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sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Fotomemória: Sartre, JK e Simone de Beauvoir - No tempo em que o presidente do Brasil não contava piadas de tiozão para visita estrangeira

 

Observado por Simone de Beauvoir, Sartre quis saber de JK a posição exata de Brasília
no mapa do Brasil.  Foto Manchete


por José Esmeraldo Gonçalves

Em 1960 Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir visitaram o Brasil. O casal passou aqui um mês entre agosto e setembro daquele ano. Na agenda, encontro com escritores no MAM, conferência na Faculdade de Filosofia e almoço nas instalações gráficas da Manchete em Parada de Lucas. Em Salvador, Sartre e Simone, ciceroneados por Jorge Amado, foram a museus, igrejas barrocas e terreiros de candomblé. Em Recife, se deslumbraram com os rios Beberibe e Capibaribe, "de fazer inveja a Paris" - disse.  

Um encontro especial foi o do escritor com Juscelino Kubitschek. Na conversa entre os dois um tema predominou: Brasília. Era inevitável, a nova capital era motivo de curiosidade mundial, assim como a escalada desenvolvimentista do Brasil. Vivia-se um então raro interregno da democracia brasileira entre golpes militares. Sartre não sabia, mas o Brasil começava a se despedir da liberdade. Mais uma quarterlada, que resultaria em uma ditadura sangrenta, de 21 anos, já estava no forno. Logo ali na próxima esquina, em 1964. 

De qualquer forma, o Brasil que Sartre via estava bem distante do mau cheiro atual que emana de Brasília, onde também se fala em golpe. O país estava no noticiário internacional impulsionado pela bossa nova, cinema novo, arquitetura, conquistas esportivas, teatro e literatura. Tempos de adensamento cultural. Dias de Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Oscar  Niemeyer, Lúcio Costa, Paulo Freire, Celson Furtado, Darcy Ribeiro, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lígia Pape, Iberê Camargo, Sérgio Camargo, Alfredo Volpi e Mira Schendel. 

Na conversa com JK Sartre mostrou-se entusiasmado com a efervecência cultural do Brasil.  

Agora, por instantes, imagine um pesadelo. Se, por efeitos de uma janela cósmica ou armadilha de um buraco negro no espaço-tempo, Sartre fosse recebido por Bolsonaro, o atual presidente. 

Na  melhor das hipóteses, o francês teria que ouvir do brasileiro as piadas estilo tiozão do pavê ou nível quinta série, como aconteceu com o presidente de Portugal, Marcelo Rabelo de Souza, que sofreu constrangimento indigesto durante almoço no Planalto. 

Ao fundo da foto acima, como testemunha ilustre e sileciosa do encontro de Sartre e JK, aparece uma estante de livros. Pois é. A biblioteca, atualmente, coitada, serve de cenário para os perdigotos odiosos e as repulsivas lives do elemento infame que os desavisados e "gado" colocaram em Brasília.