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sábado, 11 de setembro de 2021

O meu 9/11 começou no Buraco da Lacraia • Por Roberto Muggiati

Torres feridas. Foto: Reprodução You Tube

Não poderia esquecer jamais aqueles dias carregados de presságios. Tudo começou na quinta-feira, 6 de setembro de 2001, quando me meti numa tremenda roubada. Minha filha Natasha tinha adotado uma filhote de vira-lata que batizou de Phoebe, personagem da série que ela adorava, Friends. A cachorrinha estava passando mal, decidimos leva-la à SUIPA, não tínhamos dinheiro para veterinárias da Zona Sul. 

Larguei a tradução que fazia – O jardineiro fiel, de John le Carré – e partimos, Lena, Natasha, Phoebe e eu, para Benfica, onde ficava a Sociedade União Internacional Protetora dos Animais, colada à linha férrea na favela do Jacarezinho, um lugar barra-pesada. Chocou-me a visão de seis, sete mil animais – a maioria cachorros – amontoados num espaço exíguo, ululando a sua dor. A saudosa madona daqueles bichos desvalidos, Izabel Cristina, ao saber que eu era jornalista, acompanhou-me  num pequeno tour daquele inferno. 

Levaria horas até atenderem Phoebe. Resolvi ficar no carro lendo The Constant Gardner para adiantar a tradução. O livro era sobre as multinacionais farmacêuticas que usavam africanos pobres como cobaias. Lembro exatamente a cena que eu lia, localizada em Londres, na cidade que foi meu playground cultural de 1962 a 1965.

A volta para Botafogo foi um pesadelo. Um incêndio tinha destruído totalmente a favela do Buraco da Lacraia, no Caju, e deu um nó na corrida para o feriadão: com a Linha Vermelha fechada, a única saída era pelo túnel Rebouças. Levamos três horas exasperantes para chegar à Real Grandeza – a certa altura eu ameacei encostar o carro e seguir a pé.

Terça-feira, 11 de setembro já estou cedo no escritório do térreo traduzindo. Natasha, levemente gripada, não foi à escola. Vem do seu quarto no fundo da casa até a minha janela e pergunta: “Pai, você conhece o World Trade Center?” Respondo que sim. Apesar dos seus quinze anos, ela já tem o humor cáustico dos Muggiati: “Pois é, fudeu!” Corremos à sua televisão, o primeiro avião já atingiu a Torre Norte. Fico petrificado acompanhando as imagens. Vejo o apresentador Carlos Nascimento, da Globonews, falando algo sobre um apagão de radar na área de Manhattan, a imagem das torres ao fundo, e de repente um segundo avião se chocando com a Torre Sul. “Apagão de radar é o cacete!” minha cabeça estala. Seria uma coincidência absurda dois aviões nas duas torres.

A partir daí é aquilo que todos conhecem. Lá pelas dez, meu filho Roberto nos chama para a TV do seu quarto. O Pentágono também foi atingido.

King Kong, versão original do Empire State e...


...na refilmagem no topo do World Trade Center


No livro que eu traduzira antes – As incríveis aventuras de Kavalier e Clay, de Michael Chabon – o herói atua na 2ª Guerra como vigilante no Empire State contra eventuais ataques de aviões inimigos. Cheguei até a ver um vídeo do choque de um bombardeiro Mitchell contra o Empire State em 1945:

https://www.youtube.com/watch?v=vCK46GyDOq0

(No King Kong original (1933), o gorila combate os aviões do alto do Empire State; no remake de 1976, ele se empoleira com a heroína nas Torres Gêmeas.)

Como tradutor, ainda peguei as sobras do 9/11 em dois livros:

• Filosofia em tempos de terror: diálogos com Habermas e Derrida, de Giovanna Borradori (Zahar, 2007), uma discussão profunda e hermética sobre as raízes do terror.

• Onde está Osama bin Laden? de Morgan Spurlock (Intrínseca, 2008), uma reportagem esperta e irreverente.

Berinthia Berenson e
Antony Perkins. Foto
Divulgação
Como jornalista, escolhi uma nota de pé de página ignorada pela mídia, mas de denso significado cultural, com um dedo do Mestre do Suspense, Alfred Hitchcock. Entre os passageiros do primeiro avião a chocar-se contra as Torres Gêmeas estava Berinthia (Berry) Berenson, modelo e atriz, irmã de Marisa Berenson e viúva de Anthony Perkins.
O ator eternizado no papel de Norman Bates em Psicose, apesar de homossexual notório, foi casado vinte anos com Berry e teve com ela dois filhos, Oz e Elvis. Anthony Perkins morreu de AIDS em 1992. Berry voltava para sua casa em Los Angeles de férias em Cape C od.

É muito difícil dissociar sua morte, no dia 11 de setembro de 2001, no voo 11 da American Airlines, da “maldição de Norman Bates.

domingo, 11 de setembro de 2016

Por Roberto Muggiati - Memória - O que fazia você quando as Torres caíram? (Alguém mais se aventura a lembrar?)


Reprodução
Por ROBERTO MUGGIATI

Há acontecimentos que memória grava a ferro e fogo. A implosão do World Trade Center, há 15 anos, foi um deles. Lembro muito bem não só aquele dia, mas todo o seu entorno. Voltando um pouco atrás: quinta-feira, 6 de setembro, véspera do feriadão da Independência, saí de carro do meu sossego para uma incursão até a Suipa, em Benfica. Sossego relativo: a Bloch falida, eu trabalhava em casa traduzindo. Muito trabalho: o tradutor é uma espécie de estivador da literatura. A bordo do nosso Escort, minha mulher Lena, minha filha Natasha e a viralata Phoebe, adotada poucos dias antes e que começou a passar mal de repente. A Suipa é um local de desova de cães e outros animais menos cotados próximo àquela zona braba do Jacarezinho, uma das favelas mais violentas do Rio. A abnegada diretora da Suipa, Isabel Cristina Nascimento – morta agora em agosto – me levou a conhecer o local: cerca de seis a sete mil animais, na maioria cachorros, amontoados num espaço exíguo, era um milagre como conseguiam alimentar e cuidar daquela massa de criaturas. Enquanto Lena e Natasha enfrentavam as longas horas de espera até a consulta, refugiei-me no carro adiantando a leitura do livro que traduzia: O jardineiro fiel, de John le Carré.

O retorno a Botafogo naquele fim de tarde foi caótico. Além da saída em massa para o feriadão, o trânsito foi complicado pelo incêndio da favela Buraco da Lacraia, debaixo de um viaduto da Linha Vermelha. Com o calor do fogo, o viaduto cedeu e aquele trecho da Linha Vermelha ficaria interditado pelos próximos seis meses. Só chegamos em casa três horas depois.

Na segunda-feira, 11 de setembro, eu já estava ao computador a partir das oito da manhã, traduzindo. Natasha, gripada, não tinha ido ao colégio. Seu quarto ficava perto de mim e, pouco antes das nove, ela veio até a janela do meu escritório. No humor negro característico da família, a adolescente de quinze anos perguntou: “Você conhece o World Trade Center de Nova York?” Respondi que sim. E Natasha: “Fudeu!...”

Corri à televisão do quarto dela e vi a cena impressionante: às 8:46, um Boeing 767 da American Airlines havia se chocado com a Torre Norte. Alternei-me entre as coberturas da CNN e da Globonews. Vi perfeitamente quando, às 9:03, outro Boeing, da United Airlines, se chocou contra a Torre Sul. A cena se passou às costas do apresentador, Carlos Nascimento, que falava sobre um possível apagão de radares como explicação para o primeiro choque. O segundo choque não deixava mais dúvidas: os incêndios eram obras do terrorismo. Uma hora depois, houve ainda o terceiro avião, jogado sobre o Pentágono, em Washington.
O resto é história. Em cada lembrança de uma catástrofe destas fica também a marginalia característica de quem lembra – no meu caso, duas vinhetas culturais. Todo mundo conhece a cadeia global de discos Tower Records, que tinha sua loja principal em Manhattan a poucos quarteirões das Torres Gêmeas. Pois bem, naquele 11 de setembro era lançado Love and Theft, o novo álbum de Bob Dylan – o roqueiro anunciador de apocalipses. Fiquei me perguntando quantos fãs de Dylan não estariam por ali naquela manhã, no ventre da besta, fazendo fila para comprar o novo CD do velho Zimmermann (ele completara 60 anos em, 2001).

E a viúva de Norman Bates – quem diria? – morreu na primeira explosão, a do voo 11 (Boston-Los Angeles) da American Airlines. Na verdade, era a viúva do ator Anthony Perkins, que nunca se livrou da carga de ter sido “o-filho-que-era-mãe” no filme de Hitchcock Psicose. Rica, bonita, irmã da atriz Marisa Berenson, Berinthia "Berry" Berenson foi também manequim e atriz antes de se fixar na carreira de fotógrafa. Perkins – que fez ainda o papel de Norman Bates em três sequências de Psicose – só teve sua primeira relação sexual com uma mulher aos 39 anos. Ele se dizia um homossexual que se “curou” através da psicanálise. Em 1973 casou com Berry Berenson e teve dois filhos com ela, Oz e Elvis Perkins. Viveram juntos quase vinte anos, até a morte de Perkins, em 1992, por pneumonia causada pela AIDS. No trágico destino de Berry Berenson pode-se ler, sem dúvida, mais alguma daquelas maldições ligadas ao Mestre do Suspense, Sir Alfred Hitchcock.

 O PRIMEIRO PLANTÃO DA GLOBO NA MANHA DE 11/9/2001. 
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VEJA TRECHO DA COBERTURA DO ATENTADO PELA GLOBO NEWS COM IMAGENS DA CNN. 
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