terça-feira, 12 de outubro de 2021
No Le Monde: matéria sobre o avanço do neonazismo no Brasil.
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
O Cristo e seus clones • Por Roberto Muggiati
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Cristo Redentor, Corcovado. Foto de Fernando Maia Riotur-Divulgação |
Nos 90 anos da estátua do Redentor no alto do Corcovado, a TV mostrou as incontáveis réplicas do Cristo que se espalham pelo Brasil afora. Em sua grande maioria, são imitações toscas e cafonas da escultura feita pelo francês Paul Landowski, uma autêntica joia da art déco.
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Cristo de Brejatuba. Reprodução Facebook |
Minha nêmesis (em grego: Νέμεσις) – deixa pra lá, sem pedantismos, minha bronca maior é com o Cristo de Brejatuba, praia do litoral paranaense no municipio de Guaratuba. No alto de um morro, é alcançada por uma escadaria com 197 degraus de placas de cimento, que subíamos correndo nas jovens noites de porre no início dos anos 1950. A estátua lamuriosa, inaugurada em 1952, mostra um Cristo com as vestes infladas, pés apartados, a mão direita apontando para a entrada da barra, a mão esquerda sobre o coração. A pose atlética é ridícula e lembrava a mim – numa interpretação personalíssima – aquela do discóbulo de Mirón.
Foi por essa época que comecei a frequentar o balneário nas férias de inverno. Acontecia ali o fenômeno que no Rio de Janeiro foi batizado de “cigarras”. Respeitáveis cidadãos mandavam suas famílias para as férias na Serra e ficavam a farrear na pródiga noite da Capital Federal. No Paraná o movimento só era geograficamente inverso: chefes de família desovavam esposas e filhos nas praias e se esbaldavam na noite curitibana, turbinada naqueles tempos pelo dinheiro das exportações de café – aviões cheios de argentinas pousavam em Curitiba trazendo belas bailarinas e acompanhantes para os cabarés e boates da Cidade-Sorriso (ainda não tinha surgido a Boca Maldita).
Desterradas em Guaratuba, algumas mulheres – especialmente aquelas sem filhos – iam à forra. Nós, garotos de treze, quinze anos, nos divertíamos nas tardes frias e chuvosas circulando no carrão americano da família (geralmente um Caddilac rabo-de-peixe) pelas ruas desertas, pavimentadas de conchas de sambaquis. Era um passatempo típico da época da gasolina barata, que os americanos chamavam de “cruising” – algo como navegar sobre quatro rodas, a gíria veio da ronda dos carros-patrulha da polícia. Visitávamos as casas de namoradinhas potenciais – as donzelas nas janelas – e fazíamos uma parada às vezes para subir no alto do Morro do Cristo, um posto de observação privilegiado. Com um pouco de paciência, flagramos muitas vezes respeitáveis esposas no carro de um pai esperto que, às profissionais portenhas, dava preferência a mães locais desgarradas e genuinamente fogosas.
O equivalente norte-americano do nosso Cristo é a Estátua da Liberdade, da qual existem réplicas em praticamente cada um dos 50 estados da federação. O que me lembra imediatamente um dos melhores romances de Paul Auster, Leviatã (1992), em que um promissor romancista sai pelo país explodindo réplicas da Estátua da Liberdade. Tal iconoclastia jamais ocorreu no Brasil com relação ao Cristo, excetuando o ato isolado de um obscuro bispo da Igreja Universal que chutou aos palavrões uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. O que me leva a uma reflexão sobre a índole dos nossos anarquistas, única faixa da população de que se poderia esperar alguma rebeldia. Aliás, eu não estaria aqui hoje não fosse a Colônia Cecília, um sonho de anarquistas italianos que durou pouco, mas inspirou incontáveis livros e filmes. Intelectuais e sindicalistas de Milão e arredores, liderados pelo ideólogo Giovanni Rossi, tentaram criar uma colônia anarquista em solo brasileiro, nas terras doadas por D. Pedro II em Palmeira, a 100 km de Curitiba. Meu bisavô Ernesto Muggiati, de Stradella, (com mulher, dois filhos e duas filhas) quase chegou lá. Morreu de febre amarela ao aportar em Paranaguá. Nossos anarquistas fizeram tudo errado. Nos vastos campos plantaram milho, uma cultura demorada. Quando venderam o produto da primeira colheita, quatro anos depois, o tesoureiro fugiu com todo o dinheiro. Foi o fim da Colônia, seus integrantes aos poucos debandaram, em busca de emprego em Curitiba, outros seguiram para São Paulo. A maioria dos italianos que vieram para o Brasil trouxe a religiosidade ancestral, apegando-se ao culto da Virgem e de seu filho Jesus. As famílias costumavam destinar pelo menos um de seus filhos ao sacerdócio. Das filhas que ficavam solteiras, muitas ingressavam em conventos. Muitos imigrantes – antigos pedreiros ou mestres de obras – se improvisaram em arquitetos e construíram igrejas e até mesmo catedrais. Uma história que Zélia Gattai contou muito bem (os Gattai vieram também para a Colônia Cecília) em seu livro com o título irônico de Anarquistas graças a Deus...sábado, 9 de outubro de 2021
Guedes no paredão da Faria Lima
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Reprodução Twitter |
Enrolado dentro da caixa preta de Pandora, Paulo Guedes foi "homenageado" em cartaz colado na rua Faria Lima, em São Paulo, onde ficam instalados os "aparelhos" da especulação financeira.
sexta-feira, 8 de outubro de 2021
quarta-feira, 6 de outubro de 2021
terça-feira, 5 de outubro de 2021
Lizzie Bravo (1951-2021): a brasileira que cantou com os Beatles. Por Roberto Muggiati
Lizzie em Londres, 1968. Foto Álbum de família |
Em 2011, a pedido da revista Contigo, Roberto Muggiati entrevistou Lizzie Bravo. Na época, ela preparava o livro Do Rio a Abbey Road, onde contou a grande aventura que foram os dois anos e oito meses vividos em Londres junto aos Beatles – e gravando com eles. Elizabeth Villas Boas Bravo, a carioca da Penha, morreu hoje, aos 70 anos, vítima de problemas cardíacos.
A seguir, você poderá ler a íntegra da entrevista.
A brasileira que entrou para a lenda dos Beatles
Superastros exigem superfãs. Durante dois anos e oito meses, entre 1967 e 1969, a carioca Lizzie Bravo viu de perto John, Paul George e Ringo quase todos os dias na porta dos Estúdios de Abbey Road, e na Apple, em Londres. Mais do que isso, Lizzie gravou com os Beatles, quando tinha apenas 16 anos. Esta gravação histórica, Across the Universe, marcou sua vida para sempre, entrou para a lenda dos Beatles e foi lançada pela NASA para o espaço profundo, a 431 anos-luz da Terra.
Ela adoraria ser “a garota dos olhos de caleidoscópio” (de Lucy in the Sky with Diamonds), mas se eternizou como “a esperança de óculos” na letra de Casa no Campo, de José Rodrix, seu marido em 1971. Os insondáveis caminhos que levaram Elizabeth Villas Boas Bravo, nascida no bairro carioca da Penha em 29 de maio de 1951, dão uma boa ideia de como pode ser rica a história individual de um ser humano. Lizzie conta:
— Quando nasci, meus pais moravam em cima do Cine Vaz Lobo. Quando eu tinha três anos, meu pai, Luiz Carlos Bravo, foi transferido para a Venezuela como gerente da Encyclopaedia Britannica (olhaí o inglês entrando já na minha vida...). Na volta ao Brasil, em 1962, a família se instalou no Leme e entrei para o colégio de freiras Stella Maris. Eu estudava piano e balé e era bandeirante naquela igreja ao lado do Rio Sul. Meu pai um dia trouxe dos Estados Unidos um LP, Meet the Beatles. Pirei. Mas só a música dos carinhas não me bastava. A filha da empregada, Helena, insistiu que a gente fosse ao cinema para ver o primeiro filme dos Beatles, A Hard Day’s Night, chamado Os reis do Iê-Iê-Iê no Brasil. Era outra coisa não só ouvi-los, mas vê-los em movimento. A gente via uma sessão atrás da outra, se escondendo no banheiro para não pagar ingresso. Muitas meninas da época são minhas amigas até hoje. Eu e minha amiga Denise pedimos à família como presente de 15 anos uma viagem a Londres. Os Beatles pararam de excursionar em 1966, se não tomássemos uma atitude, nunca mais os veríamos “ao vivo”. Denise viajou um mês antes. Parti em 13 de fevereiro de 1967. Chorei sentada na poltrona do avião ao ver a família lá fora acenando para mim. Aí eu já era Lizzie (de Dizzy Miss Lizzy, gravado pelos Beatles), havia Elizabeths demais na minha turma na escola. Em Londres, Denise me recebeu ansiosa (‘Vamos, corra, menina!’), larguei a bagagem no hotel e me mandei com ela para os estúdios de Abbey Road.
— Vi os quatro Beatles na noite daquele dia em que cheguei a Londres, 14 de fevereiro de 1967. Eles saíram em dupla, primeiro John e Ringo, depois Paul e George. Foi um choque – de um dia para o outro, eles viraram “de verdade!”. Passei a freqüentar a porta de Abbey Road todo dia com a Denise. De dia, as meninas eram muitas, mas poucas podiam esperá-los sair, tarde da noite. As mais corajosas aturavam um frio de rachar, vento, chuva, neve – o que fosse. Com minissaias e meias finas, sentadas na pedra gelada das escadas da porta de entrada de Abbey Road, congelávamos a bunda, cantando musicas dos Beatles para amenizar o sofrimento físico. Nossa alimentação era precária, idas ao banheiro só em caso de emergência, porque a qualquer cochilo você deixaria seu Beatle favorito ir embora, depois de tantas horas de espera.
Não havia nenhum prêmio especial para as fãs, bastava estar perto dos ídolos e vê-los de vez em quando, bater um papinho, tirar fotos e pegar autógrafos. Mas, quase um ano depois de ter chegado a Londres, em 4 de fevereiro de 1968, Lizzie Bravo tirou a sorte grande. O feito está nos compêndios. Mark Lewisohn registrou em The Complete Beatles Chronicle:
“John e Paul se deram conta de que faltava à canção [Across the Universe] harmonias em falsete. Encontrar duas cantoras numa noite de domingo normalmente teria sido impossível, mas para os Beatles bastava dar um pulo até a frente do Estúdio da EMI e congregar duas das fãs que estavam sempre lá. Paul fez justamente isso, escolhendo Lizzie Bravo, uma brasileira de 16 anos, que morava perto de Abbey Road, e Gayleen Pease, 17, londrina, que naturalmente ficaram empolgadas por serem as únicas fãs jamais convidadas a contribuir para uma gravação dos Beatles.”
Lizzie não teve a dimensão do que estava acontecendo naquela hora:
— Estar no estúdio com os quatro Beatles, o George Martin, Mal (Evans), Neil (Aspinall) e minha amiga Gayleen naquele momento pareceu muito bacana, mas “normal”. Afinal estava acostumada a vê-los quase todos os dias o ano todo de 1967. Só muito mais tarde “caiu a ficha” do que tinha acontecido. Demorou um bocado para Across the Universe chegar às lojas. Primeiro eles doaram a canção para um disco de caridade, Nothing’s Gonna Change Our World, projeto do Príncipe Phillip. Depois, ela saiu num LP chamado Rarities, e finalmente no Past Masters II, onde pode ser encontrada até hoje, agora remasterizada. O curioso é que nada mudou depois da gravação. Gayleen e eu continuamos esperando do lado de fora, e nossas amigas nos tratavam do mesmo jeito. Ambas tímidas, pouco falávamos no assunto.
Em agosto de 1969, com o final das gravações do álbum Abbey Road, chegava ao fim a Era dos Beatles. Lizzie deixou Londres no finzinho de outubro.
— Estava cansada, queria passar um tempo no Rio e depois voltar (deixei caixas com minhas coisas por lá). Mas... em março de 1970 conheci o Zé Rodrix num ensaio do Som Imaginário com Milton Nascimento no Teatro Opinião em Copacabana. Começamos a sair, fomos morar juntos pouco tempo depois, dividindo um quarto-e-sala em Copacabana com os amigos Tavito e Marco Antonio Araujo. Casamos em dezembro do mesmo ano, 1970. Marya nasceu dez meses depois, no final de outubro de 1971. Eu e o Zé nos separamos pouco depois, em meados de 1972. Na época ele compôs sua obra-prima, Casa no Campo, perguntei a ele um dia o que queria dizer com aquele “eu quero a esperança de óculos” da letra. O Zé respondeu: “Mas a esperança de óculos é você, Lizzie!”
Existe vida depois dos Beatles? Com certeza. Lizzie voltou a viver fora do Brasil: em Caracas, após a separação; nos Estados Unidos entre 1984 e 1994. Tornou-se uma hábil fotógrafa, trabalhou como assistente de Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos e Milton Nascimento, entre outros. Cantou com Joyce de 1980 a 1992 em discos, shows e turnês, inclusive no Japão e Estados Unidos. Gravou ainda com Milton, Egberto, Toninho Horta, Ivan Lins — a lista é interminável, uma verdadeira enciclopédia da MPB. Engana-se quem pensa que Lizzie Bravo só ouve os Beatles. Adora e ouve muito MPB, o que pode até chocar os beatlemaníacos mais extremados. Lizzie também é louca pela banda U2. Ao todo, desde os anos 80, já assistiu a 36 shows da banda.
Marya Bravo, a filha de Lizzie, também se tornou cantora. Com cinco anos, gravou o conhecido jingle “Cremogema”, entre outros, e logo depois começou a cantar nos discos do Egberto e a fazer vocal com muitos nomes da MPB. Aos 17 anos, foi para a Europa em turnê com o musical Hair e acabou ficando seis anos na Alemanha, com direito a marido e filha, Morgana, hoje com 18 anos.
Pouca gente teve o privilégio de gravar com os Beatles. Profissionais, apenas o Eric Clapton e o Billy Preston. Yoko Ono fez um dueto com o John em Everybody's Got Something to Hide Except for me and my Monkey e ela e Pattie Harrison fizeram vocais em Birthday. E, é claro, Lizzie e Gayleen.Mas ela faz questão de ressalvar:
— Não gosto de ser citada como "amiga dos Beatles". Nunca fui amiga de nenhum deles. Apenas uma fã privilegiada. Quando as pessoas falam isso, eu respondo com uma pergunta: "Você deixaria seus amigos esperando você do lado de fora, na neve?”.
Pergunto a Lizzie: “E a importância na sua vida das seis palavras que você canta em Across the Universe: NOTHING IS GONNA CHANGE MY WORLD ?”
— Estas palavras mudaram o meu mundo para sempre.
A saga de Across the Universe continua viva. Um jogo de computador recente, Trivial Pursuit/The Beatles, tem uma pergunta dedicada a Lizzie e Gayleen: “Quais fãs dos Beatles foram convidadas por Paul a cantar os backing vocals em Across the Universe?” A canção foi mandada pela NASA para a Estrela do Norte, Polaris (a 431 anos-luz da Terra), em 4 de fevereiro de 2008, comemorando os 40 anos de sua gravação, os 50 anos da própria NASA, e os 45 anos do Deep Space Network, uma rede de antenas que apóia as missões de exploração do universo. Paul vibrou, na ocasião: “Incrível! Beleza, NASA. Mandem meu amor para os ETs.”
Já Lizzie, com um humor mais para Lennon, comenta:
— Meu irmão, Ricardo, acha melhor eu não esperar para ver se eles vão gostar. Afinal são 400 e poucos anos para chegar lá e outros 400 e poucos para voltar...
segunda-feira, 4 de outubro de 2021
Meme do terror
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Imagens reproduzidas da Folha de São Paulo |
domingo, 3 de outubro de 2021
sábado, 2 de outubro de 2021
A namoradinha da ultra direita
Pelanca gourmet e sopa de ossos • Por Roberto Muggiati
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Em 2021, a nova era da fome. |
Não contaram isto na ONU. A fome por aqui anda braba. No Rio o caminhão de ossos faz sucesso. Transporta restos de carcaças das feiras e supermercados para serem transformados em adubo e rações animais. Recentemente, o caminhão dos ossos passou a estacionar no bairro da Glória, no Rio, e disponibilizar suas primícias a pessoas famintas que ali recolhem o que podem para alimentar suas famílias. Este gesto desesperado lhes custa 15 ou 20 reais da passagem de trem ou ônibus dos subúrbios distantes da Baixada fluminense.
Querem uma receita? Nunca se sabe, pode ser útil amanhã. Vem da merendeira desempregada Denise Fernandes da Silva, 51 anos, do bairro Parque Alian, São João de Meriti.
• Pegue uma seleta de pelancas e ossos, junte uns restos de legumes e frutas do lixão da feira, o que sobrou de batatas e arroz com feijão, e refogue tudo no resto do óleo de soja. (Se não tiver pode ser qualquer óleo).
Foi assim que dona Denise, com suas mãos mágicas, providenciou o almoço para os filhos e doze netos.
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Em 1983, a fome na ditadura |
Mas será que não existem outras opções? O Brasil ficou chocado em 1983 com a foto na primeira página do Jornal do Brasil do Homem do Calango. Cearenses à mingua comiam lagartos para sobreviver. (Outro dia vi da minha janela na pedra um lagarto, parecia bem gordinho.)
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A origem do ragu. Foto Sainsbury |
Tom e Jerry brasileiros, se cuidem! Ainda não se lembraram de vocês, embora seja banal entre os quitutes de rua cariocas o “espetinho de gato”. E o que dizer dos gatos de rua extraviados e dos patos, gansos e cisnes nos lagos dos parques públicos? E os robustos ratões que rondam as ruas da noite?
Seria levar a coisa ao extremo, mas lembro o clássico da sátira do irlandês, Jonathan Swift, Modesta Proposta, que sugeria em 1729: “A venda de carne dos filhos beneficia vidas de adultos e a venda de carne de crianças irá beneficiar a economia.”
Daí para o ‘canibalismo solidário’ é um passo. Quem sabe Paulo Guedes já não estaria articulando um plano?
Publimemória - Cachaça para jornalistas e o animado teor etílico das redações
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Anúncio reproduzido do Facebook Revistas Brasileiras Antigas |
sexta-feira, 1 de outubro de 2021
Fotomemória: Sartre, JK e Simone de Beauvoir - No tempo em que o presidente do Brasil não contava piadas de tiozão para visita estrangeira
Observado por Simone de Beauvoir, Sartre quis saber de JK a posição exata de Brasília no mapa do Brasil. Foto Manchete |
Em 1960 Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir visitaram o Brasil. O casal passou aqui um mês entre agosto e setembro daquele ano. Na agenda, encontro com escritores no MAM, conferência na Faculdade de Filosofia e almoço nas instalações gráficas da Manchete em Parada de Lucas. Em Salvador, Sartre e Simone, ciceroneados por Jorge Amado, foram a museus, igrejas barrocas e terreiros de candomblé. Em Recife, se deslumbraram com os rios Beberibe e Capibaribe, "de fazer inveja a Paris" - disse.
Um encontro especial foi o do escritor com Juscelino Kubitschek. Na conversa entre os dois um tema predominou: Brasília. Era inevitável, a nova capital era motivo de curiosidade mundial, assim como a escalada desenvolvimentista do Brasil. Vivia-se um então raro interregno da democracia brasileira entre golpes militares. Sartre não sabia, mas o Brasil começava a se despedir da liberdade. Mais uma quarterlada, que resultaria em uma ditadura sangrenta, de 21 anos, já estava no forno. Logo ali na próxima esquina, em 1964.
De qualquer forma, o Brasil que Sartre via estava bem distante do mau cheiro atual que emana de Brasília, onde também se fala em golpe. O país estava no noticiário internacional impulsionado pela bossa nova, cinema novo, arquitetura, conquistas esportivas, teatro e literatura. Tempos de adensamento cultural. Dias de Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Paulo Freire, Celson Furtado, Darcy Ribeiro, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lígia Pape, Iberê Camargo, Sérgio Camargo, Alfredo Volpi e Mira Schendel.
Na conversa com JK Sartre mostrou-se entusiasmado com a efervecência cultural do Brasil.
Agora, por instantes, imagine um pesadelo. Se, por efeitos de uma janela cósmica ou armadilha de um buraco negro no espaço-tempo, Sartre fosse recebido por Bolsonaro, o atual presidente.
Na melhor das hipóteses, o francês teria que ouvir do brasileiro as piadas estilo tiozão do pavê ou nível quinta série, como aconteceu com o presidente de Portugal, Marcelo Rabelo de Souza, que sofreu constrangimento indigesto durante almoço no Planalto.
Ao fundo da foto acima, como testemunha ilustre e sileciosa do encontro de Sartre e JK, aparece uma estante de livros. Pois é. A biblioteca, atualmente, coitada, serve de cenário para os perdigotos odiosos e as repulsivas lives do elemento infame que os desavisados e "gado" colocaram em Brasília.
quarta-feira, 29 de setembro de 2021
Divagações em torno da 3ª dose • Por Roberto Muggiati
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No salão Assyrius, Theatro Municipal |
Dei sorte: cheguei ao ponto quando passava um ônibus da linha Troncal 8 (ai de mim pegar o Troncal 7, me jogaria do outro lado do Túnel Santa Bárbara), que me deixou defronte ao metrô do Largo do Machado. A escolha do Municipal foi acertada: não havia fila alguma, fui prontamente encaminhado por um senhor simpático ao preenchimento do cartão de vacinação. Pedi a ele um favor especial: que me fotografasse tomando a 3ª dose. Atendeu-me também. Seu nome, Leo Melo, técnico do Tribunal de Contas municipal, atualmente à disposição da Secretaria de Saúde. Expliquei que tinha ganhado (perdido) 35 anos da minha vida na Manchete. Reagiu como todo mundo reage ao ouvir o nome da Manchete, com elogios nostálgicos à grande revista. Quis saber a causa do naufrágio daquele império de comunicação, respondi sucintamente que a editora não resistiu à TV Manchete. Pior: os Bloch não souberam aproveitar o sucesso estrondoso da novela Pantanal em 1990 para dar a grande virada como empresa.
Em poucos minutos saí de vacina tomada – desta vez foi a Pfizer, indiscutível incrementadora da imunidade. Mestre Zagallo, com sua mística numerológica lembrou bem: “Dose de reforço” tem 13 letras!” Aquele entorno do Theatro Municipal me trouxe à memória flashes da minha vida na região:
• Os encontros com Antônio Fraga e sua mulher no bar Vermelhinho, em frente da ABI, na minha primeira visita ao Rio em 1955 (nasci e morava em Curitiba). Escritor marginal (Desabrigo e Outros Trecos), Fraga já foi chamado “o James Joyce do Mangue”. Vendeu siris na “zona” por uns tempos. Foi também mineiro em Minas, garimpeiro em Goiás, lanterninha de cinema, vendedor de perfume francês em bordeis e auxiliar de cozinha no Hotel Glória.
• No meu vigésimo dia como repórter da Manchete, domingo 5 de dezembro de 1965, eu me encontrava com outros jornalistas num cercado diante da Biblioteca Nacional. Do lado oposto da rua, na atual Câmara dos Vereadores (a Gaiola de Ouro), aconteceria – sob grande tensão e proteção de tropas federais – a posse de Negrão de Lima, escolhido em eleições populares como segundo governador do estado da Guanabara. Injuriada, a linha dura militar queria dar um golpe, mas o general-Presidente Castello Branco ainda batalhava para dar à ditadura uma fachada “democrática”. Foi um dos raros momentos em que, como jornalista, senti minha integridade física ameaçada.
• Ao lado da Biblioteca, num prédio ainda mais majestoso, fica o Museu Nacional de Belas Artes. Em sua fachada tem uma frisa com os nomes de artistas da antiguidade, entre eles o de Vitrúvio (80-15 a.C.), o grande arquiteto romano. Durante anos, tive como editor de automóveis na Manchete o André Queiroz, eficiente e divertido. Um dia soube seu nome completo: André Vitrúvio Queiroz, talvez a única criatura no mundo a ostentar tal nome. Explicou-me: “Quando eu nasci, meu pai ficou tão feliz que tomou um porre no Amarelinho. Procurando um táxi diante do Museu de Belas Artes, viu aquele nome na fachada sorrindo para ele: VITRUVIO. Não resistiu.”
• Já que estava ali perto, decidi fazer uma visita ao dono da livraria Berinjela, vizinha da Da Vinci no subsolo do edifício Marquês do Herval. Quando a crise apertou, comecei a vender livros para a livraria do Daniel Chomsky, profissional de boa cepa e gente boa. Inicialmente, eu tinha de levar os livros até ele, o que implicava uma verdadeira operação de guerra: encher uma mala com as edições mais atraentes que ainda guardava em minha biblioteca. O peso era descomunal, eu não a conseguiria levar do fundo da vila, onde aluguei uma casa por 37 anos, até a rua para pegar um táxi. Erguer a mala para colocá-la no bagageiro era outro problema. Portador há anos de uma hérnia inguinal à beira do estrangulamento, eu não podia levantar uma pluma. Se o taxista era jovem, resolvia a questão numa boa. Às vezes eu pegava um chofer mais idoso que eu – e tão lesado quanto – era obrigado a dispensá-lo e recorrer a outro táxi. Acendi velas para o inventor da mala-de-rodinhas, um dos maiores benfeitores da humanidade, praticamente desconhecido. (Bernard D. Sadow, americano de Massachusetts, patenteou o invento em 1972 e morreu de câncer aos 85 anos em 2011.) Descia do táxi na Almirante Barroso esquina de Rio Branco e me arrastava com a mala pela calçada irregular de pedras portuguesas até a rampa em curva do Marquês de Herval.
Um parêntese: quando fiz a Walter Salles um relato de minhas vicissitudes, ele achou que a história do misterioso senhor da mala de livros daria um filme, o personagem conhece uma mulher mais moça e... Fiquei de fazer uma sinopse, mas me enrolei barbaramente misturando ficção e realidade. Imaginei a heroína uma caixa da minha agência de Botafogo do banco Itaú/Unibanco, uma jovem de 40 anos com cabelos dourados num rabo-de-cavalo que lembrava o perfil de uma madona pintada por pintor renascentista florentino, não lembro mais qual. No enredo, o homem da mala e a moça do rabo-de-cavalo se tornam amantes e armam um golpe, durante as filmagens no próprio banco em funcionamento, fingindo um roubo de malotes que – por uma dessas tramas helicoidais borgianas – acontece de verdade. Claro que a ideia não saiu do papel. Em compensação, Waltinho me encaminhou para trabalhos no Instituto Moreira Salles, os mais notáveis foram duas séries para a Rádio Batuta: cinco programas de uma hora sobre a canção de protesto (da Marselhesa a Que País è Esse?) e três programas sobre músicas inspiradas pelas peças do Bardo nos 400 anos de sua morte (O mundo musical de Shakespeare), vale a pena ouvir, aqui vão os links
https://radiobatuta.com.br/documentario/o-som-da-rebeldia/
https://radiobatuta.com.br/documentario/o-mundo-musical-de-shakespeare/
Outra história de cocheira: Francis Ford Coppolla estava entalado há décadas com os direitos de filmagem de On the Road, o romance-manifesto da beat generation. Chegara a fazer testes com Brad Pitt e Johnny Depp que acabaram perdendo a data de validade para os papeis principais. Quando viu Diários de motocicleta, convocou Walter Salles para levar On the Road às telas. De uma geração mais jovem, Waltinho sentiu que precisava fazer um “laboratório” antes de encarar o desafio. Contratou-me como seu personal beat expert e viajou a América de costa a costa, reconstituindo o roteiro de On the Road (poucos sabem que o cineasta é também um vitorioso piloto na categoria GT3 Brasil). Dirigindo seu 4x4 com uma pequena equipe, foi entrevistando no caminho remanescentes da geração beat e simpatizantes (Ferlinghetti, Gary Snyder, Carolyn Cassady, Lou Reed, Philip Glass etc) Fiquei encarregado de municia-lo, do Rio, com a ficha dos dois ou três entrevistados de cada dia, um programa que se estendeu por quase um mês. Foi assim que ganhei meu único cachê de Hollywood, pago em dólares pela Zoetrope Studios do “chefão” Coppola.
Voltando à mala amada: as sucessivas viagens, carregada de livros, a deixarem à beira do colapso. Foi quando, providencialmente, Daniel resolveu comprar os livros em minha casa. Aos poucos fui conhecendo suas preferências e idiossincrasias, devia saber melhor que eu o que vende e o que encalha numa livraria. Eu tinha uma preciosidade, o livro To Bird With Love, um volume pesado em papel supercouchê, 40 x 28cm, numa caixa especial de papelão, só 500 exemplares foram postos à venda, numa edição de luxo feita pela viúva de Charlie Parker em parceria com o artista gráfico Francis Paudras (o anjo da guarda de Bud Powell que inspirou o filme Round Midnight). Graças à intermediação da amiga Carol Parisot, produtora do Copa JazzFest, vendi a um casal de jazzófilos abonados por 2500 reais. O livrão foi comprado em Paris e trazido ao Rio por cortesia de ninguém menos do que o imortal R. Magalhães Jr e sua filha Rosa Magalhães, depois carnavalesca famosa.
De volta à querida Berinjela, Daniel e eu de máscara, perguntei se ele tinha À la recherche du temps perdu em francês. Finalmente, às vésperas dos 84 anos, eu chegara àquele momento de paz em que teria tempo para ler realmente Proust. Aluno precoce da Aliança Francesa, eu lera o primeiro volume aos quinze anos. Assimilara a Síndrome da Madeleine e devorara Un Amour de Swan, em que o ato sexual, praticado numa carruagem, era nomeado como “faire Catleya”, alusão à orquídea que portava a heroína Odette, presa ao vestido por um colchete. Na Berinjela só havia Proust em português. Lembrei o velho Jorge Zahar, que insistia: “Por favor, evitem traduções, se esforcem sempre para ler um livro na língua original”. Realmente, a primeira frase de Em busca do tempo perdido é intraduzível, o decassílabo: “Longtemps je me suis couché de bonne heure”. Só o fantasma de Shakespeare redimiu a arte da tradução. O seu Remembrance of Things Past (do Soneto 30) é considerado o melhor título da saga proustiana, mais belo até que o original francês.
Daniel desconhecia os percalços e dissabores da minha diáspora de Botafogo para Laranjeiras. Ele mora com a família numa casa nas imediações do ristorante Mamma Rosa, perto de mim. Reclamei do Baixo Glicério, não existe por aqui sequer um Caixa 24 horas. Quando a Covid fechou a agência do Itaú na Rua das Laranjeiras, eu tinha de ir pegar dinheiro no Largo do Machado. Suco de tomate para meu Bloody Mary eu tenho de ir comprar no Largo do Machado. Daniel se interessou pelo Bloody Mary. Embarquei logo numa dissertação da cultura etílica que é uma das muitas facetas do meu perfil anarco-hedonista: “O Bloody Mary é o drinque do Day After, o cura-ressaca ideal. Vodca, suco de tomate, uma ou duas gotas de molho inglês (ou Tabasco) num copo longo e um talo de aipo para agitar. O Bloody Mary está fazendo cem anos e foi criado no meu bar favorito, o melhor do mundo: o Harry’s New York Bar de Paris. Ali foram também inventados os drinques French 75, Monkey Gland e Sidecar – um sujeito chegou de moto, o companheiro saltou do sidecar e criou a bebida.”
Foi no Harry’s que, depois de um concerto dos irmãos Nat e Julian “Cannonball” Adderley no Olympia, eu, Joaquim Pedro de Andrade, Marilia Carneiro e Maria Lúcia Dahl (as irmãs Pinto, antes do sobrenome conjugal), planejamos meticulosamente o sequestro da estatueta do Manneken Piss em Bruxelas – um gesto transgressor de repercussão internacional – iríamos abduzir o Manequinho no carro de Neusa Azambuja, funcionária da representação brasileira na Unesco. Planejamos tanto que deu em nada. Às cinco da madrugada, trocamos os vapores de álcool e nicotina do Harry’s pelo frescor da clara manhã de primavera no Jardin des Tuileries, caminhando a esmo numa das paisagens mais belas deste planeta.
Nesta pequena viagem (com escalas) à Cinelândia fui longe, não? De volta para casa, encontro na saída do metrô do Largo do Machado a conexão de ônibus com o Silvestre, me deixará no ponto das Laranjeiras antes de embicar à direita para a rua Alice. Espero quase vinte minutos sentado no pequeno ônibus, os vinte assentos vão sendo ocupados, um baleiro vende suas promoções com uma penca de guloseimas de quase dois metros de altura: biscoitos, amendoim, drops, balas, paçoca, pipoca, achei que o coitado não ia vender nada, mas os passageiros, por falta do que fazer, começam a comprar, afinal, lembrei, é dia dos santos gêmeos Cosme e Damião. Tecnicamente sou ateu, mas a religião me atrai – não por seus aspectos mais deletérios, a crendice, o fanatismo – mas por seus rituais, a música sacra, o silêncio das catedrais, as abobadas góticas, os vitrais em rosáceas – por acaso os sinos da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória começaram suas badaladas alegres do meio-dia. Adoro também as histórias da Bíblia, matriz literária única, e a vida dos santos – hagiografia para os íntimos – os milagres e os martiriológios. Pouca gente sabe quem foram Cosme e Damião. Nascidos na Egeia, Síria, praticaram a medicina de graça e por não renegarem sua fé cristã foram decapitados em 303. O dia de São Cosme e Damião é celebrado também pelo candomblé, batuque, xangô do Nordeste, xambá e pelos centros de umbanda: associados aos meninos de Angola, irradiam bem estar, desfazem feitiços e curam enfermidades.
Franco Zefirelli e Liza Minelli: badalação da estreia da Traviata no Municipal. Foto Manchete |
Ah, sim, como pude esquecer? O local da vacinação foi o Salão Assyrio do Theatro Municipal, que foi restaurado por Adolpho Bloch quando, a convite do governador do Rio de Janeiro, Faria Lima, dirigiu a Funterj (depois Funarj) com o salário simbólico de um cruzeiro. Cito Arnaldo Niskier:
“Adolpho mandou vir da Itália, de começo do seu próprio bolso, todo o cobre que revestia a cúpula, deteriorada por tiros dados aos sábados por gentis frequentadores do Bola Preta. Deu ao palco mobilidade mecânica até então desconhecida, reformou os banheiros e o clássico foyer, trouxe da Bélgica a nova mesa de iluminação, para depois se concentrar no que talvez tenha sido a sua maior obra: a Central Técnica de Inhaúma. Com isso viabilizou uma programação artística muito mais intensa, a partir da clássica Traviata, montada por Zeffirelli (um luxo!), em março de 1979. E depois, a montagem de 23 óperas e incríveis balés, a partir de Copélia.”
O extinto Restaurante Assyrius. Foto Reprodução Facebook |
No Salão Assyrio do Municipal aconteciam os antigos bailes de máscaras e funcionou um cabaré onde Pixinguinha tocava com seus Oito Batutas. Foi ali que Adolpho Bloch instalou na sua gestão o Restaurante Assyrius, com a cozinha do seu lendário chef Severino Ananias Dias. Acho que hoje guardo melhor lembrança, não das óperas que Adolpho nos obrigava a assistir, mas dos fabulosos banquetes proporcionados por mestre Severino nas noites de estreia.
Martelada na Cultura
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Foto Horacio Ernane Leiloeiro/Divulgação |
Como parte do cerco à Cultura empreendido pelo Governo Federal, a Escola de Cinema Darcy Ribeiro foi despejada, no ano passado, do imóvel que ocupava na Rua da Alfândega, no Centro do Rio de Janeiro.
Continua sem teto, mas permanece viva.
A instituição oferece cursos on line, enquanto está em busca de nova sede física. Esta semana, uma seção especializada do Globo anunciou o leilão de dezenas de cadeiras que pertenciam ao Auditório Darcy Ribeiro, no prédio que a Escola foi obrigada a deixar.
As cadeiras, em madeira e couro, levam uma assinatura icônica: foram desenhadas por Sérgio Rodrigues.
Fora da informação aos possíveis interessados, o fato não ganhou maior repercussão. O martelo bate na vida cultural do Rio e quase em silêncio a cidade perde um espaço de formação de profissionais do áudio visual, categoria tão fundamental nesses tempos. Tempos que, para o atual e abjeto governo federal, são também de trevas e de perseguição ao setor criativo.
segunda-feira, 27 de setembro de 2021
sábado, 25 de setembro de 2021
Deu no G1: "PF recupera duas garrafas de vinho furtadas de adega do Ministério das Relações Exteriores e avaliadas em quase R$ 60 mil".
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Fotos: Divulgação/PF |
por O.V.Pochê
Gente fina tem mão leve. Um larápio que circula no MRE afanou da adega do Itamaraty garrafas de vinho Petrus Pomerol Grand Cru e Domaine de la Romanee-Conti. A Polícia Federal montou uma operação para resgatar as preciosidades. Estavam em São Paulo. O nome do autor do crime não foi revelado. O sujeito contou que vendeu a outro elemento, que foi localizado e cujo nome também é mantido em sigilo.
Não faz sentido é manter em segredo a identidade da dupla de ladrões. Se fossem duas garraafas de cachaça 51 roubadas da adega do "seu' Mané os nomes dos meliantes já estmavam no Jornal Nacional.
Um conselho de amigo. É bom o FBI verificar se não falta nada na adega da ONU. Sei lá, vai que...
Veja a matéria no G1 AQUI
quinta-feira, 23 de setembro de 2021
Monica Grayley: jornalista brasileira que foi repórter da Manchete é porta-voz da ONU pela segunda vez
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Monica Grayley no plenário da ONU. Foto News UN |
A semana foi da 76ª. Sessão da Assembleia Geral da ONU. Assunto que é o grande destaque na mídia mundial. E por todos os motivos - os bons, os maus e os feios - como o Brasil particularmente constatou.
Neste espaço, o que nos remete à ONU é uma notícia nobre.
Pela segunda vez, a jornalista e cientista política brasileira Monica Grayley, atual chefe da ONU Português, assume como porta-voz da Assembleia Geral da ONU, nomeada pelo presidente-eleito Abdulla Shaid, ministro das Relações Exteriores das Maldivas e membro do Parlamento do país.
Monica Grayley foi a primeira lusófona a ocupar esse cargo, entre 2018-2019, durante a presidência da ex-chanceler do Equador, María Fernanda Espinosa.
No anos 1990, na época em que o designer Carlo Rizzi implantou uma grande reforma visual na Manchete, Mônica foi repórter da revista. Depois de trabalhar na Deutsche Welle, como redatora e apresentadora, em Colônia, Alemanha, foi redatora, apresentadora, gerente de projetos e encarregada de comunicação interna do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres. Em 2006, passou a chefiar a redação da ONU News em língua portuguesa, em Nova York e até 2016 atuou como diretora do Centro de Informação das Nações Unidas no México. Em 2019, voltou ao Brasil para lançar o livro A Língua Portuguesa como Ativo Político: um Mundo de Oportunidades para os Países Lusófonos, baseado na sua pesquisa de doutorado sobre a internacionalização da Língua Portuguesa e as relações políticas e de poder entre os países lusófonos.
Hoje, ao reassumir seu posto como porta-voz da ONU, Monica também passa a nos representar. E todas as mulheres que não acreditam no impossível, que não temem o desconhecido.
terça-feira, 21 de setembro de 2021
Pro dia nascer feliz... • Por Roberto Muggiati
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Cidade do Rock, 1985: Cazuza e Frejat. Foto Manchete |
Começou esta noite de 21 de setembro, às 19 horas, a venda antecipada de ingressos para o Rock in Rio 2022. Já são 37 anos separando as várias edições do megaevento. Mas o Rock in Rio de 1985 permanece o primeiro e único no imaginário nacional. Um de seus grandes momentos foi quando Cazuza subiu ao palco para cantar com o Barão Vermelho Pro dia nascer feliz, numa das noites mais concorridas (250 mil pessoas), 15 de janeiro, o mesmo dia em que o Colégio Eleitoral apontou Tancredo Neves como Presidente da República, restaurando a democracia e pondo fim a 21 anos de ditadura militar. Veja aí
https://www.youtube.com/watch?v=k_gBW17NED4
E relembre alguns trechos
Todo dia a insônia
Me convence que o céu
Faz tudo ficar infinito
E que a solidão
É pretensão de quem fica
Escondido fazendo fita
Todo dia tem a hora
Da sessão coruja
Só entende quem namora
Agora vão 'bora
Estamos bem por um triz
Pro dia nascer feliz
Pro dia nascer feliz
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir, dormir
Pra o dia nascer feliz
Ah, essa é a vida que eu quis
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir...
Aquele primeiro Rock in Rio aconteceu em meio a um mar de lama numa época de fortes temporais. Uma lama limpa e lúdica que lembrava aquela de Woodstock. Hoje, passados 38 anos e 8 meses, a nação e o povo brasileiros chafurdam num lodaçal pútrido, nocivo à nossa saúde física, mental, econômica e principalmente moral. Mergulhados no escuro, não temos a menor ideia de (ou se) quando chegará a sonhada noite pro dia (re)nascer feliz...
Vilões sob flashes e o dedo mole do Queiroga
As vaias em NY não eram para o desconhecido Queiroga, mas ele reage em nome do chefe Bolsonaro. Reprodução You Tube |
O ministro da Saúde Marcelo Queiroga está bombando nas redes sociais e na mídia por um motivo nada edificante. Como parte de sua missão de integrante da comitiva brasileira que foi a Nova York, o ministro mostrou o dedo do meio para o mundo. Como ninguém sabia dizer o que ele foi fazer na ONU, aí está a explicação oficial. Queiroga recebeu rica diária e despesas pagas para representar o Brasil lá fora. Daí, essa dedada deve ser a mais cara do mundo paga por contribuintes.
O ministro costuma ser dócil e submisso diante de Bolsonaro. Todo dia dá demonstrações de que se sente mais confortável na prateleira inferior. Queiroga ficou irritado com as vaias dos manifestantes. No meio do bando de engravatados inúteis, o alvo dos apupos não era ele. Naquele momento, em pleno verão novaiorquino, o ministro viu sua chance de mostrar relevância. Armou-se de súbita coragem ao tomar para sí as vaias ao chefe. Claro, foi cauteloso. Esperou entrar na van oficial da facção brasileira, protegido por uma sombra hitchcockuiana, para só então exibir seu lado "rambo" e encarar a turba.
A cena daquele homem fora de si é vagamente ilumidada por flashes.
Iluminada por flashes? Então é isso!
No escurinho da viatura, vê-se o rosto contornado por cabelos brancos e o dedo do meio agora famoso, mas principalmente vê-se a ira difusa. A luz intermitente dos celulares colados na janela do veículo deve ter cegado por instantes a baixa autoridade brasileira.
Lars Toward (Raymond Burr): o vilão de Janela Indiscreta ataca no escuro. Dvulgação |
Por alguns segundos aquele homem que se ergue do assento lembra outros segundos de uma sequência famosa. No final do filme "Janela Indiscreta" o assassino de cabelos brancos e óculos, igualmente dominado pela ira, avança no escuro contra L.B.Jeffries, o fotógrafo interpretado por James Stewart. Este, preso a uma cadeira de rodas, usa como defesa a única arma à vista: um flash de lâmpada, a tecnologia da época, que ele recarregava a cada "tiro", como se fossse um revólver.
O dedo do ministro ganhou reprovação geral. Menos na comitiva presidencial. Para o grupo, Queiroga foi o herói do dia. O Capitão América do pedaço. Se vestir uma cueca por cima da calça será saudado com o Super Homem.
Niguém duvide: a essa altura um Homero bolsonarista está tomando notas para escrever a odisséia de Nova York. Para eles, Queiroga foi épico.
Veja o momento de "glória" do ministro nos States AQUI
segunda-feira, 20 de setembro de 2021
domingo, 19 de setembro de 2021
Curvas que fizeram o Vaticano tremer: o anúncio e a foto que provocaram uma polêmica apocalíptica
O anúncio que abalou o Vaticano - O doce balanço do jeans Jesus. Foto de Oliviero Toscani |
por José Esmeraldo Gonçalves
Saudades dos tempos das blafêmias políticas e incorretas. No começo dos anos 1970, há quase 50 anos, o jeans Jesus abalava o Vaticano. Os cardeais sacudiam as sotainas rubras de irritação com a campanha da marca. Os anúncios eram criados pelo fotógrafo Oliviero Toscani e a dupla de redatores da Agenzia Italia Emanuele Pirella e Michael Goettsche.
Androginia e slogan bíblico. Foto Oliviero Toscani |
Toscani fotografou em close a bunda monumental de Donna Jordan. Tão perfeita a imagem que parecia captar o balanço da modelo. Aplicada sobre o melhor eixo da simetria da curva destacava-se a frase "Chi me ama me segua".
Como discordar daquele convite malicioso? Sim, ninguém resistia ao "quem me ama me segue".
Roma 1973: impossível não parar para olhar. Foto Manchete |
A Manchete registrou em foto o apelo do cartaz nas ruas de Roma
Em 1973, a igreja católica, então muito entrelaçada com o governo, forçou a proibição dos anúncios. O Santo Ofício, que já lutava contra os filmes de Pasolini, resolveu dar um basta. Vale lembrar que naquele ano estava em cartaz o musical Jesus Cristo Superstar. O Vaticano deve ter avaliado que era muita contracultura associada a Jesus.
Agentes do Buoncostume invadiram a sede da agência e aprenderam cartazes e artes de futuros comerciais do Jesus. A campanha cessou mas a marca sobreviveu até 1994. Foi vendida, sumiu por uns tempos e voltou em 2011 sem o mesmo impacto. Ninguém mais segue o jeans Jesus.
Difícil avaliar a repercussão de uma mensagem iconoclasta como aquela nesses dias de fundamentalismo ameaçador e redes sociais iradas. As curvas de Donna Jordan seriam canceladas ou sobre elas os seguidores ergueriam uma nova igreja?
sábado, 18 de setembro de 2021
Menino pede que idosos não sejam representados em placas de trânsito usando bengala e com dor nas costas...
Pois é. Melhor não.
É posível que a boa sugestão de Mateus motive um projeto de lei da Câmara Municipal de Goiânia
terça-feira, 14 de setembro de 2021
Di e Glauber: velórios notórios • Por Roberto Muggiati
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Gláuber filmou Terra em Transe no Parque Laje, onde foi velado. Na foto, cena com Jardel Filho. Foto Divulgação |
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Glauber dirige documentário no velório de Di Cavalcanti |
Cinco anos depois, em agosto de 1981, era a vez do próprio Glauber, velado no Parque Lage, cenário do seu Terra em transe. O cineasta Sílvio Tendler, que cobriu o funeral com sua equipe, lembra: “Foi uma cena impactante. O cinema brasileiro estava todo lá. O caixão de Glauber num canto e, a 50 metros, próximo à piscina, um telão. Era como se o ‘Glauber morto’ e o ‘Glauber vivo’ estivessem ali".
As câmeras invasivas atropelaram a privacidade de Lúcia Rocha, mãe de Glauber. “Teve um momento, que me agulhou aqui, no coração, em que fui conversar com o meu filho, meu último filho.
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Norma Bengell e Paula Gaitán, viúva de Glauber. Foto de Carlos Freire/MAM.org |
Dona Lúcia proibiu a exibição do filme, assim como a família de Di Cavalcanti proibiu o filme do velório do pintor feito por Glauber.
Glauber morreu de choque bacteriano, provocado por broncopneumonia – que o atacava havia mais de um mês em Lisboa – na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro. Tinha só 42 anos. A inquietação existencial, o furor criativo, a sabotagem do Sistema, minaram sua saúde.
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Anecy Rocha. Foto Divulgação |
Paranoias comuns naqueles tempos estranhos em que, sob a ditadura militar, ninguém estava a salvo de uma morte violenta.
Seis anos antes, o grande educador Anísio Teixeira, que irritava os militares com suas ideias progressistas, foi encontrado morto no fosso do elevador de um edifício na Praia de Botafogo, sem marcas aparentes ou hematomas que comprovassem uma queda.
Coincidência incrível: Anísio nasceu em Caetité, Bahia, a 200 km em linha reta da Vitória da Conquista de Anecy e Glauber.
sábado, 11 de setembro de 2021
O meu 9/11 começou no Buraco da Lacraia • Por Roberto Muggiati
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Torres feridas. Foto: Reprodução You Tube |
Não poderia esquecer jamais aqueles dias carregados de presságios. Tudo começou na quinta-feira, 6 de setembro de 2001, quando me meti numa tremenda roubada. Minha filha Natasha tinha adotado uma filhote de vira-lata que batizou de Phoebe, personagem da série que ela adorava, Friends. A cachorrinha estava passando mal, decidimos leva-la à SUIPA, não tínhamos dinheiro para veterinárias da Zona Sul.
Larguei a tradução que fazia – O jardineiro fiel, de John le Carré – e partimos, Lena, Natasha, Phoebe e eu, para Benfica, onde ficava a Sociedade União Internacional Protetora dos Animais, colada à linha férrea na favela do Jacarezinho, um lugar barra-pesada. Chocou-me a visão de seis, sete mil animais – a maioria cachorros – amontoados num espaço exíguo, ululando a sua dor. A saudosa madona daqueles bichos desvalidos, Izabel Cristina, ao saber que eu era jornalista, acompanhou-me num pequeno tour daquele inferno.
Levaria horas até atenderem Phoebe. Resolvi ficar no carro lendo The Constant Gardner para adiantar a tradução. O livro era sobre as multinacionais farmacêuticas que usavam africanos pobres como cobaias. Lembro exatamente a cena que eu lia, localizada em Londres, na cidade que foi meu playground cultural de 1962 a 1965.
A volta para Botafogo foi um pesadelo. Um incêndio tinha destruído totalmente a favela do Buraco da Lacraia, no Caju, e deu um nó na corrida para o feriadão: com a Linha Vermelha fechada, a única saída era pelo túnel Rebouças. Levamos três horas exasperantes para chegar à Real Grandeza – a certa altura eu ameacei encostar o carro e seguir a pé.
Terça-feira, 11 de setembro já estou cedo no escritório do térreo traduzindo. Natasha, levemente gripada, não foi à escola. Vem do seu quarto no fundo da casa até a minha janela e pergunta: “Pai, você conhece o World Trade Center?” Respondo que sim. Apesar dos seus quinze anos, ela já tem o humor cáustico dos Muggiati: “Pois é, fudeu!” Corremos à sua televisão, o primeiro avião já atingiu a Torre Norte. Fico petrificado acompanhando as imagens. Vejo o apresentador Carlos Nascimento, da Globonews, falando algo sobre um apagão de radar na área de Manhattan, a imagem das torres ao fundo, e de repente um segundo avião se chocando com a Torre Sul. “Apagão de radar é o cacete!” minha cabeça estala. Seria uma coincidência absurda dois aviões nas duas torres.
A partir daí é aquilo que todos conhecem. Lá pelas dez, meu filho Roberto nos chama para a TV do seu quarto. O Pentágono também foi atingido.
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King Kong, versão original do Empire State e... |
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...na refilmagem no topo do World Trade Center |
https://www.youtube.com/watch?v=vCK46GyDOq0
(No King Kong original (1933), o gorila combate os aviões do alto do Empire State; no remake de 1976, ele se empoleira com a heroína nas Torres Gêmeas.)
Como tradutor, ainda peguei as sobras do 9/11 em dois livros:
• Filosofia em tempos de terror: diálogos com Habermas e Derrida, de Giovanna Borradori (Zahar, 2007), uma discussão profunda e hermética sobre as raízes do terror.
• Onde está Osama bin Laden? de Morgan Spurlock (Intrínseca, 2008), uma reportagem esperta e irreverente.![]() |
Berinthia Berenson e Antony Perkins. Foto Divulgação |
O ator eternizado no papel de Norman Bates em Psicose, apesar de homossexual notório, foi casado vinte anos com Berry e teve com ela dois filhos, Oz e Elvis. Anthony Perkins morreu de AIDS em 1992. Berry voltava para sua casa em Los Angeles de férias em Cape C od.
É muito difícil dissociar sua morte, no dia 11 de setembro de 2001, no voo 11 da American Airlines, da “maldição de Norman Bates.