terça-feira, 14 de setembro de 2021

Di e Glauber: velórios notórios • Por Roberto Muggiati

Gláuber filmou Terra em Transe no Parque Laje, onde foi velado.
Na foto, cena com
Jardel Filho. Foto Divulgação


Glauber dirige
documentário no velório
de Di Cavalcanti
Apesar da pandemia – e da carência de espaço – a mídia impressa abriu generosas páginas aos 40 anos da morte de Glauber Rocha. Senti falta de um episódio marcante, ligado justamente à morte e a seus ritos. Glauber escandalizou o país ao filmar despudoradamente o corpo morto de Di Cavalcanti em seu velório no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. 

Cinco anos depois, em agosto de 1981, era a vez do próprio Glauber, velado no Parque Lage, cenário do seu Terra em transe. O cineasta Sílvio Tendler, que cobriu o funeral com sua equipe, lembra: “Foi uma cena impactante. O cinema brasileiro estava todo lá. O caixão de Glauber num canto e, a 50 metros, próximo à piscina, um telão. Era como se o ‘Glauber morto’ e o ‘Glauber vivo’ estivessem ali". 

As câmeras invasivas atropelaram a privacidade de Lúcia Rocha, mãe de Glauber. “Teve um momento, que me agulhou aqui, no coração, em que fui conversar com o meu filho, meu último filho. 

Norma Bengell e Paula Gaitán,
viúva de Glauber. Foto de
Carlos Freire/MAM.org
Minhas filhas já tinham ido. Enquanto eu conversava com ele, ali no caixão, me puseram o microfone na boca. Eu estava tão mal que nem percebi. Foi a Dina Sfat que tirou o microfone e disse a eles: ‘Que falta de respeito!’"

Dona Lúcia proibiu a exibição do filme, assim como a família de Di Cavalcanti proibiu o filme do velório do pintor feito por Glauber. 

Glauber morreu de choque bacteriano, provocado por broncopneumonia – que o atacava havia mais de um mês em Lisboa – na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro. Tinha só 42 anos. A inquietação existencial, o furor criativo, a sabotagem do Sistema, minaram sua saúde. 

Anecy Rocha.
Foto Divulgação
E também o trauma, quatro anos antes, da morte acidental e absurda da irmã querida Anecy Rocha, 34 anos, uma bela atriz em todos os sentidos, ao cair no fosso do elevador do prédio onde morava em Botafogo. Glauber chegou até a culpar o cineasta Walter Lima Jr, marido de Anecy, da morte da irmã.

Paranoias comuns naqueles tempos estranhos em que, sob a ditadura militar, ninguém estava a salvo de uma morte violenta.

Seis anos antes, o grande educador Anísio Teixeira, que irritava os militares com suas ideias progressistas, foi encontrado morto no fosso do elevador de um edifício na Praia de Botafogo, sem marcas aparentes ou hematomas que comprovassem uma queda. 

Coincidência incrível: Anísio nasceu em Caetité, Bahia, a 200 km em linha reta da Vitória da Conquista de Anecy e Glauber.

3 comentários:

Unknown disse...

que postagem maravilhosa. Nossa!!! há tempos que eu não lia uma matéria do Roberto Muggiati.

Unknown disse...

que postagem maravilhosa. Nossa!!! há tempos que eu não lia uma matéria do Roberto Muggiati.

Norões disse...

Triste é saber que por conta do desprezo à cultura pelo desgoverno Bolsonaro, muito do acervo de Glauber foi destruído no incêndio da Cinemateca em São Paulo. Como dizem, foi a segunda morte do diretor.