou apresentação de uma cena. Meu último programa foi assistir à Mousetrap. Graças a Deus, eu decidi chegar bem cedo, porque as duas referências que eu tinha gravado para me orientar não me valeram de nada. Saí por outro Exit: roda, roda, finalmente alguém me ajuda e dou de cara com o St. Martin. Encontro meu lugar, tiro uma primeira foto do teatro, o guarda vem me repreender, mostra o cartaz: proibido fotografar. Ponho a máquina na bolsa, daí a pouco um casal jovem me pede para fazer uma foto deles. Explico, I’m sorry, mas outra bronca não.
Às sete e meia em ponto, a peça começa. Perco alguma coisa dos diálogos, mas de modo geral consigo acompanhar. O problema é o cansaço. Estou para lá de exausta. A noite anterior, quase não dormi, tão agitada. Dou umas cochiladas e na última hora não consigo entender como o mais improvável assassino finalmente é descoberto. Entendo o resto, tudo se desmascara, o detetive se revela e tudo acaba bem, exceto para Ms. Boyle, assassinada lá no início e papel da Mrs. Bee. Palmas para todos. Fico um tanto frustrada, tanto desejo de ver Mousetrap e cochilar no meio...No final, um dos atores avisa que todos ali agora fazem parte da família Mousetrap ( 59 anos em cartaz!!), o que quer dizer guardar segredo sobre a peça. Vocês conhecem alguém que viu e contou depois? Parece que há uma maldição para os rebeldes. E eu se quiser saber mesmo como o assassino foi desmascarado tenho que voltar a Londres...
No dia seguinte, a partida. Uma boa notícia: o hotel me fez o desconto de uma diária, porque na véspera eu reclamara da algazarra do pessoal de limpeza ao lado do meu quarto. Tenho um pouco de escrúpulo de reclamações oficiais: afinal, há pessoas que perdem o emprego, por causa disso. Mas no caso, eu reclamei com elas primeiro, fui até lá e me declarei incomodada com tanto barulho. Pediram desculpas, mas daí a pouco recomeçou a farra. Não agüentei e liguei para a portaria. Fico pensando se o meu desconto custou o emprego de alguma delas. Me incomoda.
Paro um pouco para olhar a paisagem do trem. Parece que estamos no Alentejo. Vejo campos e campos de oliveiras e há também sobreiros que são as árvores de onde tiram a cortiça. Um braço de rio acompanha a linha do trem ( na verdade, é o contrário). Devo levar umas três horas até Albufeira. Tenho tido sorte com os portugueses dessa vez. Não só os do hotel, a quem eu já conhecia, mas pessoas comuns a quem pergunto. Cheguei a estação de Oriente de metrô. São vários níveis a subir com a minha bagagem, agora reduzida a uma mochila e a malinha de mão, com uns 8 quilos. Mesmo assim, não é fácil, tenho que subir escadas, perguntar a toda hora, não posso errar o trem. A passagem eu já comprei no primeiro dia de Lisboa. Foi fácil, na estação do Rossio a dois pés do hotel, há uma lojinha que vende esse tíquetes com antecedência. Está tudo escrito, menos a plataforma. Subo e desço duas vezes, finalmente o caixa , apesar do aviso de não se deve pedir informações ali, me dá o número correto. Na plataforma 3, o trem já chegou. Procuro o meu vagão. O assento é 116, mas um homem me diz que eu sente no 16. Guardo a mala no bagageiro, nenhum sinal de funcionário. Os números são doidos. Começam em 11, pulam alguns. Sento no 16, vou o que acontece. Ao lado, seguem quatro jovens mochileiros. São do Porto, estão indo para um Festival de Música. Começamos a conversar, o papo segue animado. Dois estudam Engenharia e os outros estão terminando o 2º Grau. Querem saber do Brasil, conversamos e rimos bastante. Nisso, chega o chefe do trem. Ele me diz que o meu lugar é no fundo do vagão. Me espanto, porque já contei e o vagão só tem 88 lugares. O 116 é um mistério.
Há outros dados intrigantes (epa, lá estou eu dando de Agatha Chistie!): o 108 fica ao lado do 104. Vocês imaginam que do outro lado devem estar o 105 e o 106...mas e o 107 onde foi parar? É esse lado Inglaterra que não deu certo! A lógica aqui é impossível.
Me mudo. Um dos jovens se oferece para levar a minha mala. Gentis, pois, pois... Não dá para julgar os portugueses pelas pessoas de rua. Quando mais educados, são gentis e gostam do Brasil.. Eu calculo que 80% dos viajantes nesse trem sejam jovens, a maioria com pesadas mochilas . Alguns carregam um embrulho redondo que eu desconfio seja uma barraca a ser armada nos acampamentos. Há alguns velhos também, uma mulher de seus 60 anos, com um instrumento musical, e outra que escreve o tempo todo à mão; eu faço o mesmo só que quase não consigo mais usar lápis e papel.
Olho a paisagem que agora se modifica um pouco. Aparecem uns vinhedos, poucos, mais adiante alguma folhagem com pendão que me parece milho. Os pinheiros agora são do tipo pinus, mas ainda vejo vez por outra os pinheiro do tipo araucária. Quanto mais avançamos, vejo sobreiros, com a casca viva já exposta, me fazem lembrar o Dos de Mayo, de Goya, com os braços levantados e o vermelho da carne ferida, indicando que a cortiça já foi retirada. Há que esperar alguns anos para nova poda, se é que assim se pode dizer, já que são os troncos e não os galhos a fornecer o rico material.
Da planura do início, começamos a descer em direção ao oceano. Aparecem os primeiros vales e montículos não mais altos que o morro do Alegre, onde passávamos férias.As casas pelo caminho são poucas, quase sempre brancas, com janelas azul escuro, mas há também condomínios que lembram os da região dos Lagos no caminho de Araruama a Cabo Frio. O trajeto do trem corta um segmento de rocha avermelhada que brilha ao sol por efeito de um mineral que me lembra as antigas resistências de ferro de passar, mas cujo nome me escapa.
Quanto mais avançamos, os morros se avistam, agora mais generosos, .lembrando as meias laranjas da Serra do Mar de que falava em classe minha antiga professora de Geografia, D. Cleone. Não consigo passar pela Rio-São Paulo, sem me lembrar dela e agora aqui também.
Esse texto vai ficando grande demais. Está com 5 mil e tanto caracteres. Acho que ninguém vai aguentar ler.Bem, gente é isso aí. Beijos e saudades.
3 de agosto de 2011
Escrevo do trem de Lisboa para a praia de Albufeira, no Algarve. Preciso muito descansar porque a correria tem sido muito grande. Viajar sozinha tem sido uma experiência muito interessante, mas vivo de sustos. O último dia de Londres foi sem problemas. Pela manhã consegui visitar O Globe: os tours são ótimos. Sempre incluem assistir a um ensaio ou apresentação de uma cena. Meu último programa foi assistir à Mousetrap. Graças a Deus, eu decidi chegar bem cedo, porque as duas referências que eu tinha gravado para me orientar não me valeram de nada. Saí por outro Exit: roda, roda, finalmente alguém me ajuda e dou de cara com o St. Martin. Encontro meu lugar, tiro uma primeira foto do teatro, o guarda vem me repreender, mostra o cartaz: proibido fotografar. Ponho a máquina na bolsa, daí a pouco um casal jovem me pede para fazer uma foto deles. Explico, I’m sorry, mas outra bronca não.
Às sete e meia em ponto, a peça começa. Perco alguma coisa dos diálogos, mas de modo geral consigo acompanhar. O problema é o cansaço. Estou para lá de exausta. A noite anterior, quase não dormi, tão agitada. Dou umas cochiladas e na última hora não consigo entender como o mais improvável assassino finalmente é descoberto. Entendo o resto, tudo se desmascara, o detetive se revela e tudo acaba bem, exceto para Ms. Boyle, assassinada lá no início e papel da Mrs. Bee. Palmas para todos. Fico um tanto frustrada, tanto desejo de ver Mousetrap e cochilar no meio...No final, um dos atores avisa que todos ali agora fazem parte da família Mousetrap ( 59 anos em cartaz!!), o que quer dizer guardar segredo sobre a peça. Vocês conhecem alguém que viu e contou depois? Parece que há uma maldição para os rebeldes. E eu se quiser saber mesmo como o assassino foi desmascarado tenho que voltar a Londres...
No dia seguinte, a partida. Uma boa notícia: o hotel me fez o desconto de uma diária, porque na véspera eu reclamara da algazarra do pessoal de limpeza ao lado do meu quarto. Tenho um pouco de escrúpulo de reclamações oficiais: afinal, há pessoas que perdem o emprego, por causa disso. Mas no caso, eu reclamei com elas primeiro, fui até lá e me declarei incomodada com tanto barulho. Pediram desculpas, mas daí a pouco recomeçou a farra. Não agüentei e liguei para a portaria. Fico pensando se o meu desconto custou o emprego de alguma delas. Me incomoda.
Paro um pouco para olhar a paisagem do trem. Parece que estamos no Alentejo. Vejo campos e campos de oliveiras e há também sobreiros que são as árvores de onde tiram a cortiça. Um braço de rio acompanha a linha do trem ( na verdade, é o contrário). Devo levar umas três horas até Albufeira. Tenho tido sorte com os portugueses dessa vez. Não só os do hotel, a quem eu já conhecia, mas pessoas comuns a quem pergunto. Cheguei a estação de Oriente de metrô. São vários níveis a subir com a minha bagagem, agora reduzida a uma mochila e a malinha de mão, com uns 8 quilos. Mesmo assim, não é fácil, tenho que subir escadas, perguntar a toda hora, não posso errar o trem. A passagem eu já comprei no primeiro dia de Lisboa. Foi fácil, na estação do Rossio a dois pés do hotel, há uma lojinha que vende esse tíquetes com antecedência. Está tudo escrito, menos a plataforma. Subo e desço duas vezes, finalmente o caixa , apesar do aviso de não se deve pedir informações ali, me dá o número correto. Na plataforma 3, o trem já chegou. Procuro o meu vagão. O assento é 116, mas um homem me diz que eu sente no 16. Guardo a mala no bagageiro, nenhum sinal de funcionário. Os números são doidos. Começam em 11, pulam alguns. Sento no 16, vou o que acontece. Ao lado, seguem quatro jovens mochileiros. São do Porto, estão indo para um Festival de Música. Começamos a conversar, o papo segue animado. Dois estudam Engenharia e os outros estão terminando o 2º Grau. Querem saber do Brasil, conversamos e rimos bastante. Nisso, chega o chefe do trem. Ele me diz que o meu lugar é no fundo do vagão. Me espanto, porque já contei e o vagão só tem 88 lugares. O 116 é um mistério.
Há outros dados intrigantes (epa, lá estou eu dando de Agatha Chistie!): o 108 fica ao lado do 104. Vocês imaginam que do outro lado devem estar o 105 e o 106...mas e o 107 onde foi parar? É esse lado Inglaterra que não deu certo! A lógica aqui é impossível.
Me mudo. Um dos jovens se oferece para levar a minha mala. Gentis, pois, pois... Não dá para julgar os portugueses pelas pessoas de rua. Quando mais educados, são gentis e gostam do Brasil.. Eu calculo que 80% dos viajantes nesse trem sejam jovens, a maioria com pesadas mochilas . Alguns carregam um embrulho redondo que eu desconfio seja uma barraca a ser armada nos acampamentos. Há alguns velhos também, uma mulher de seus 60 anos, com um instrumento musical, e outra que escreve o tempo todo à mão; eu faço o mesmo só que quase não consigo mais usar lápis e papel.
Olho a paisagem que agora se modifica um pouco. Aparecem uns vinhedos, poucos, mais adiante alguma folhagem com pendão que me parece milho. Os pinheiros agora são do tipo pinus, mas ainda vejo vez por outra os pinheiro do tipo araucária. Quanto mais avançamos, vejo sobreiros, com a casca viva já exposta, me fazem lembrar o Dos de Mayo, de Goya, com os braços levantados e o vermelho da carne ferida, indicando que a cortiça já foi retirada. Há que esperar alguns anos para nova poda, se é que assim se pode dizer, já que são os troncos e não os galhos a fornecer o rico material.
Da planura do início, começamos a descer em direção ao oceano. Aparecem os primeiros vales e montículos não mais altos que o morro do Alegre, onde passávamos férias.As casas pelo caminho são poucas, quase sempre brancas, com janelas azul escuro, mas há também condomínios que lembram os da região dos Lagos no caminho de Araruama a Cabo Frio. O trajeto do trem corta um segmento de rocha avermelhada que brilha ao sol por efeito de um mineral que me lembra as antigas resistências de ferro de passar, mas cujo nome me escapa.
Quanto mais avançamos, os morros se avistam, agora mais generosos, .lembrando as meias laranjas da Serra do Mar de que falava em classe minha antiga professora de Geografia, D. Cleone. Não consigo passar pela Rio-São Paulo, sem me lembrar dela e agora aqui também.
Esse texto vai ficando grande demais. Está com 5 mil e tanto caracteres. Acho que ninguém vai aguentar ler.Bem, gente é isso aí. Beijos e saudades.
sábado, 30 de julho de 2011
Anotações de viagem-2: de Dublin a Londres
29 de julho
Eu ia escrever sobre os dois últimos dias na Irlanda. Mas cheguei hoje à tarde e Londres, 41 anos depois de ter morado aqui por sete meses, de repente tornou a minha Irlanda pequenina... Estou em uma das mil e umas Queensgate (os ingleses adoram isso, pegam um nome só e batizam uma porção de ruas, uma perto da outra com um mesmo nome e um nickname geralmente abreviado: tem a Queensgate square, a Q plaza, a Q.terrace e por aí vai. Uma loucura. Um amigo meu daquele época dizia que a Inglaterra é um Portugal que deu certo!! Faz sentido.
Bem a saída de Dublin foi tranqüila. Nada do horror que passei na vinda. Mas o trasnsfer que contatei do Brasil não deu certo. No fundo, acho que eu queria mesmo era ver meu nome num cartaz daqueles que a gente vê nas saídas dos vôos de chegada. Alguém me esperando em Londres!! No show up! Bem acabei pegando o expresso para a Victoria Station. No problems at all. E de lá um táxi, total: 24 pounds e alguns cents, em vez dos 70 que eu ia pagar. Agora, quero ver se eles me vão cobrar no cartão, alegando que meu telefone estava desligado.
Agora, o hotel: o Éden Plaza Kensigton por fora é uma bela mansão no melhor estilo Georgiano, o surrounding magnífico. (Sorry, periferia, e os amigos que devem estar me achando muito pernóstica. Estou entrando no clima do bairro).
Voltando ao Éden, por fora é o que eu já disse. Por dentro, uma caixa de ovos japoneses, com atendentes indianos: são 800 ovos, quero dizer 800 rooms!! O quarto é mínimo, mas o aproveitamento de espaço fantástico. Consegui me meter aqui com as minhas duas malas, meus casacos, não sei quantas quinquilarias, ligar o computador e o carregador da câmera. Gente, pra que mais espaço?? E 90 libras por dia é um preço mais do que conveniente na Londres atual. (Quando eu morei aqui em Lancaster Gate, que é também um ótimo endereço, pagava 12 libras por semana, com direito a café da manhã e jantar!!!Não foi à toa que foi a época mais feliz da minha vida, vivi um dos meus grandes amores e amei essa cidade também.
Back to the present: depois de tudo arrumado fui ao Victoria e Albert Museum, que fica a duas ou três quadras daqui. Por acaso, eu tinha lido numa dessas colunas de turismo que durante o verão, na última sexta do mês, o museu fica de portas abertas até as 10 da noite. Foi um deslumbramento. Além do prédio,simplesmente uma das jóias da Coroa ( nossa, como veio tanta riqueza do que foi o maior império do mundo!) o Friday Late Summer Camp Idea oferece de tudo um pouco: tive uma aula sobre o Hamlet de Shakespaere, no meio da grama, dez ou quinze atentos alunos (eu inclusive) e no final fiquei sabendo por uma das moças presentes que era o diretor da Shakespeare Society, assim em mangas de camisa, explicando e narrando com encantamento. Nem vou contar das outras oficinas que fucei, mas do MIDI (Musical Instrument Digital Interface) karokê, com um ‘charming retrô’, segundo o prospecto e todo mundo cantando Let it be, Yesterday... Imagine, vocês, que emoção! Vou tentar enviar algumas fotos, mas ainda não transferi da câmera). Eram 9:40, já estava escurecendo, por onde eu havia entrado tinha fechado. Me encaminharam pela main entrance, e aí acabei me perdendo. Na rua, uma moça tentou me ajudar com o GPS do telefone dela, achou o meu hotel, mas eu não. Acabei mesmo vindo de táxi, tarifa 2 por causa do horário, 6 libras!!!!
Por hoje chega, são muitas digressões. E eu não acabei de escrever as minhas outras impressões dublineses, com a decepção de não ter visto a Torre Martello, onde começa o Ulisses de Joyce, nem o cemitério de Glasnevin, onde acaba (tenho o livro há mais de 20 anos, nunca tive coragem de ler, será o projeto dos pr, se alguém quiser me fazer companhia, ótimo). Também não vi o celebrado verde mar da Irlanda, mas sim o plúmbeo espelho d’água refletindo as nuvens baixas que encobriam o céu. Adorei poder usar o ‘plúmbeo’, tem tudo a ver, cor de chumbo mesmo.!
Last, but not least: descobri que viajar sozinha pode ser um antídoto para ao menos retardar o Alzheimer. Tem que se estar atento a tudo, incorporar novos conhecimentos de todo tipo, falar três línguas quase que ao mesmo tempo, enfim um mega exercício para despertar os preguiçosos neurônios.
E amanhã, lá vou eu conhecer o Globe, de Londres!! Bye, folks. I’m going to sleep.
Assinar:
Postagens (Atom)