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sábado, 2 de outubro de 2021

Pelanca gourmet e sopa de ossos • Por Roberto Muggiati


Em 2021, a nova era da fome. 

Não contaram isto na ONU. A fome por aqui anda braba. No Rio o caminhão de ossos faz sucesso. Transporta restos de carcaças das feiras e supermercados para serem transformados em adubo e rações animais. Recentemente, o caminhão dos ossos passou a estacionar no bairro da Glória, no Rio, e disponibilizar suas primícias a pessoas famintas que ali recolhem o que podem para alimentar suas famílias. Este gesto desesperado lhes custa 15 ou 20 reais da passagem de trem ou ônibus dos subúrbios distantes da Baixada fluminense.

Querem uma receita? Nunca se sabe, pode ser útil amanhã. Vem da merendeira desempregada Denise Fernandes da Silva, 51 anos, do bairro Parque Alian, São João de Meriti.

• Pegue uma seleta de pelancas e ossos, junte uns restos de legumes e frutas do lixão da feira, o que sobrou de batatas e arroz com feijão, e refogue tudo no resto do óleo de soja. (Se não tiver pode ser qualquer óleo).

Foi assim que dona Denise, com suas mãos mágicas, providenciou o almoço para os filhos e doze netos.

Em 1983, a fome na ditadura

Mas será que não existem outras opções? O Brasil ficou chocado em 1983 com a foto na primeira página do Jornal do Brasil do Homem do Calango. Cearenses à mingua comiam lagartos para sobreviver. (Outro dia vi da minha janela na pedra um lagarto, parecia bem gordinho.)

A origem do ragu.
Foto Sainsbury
Já ouviram falar em ragu? Podem até achar que se trata de uma iguaria da cuisine française. Nada mais significa do que rat-au-gout de... complete com a imaginação fértil do seu estômago vazio: picanha, pernil de porco, coxa de cordeiro, asa de peru. Foi durante a “famine” que levou à Revolução Francesa que os pobres se esmeraram em criar temperos fabulosos para maquiar a carne básica de seus pratos: ratos de esgoto e outros bichos fétidos. Sem esse “laboratório” os franceses jamais teriam se tornado os mestres mundiais dos molhos.

Tom e Jerry brasileiros, se cuidem! Ainda não se lembraram de vocês, embora seja banal entre os quitutes de rua cariocas o “espetinho de gato”. E o que dizer dos gatos de rua extraviados e dos patos, gansos e cisnes nos lagos dos parques públicos? E os robustos ratões que rondam as ruas da noite?

Seria levar a coisa ao extremo, mas lembro o clássico da sátira do irlandês, Jonathan Swift, Modesta Proposta, que sugeria em 1729: “A venda de carne dos filhos beneficia vidas de adultos e a venda de carne de crianças irá beneficiar a economia.” 

Daí para o ‘canibalismo solidário’ é um passo. Quem sabe Paulo Guedes já não estaria articulando um plano?