sábado, 2 de outubro de 2021

Publimemória - Cachaça para jornalistas e o animado teor etílico das redações

Anúncio reproduzido do Facebook Revistas Brasileiras Antigas

por José Esmeraldo Gonçalves

Pensei que essa informação fosse classificada. Todo mundo já sabia há muito tempo? 

Nos anos 1920 a revista Eu Sei Tudo publicou um anúncio recomendando uma cachaça - exaltada como "pinga de luxo" -  especial para jornalistas. O fabricante reconhecia que a classe exercia "tarefa árdua" e merecia atenção especial.. 

Bom, a tarefa continuou árdua para as gerações seguintes. Não era tão incomum editores guardarem em gavetas um bom scotch para emergências que, aliás, aconteciam com regularidade. 

Em certa redação, um repórter com acesso a uma destilaria levava caixas de vodca para o recinto. Ele na verdade não bebia. Usava o estoque para fazer agrados à equipe. Era " o cara" do pedaço. Em outra redação, está em um grande jornal carioca, alguns venciam o clima tenso dos fechamentos com ajuda de um shot de Stolichnaya.  Por precaução, as garrafas vazias nunca eram descartadas nas lixeiras da empresa. As repórteres, que geralmente portavam bolsas, eram escaladas para conduzir a "prova do crime" até o território livre da rua ao lado. 

Pode-se dizer que a Manchete até que era liberal nesse quesito. Havia uma longa tradição etílica em algumas redações das revistas do Russell. Talvez o jornalista e escritor Carlinhos de Oliveira tenha sido um dos membros mais ilustres dos alcoólicos nada anônimos das muitas gerações de jornalistas que passaram pela Bloch.

Quando a Bloch se transferiu da Frei Caneca para a Rua do Russell, no fim dos anos 1960, havia uma pequena mercearia a poucos metros da nova sede. Vendia, açúcar, café, arroz, feijão, azeite, banha, gordura de coco etc. As prateleiras mostravam bebidas quentes, mas não para consumo no local. Os coleguinhas logo descobriram que nos fundos da mercearia tinha um espaço, um mero depósito na verdade, com pouca iluminação e barris de madeira empilhados em um canto. Convenceram o português a deixar que bebidas fossem servidas nos barris improvisados como bancos e mesas. A venda de Underberg e rum logo disparou. Com o tempo, pouco tempo, a mercearia se transformou em um bar que se tornou um point e anos depois, já na época da Rede Manchete, ganhou o apelido de Color Bar. 

A propósito do anúncio da revista antiga, ressalte-se que a Manchete não pegou a época da cachaça Coronel. Os tempos eram de Natu Nobilis, Teacher's, , Drury's, vodcas Kovak e Smirnoff. Isso quando a baixa patente de repórteres e redatores se cotizava. Vez ou outra chefias mais abonadas contribuíam com importados Old Parr, Chiva's, Dimple. Nem toda degustação era secreta na antiga Bloch. Às sextas-feiras havia um happy hour oficial para grupos mais restritos no décimo andar do Russell. 

Histórias extraordinárias podiam acontecer em meio a emanações alcoólicas. E aconteciam. Como a do repórter que foi tomar umas com um colega e capotouem um bar. Claro, o colega era velho profissa, o jovem jornalista um iniciante que vinha de uma sucursal para entregar matéria. Sem saber como transportar o rapaz até o Novo Mundo, onde a Bloch hospedava equipes de fora, o profissa apelou para um operário da obra do Metrô no Catete. E foi assim que um providencial carrinho de mão fez o delivery do jornalista até o hotel.  Tudo acabou bem, no dia seguinte ele fechou a matéria e a história virou apenas mais um folclore do gênero.

Por falar em delivery, havia um simpático casal de vendedores que se especializou em atender a imprensa. E não para vender enciclopédias a domicílio. Geralmente na semana do pagamento, a dupla prestativa percorria as redações reabastecendo uns e outros de coleções de uísques importados, legítimos, a preços convidativos. A rota etílica do casal tinha paradas e fregueses na Manchete, JB, O Globo, O Dia, Tribuna da Imprensa, Jornal do Commercio e outros títulos. Se a operação não precisasse ser discreta os vendedores poderiam até ser recebidos com palmas a cada entrega. Prestavam um serviço essencial, como se diz hoje de certas categorias que liberadas para trabalhar no auge da pandemia.

As redações atuais parecem bem mais assépticas. O que não quer dizer que pratiquem abstinência fundamentalista. 

E, certamente, têm muito mais opções do que a secular e pioneira cachaça Coronel, a quem coube descobrir nos distantes anos 1920 que o nicho de jornalistas tinha potencial para consumir a "pinga de luxo" que "reanima e estimula" .  

Um comentário:

J.A.Barros disse...

Para concluir: um jornalismo regado á álcool. Mas esse detalhe , não diminuia os profissionais, pelo contrário, todos eles, pelo menos aqueles com quem trabalhei 50 anos de minha vida, eram profissionais de grande qualidade. Aprendi muito com eles, até a escrever e fiquei e fico, até hoje, muito agradecido aqueles profissionais, jornalistas e também fotógrafos.