quinta-feira, 17 de junho de 2021

Sylvio Back: poesia numa horas destas, sim! • Por Roberto Muggiati

Poemas de reconciliação com a vida


Sylvio Back. Foto EBC

Em 1959, "um jornalista que faz filmes". Foto: Arquivo Pessoal

Sylvio Back é, como eu, da classe de 1937. Batalhamos nas trincheiras da imprensa nos anos 50 em Curitiba, vivemos intensamente a fricção ideológica que acabaria no golpe militar de 64. Ao voltar de dois anos em Paris, em 1962, eu o encontrei cineasta. 
Colaborei com os travellings do seu primeiro filme, o documentário As moradas. Como? Do modo mais artesanal possível: ao volante do DKW do meu pai – Sylvio com uma câmera na mão e metade do corpo saindo como um pescoço de girafa pela janela traseira – eu cumpro suas ordens: “Toca!” “Pára!” “Toca!” “Pára!” 

Passo mais três anos fora do Brasil, na BBC de Londres. Em 1968, trabalhando na Veja em São Paulo, vou assistir com o Sylvio à estreia do seu primeiro longa, Lance maior, que lança uma nova atriz, Regina Duarte. A partir daí Sylvio não para mais, será uma catadupa de 38 filmes – só mesmo um vocábulo rodriguiano para definir sua sanha criativa. Filmes polêmicos, Sylvio gosta de cutucar com vara curta os clichês e as certezas do Sistema. Deu a cara a tapa em Yndio do Brasil, República Guarani, Guerra do Brasil, Rádio Auriverde e Contestado, os restos mortais. 

Costumo brincar com ele ao dizer que sua maior contribuição cultural foi batizar a bunda mais famosa do país. A cantora Gretchen diz que viveu uma epifania (claro, ela não se exprime nesses termos) ao ver numa marquise de cinema o título do filme de Back, Aleluia, Gretchen.

Não contente com a quantidade de prêmios que o cinema lhe trouxe (77 ao todo), Sylvio Back já publicou 25 livros, entre eles uma dezena de poesia. Agora, justo num momento em que o mar não está para poemas – num país em que o desgoverno abomina ostensivamente a cultura, Sylvio publica, pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, um belo volume de 431 páginas, Silenciário. Ao escrever o texto das orelhas do seu livro de poemas eróticos Quermesse, inseri um trocadilho safado: “deflorais de Back”. Meu ímpeto inicial, jocoso, foi chamar o novo livro de Ruidário, mas me contive. 

Desta vez Sylvio não veio para provocar ou agredir. O seu é o silêncio sábio de um homem reconciliado com a vida, na véspera dos 84 anos. Um feito notável para alguém que, como ele, sofreu muito além da cota de perdas familiares e danos morais reservada ao comum dos mortais. Não resisto e cito aqui o justamente revoltado Hamlet:

   “...quem do tempo aguentaria os golpes

  E o escárnio, e o peso do opressor e a afronta

  Do altivo, o amor sem volta, a lei morosa,

  A ofensa do poder, e o coice certo

  Que o paciente valor leva dos crápulas (...)

  Quem tais fardos levara, suando e arfando

  Sob o exausto viver..."


Sylvio reage ao pessimismo de Shakespeare:

melhor seria implodir

não houvesse verso

E reitera, num tom que evoca Jacques Prevert:

a melhor hora para chorar

é quando se acorda mas

procure antes dormir bem

da cama pule feito criança

espere pelo fim do bocejo

ande pela casa sem rumo...

Poesia numa hora destas, meu caro Back? Eu digo: sim, justo agora, quando chegamos aos 500.000 mortos, justo na hora em que parentes e amigos estão caindo feito moscas ao nosso redor. E encontro, ainda nos seus versos, um arremate: 

estamos todos

               de lambuja

no azimute da vida

              finitude é périplo


quarta-feira, 16 de junho de 2021

Mídia: La garantía soy yo !

Em recuperação judicial, a Abril Comunicações fechou acordo de renegociação de dívidas com o governo federal. No caso, dívidas de impostos. A empresa espera conseguir até 70% de desconto (segundo a  Folha de São Paulo), o que é uma bela cifra. Pena que à custa do dinheiro público. A Veja é uma tribuna do neoliberalismo, do Estado mínimo, aquele que na hora do sufoco costuma Estado máximo e socorre os ultraliberais. 

A garantia dada pela editora para uma dívida de quase 1 bilhão de reais parece risível. Se a Abril Comuinicações não pagar o pactuado, o governo federal ficará com 16 títulos de revistas: Veja, Quatro Rodas, Capricho, Você S/A, Mundo Estranho, Placar, Viagem e Turismo, Cláudia, Boa Forma e Guia do Estudante. 

A notícia circula na mídia nos últimos dias e não detalha os critérios da avaliação das publicações. É surpreendente que as 16 revistas alcancem atualmente valor tão alto. E praticamente impossível estimar quanto valerão em 2032, prazo final dos pagamentos.

Supondo que o pacote de títulos um dia se torne patrimônio do governo federal, será interessante acompanhar um provável leilão de privatização. Aparecerá um comprador? 

Como referência, a decadente Newsweek foi vendida em 2010 por 1 dólar, com comprador assumido cerca de 40 milhões de dólares em dívidas. O comprador repassou o título apenas três anos depois. E a própria Abril vendeu a Exame em 2019 por R$72,3 milhões. 

As antigas revistas impressas que se transformam em digitais encaram o grande desafio de se tornarem sustentáveis. Grande desafio. Muitas perderam a a batalha ou se transforaram em zumbis. 

Quanto à liberdade de atuação dos veículos em condições tão peculiares, a Abril Comunicações informou à Folha que a transação "não representa nenhum constrangimento operacional das atividades do grupo". 

Autoajuda - O novo e surpreendente guia de profissões de vida fácil

por Ed Sá

Nove entre dez garotos sonhavam em ser jogadores de futebol. Seduzidos pelas notícias de contratos de milhões, mansões, carros e jatinhos que a bola poderia lhes proporcionar. Cantor de sucesso era outra opção. Artista de TV... quem sabe uma chance em Malhação. A cartela de profissões que formam celebridades e milionários mudou. Veja abaixo atividades que estão no radar de muitos jovens "empreendedores". 

Alerta: você verá abaixo que algumas dessas atividades em foco, cuja existência não pode ser negada, estão à margem da lei. São relacionadas aí em caráter meramente informativo. Evite-as.

- Influencer. De qualquer coisa, desde que arraste mais de 20 milhões de seguidores. A partir daí o faturamento em posts patrocinados e presença vip em eventos pode engordar contas bancárias..

- Participante de reality show. Sim, BBB, Fazenda, Master Chef, No Limite, Power Couple, De Férias com o Ex são "postos de trabalho" valorizados hoje em dia. E são muitos os participantes que pulam de um reality para o outro. 

Fundador de igreja. A concorrência é grande. No Brasil basta ir ao cartório, o procedimento é relativamente rápido e os benefícios são muitos. Na maioria das cidades, templos são isentos de vários impostos. O mercado da fé está em ascensão e faz milionários e celebridades.

- Concurseiro. É uma prática bastante difundida no mercado. Na verdade é, para muito uma atividade de quem busca uma profissão. Os praticantes levam, às vezes, anos na batalha e confiam que em um momento acertarão em um bom cargo. Descolar um emprego de procurador ou magistrado equivale ao sonho da vida ganha. Salário é excepcional, seus integrantes não estão sujeitos a reformas de previdência ou administrativa, têm férias confortáveis e recessos anuais muito bem-vindos. Inúmeros "auxílios" que engordam os proventos: paletó, escola para filhos, bons planos de saúde, aluguel... Mas concurseiros costumam abrir o leque, vagas na Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, por exemplo, também estão supervalorizadas. 

- Fundador de partido político. Forte concorrência. O Brasil tem partidos para todos os gostos. A legislação impôs a clausula de barreira para tentar segurar a proliferação de siglas, mas o rico fundo partidário público é forte motivação para muitos tentarem a carreira e buscarem um nicho de adesões. Presidente de partido não necessariamente precisa ter cargo eletivo e muitos nem vão à urnas. Controlar a burocracia e as verbas da sigla já é função atraente. 

- Vendedor de cloroquina. Até poucos meses atrás era uma excelente e lucrativa atividade. No momento, sofre contestação, a ciência já aferiu ineficiência do produto para tratamento da Covid-19, mas ainda é impulsionada politicamente embora a CPI da Covid-19 atrapalhe o ramo. 

- Exportador de madeira não certificada da Amazônia - Outra profissão que, no momento, tem muita procura. O mercado é fechado, ilegal, de ambiente hostil, e sob contestação dos ambientalistas e países que não querem se associar à destruição do meio ambiente. Recentes escândalos e carga de madeira apreendida nos Estados Unidos e contrabandeada por brasileiros apontam que o lucro está na casa do milhões. Evite, se não quiser ser um fora da lei.

- Organizador de motosseata - Essa é bem nova e promete crescer, principalmente por ser o próximo ano de disputa eleitoral. É requisito ter habilidade para conseguir uma ajudinha de verbas públicas para instalar gradis, por exemplo, e conseguir doações para carros de som...

- Laboratorista para teste PCR em jogador de futebol - Copa América, Brasileirão, Copa Brasil são muitos os campeonatos que o Brasil promovem em plena Covid -19. Um mercado dinâmico. O futebol é gerador de casos positivos da pandemia. Mercado em alta.

- Colunista ou comentarista de ultradireita - Nicho em evidência desde o último governo Lula. Floresceu com Dilma, ganhou novas cepas com o golpe, firmou-se na era Temer e alcançou imunidade de rebanho com a ascensão de Bolsonaro. Continua firme e deverá alcançar novos patamares no ano eleitoral. Alguns respondem a processos por difusão fake news mas nada que os intimide. Jornalista da  direita radical tem emprego fácil em rádios, TV, jornais, revistas, sites, redes sociais em geral... Mas Cada veículo da mídia conservadora tem três ou quatro pitbulls de estimação. Mais vagas provavelmente serão abertas no ano eleitoral.

- Roteirista de série. documentário ou podcasts para streaming - Todo mundo tem um cunhado, um primo, um amigo que emplacou ou tenta emplacar um projeto nas melhores plataformas do ramo. Prepare-se para enfrentar a alta concorrência. Se você está entrando agora no mercado, prospecte esse campo promissor

- Consultor financeiro para operações de rachadinhas - Um nicho profissional que andou conturbado. Aparentemente, a tempestade passou e o mercado aponta para discreta retomada. Exige conhecimento de contabilidade, logística para múltiplas transferências eletrônicas e criatividade para diversificar os investimentos do titular da operação. 

- Mestre de obras para construção de prédios clandestinos em comunidades populares. Atividade em expansão especialmente no Rio de Janeiro. Segundo reportagens em jornais, rendem milhões. Infelizmente, esse setor de construção civil ilegal acumula tragédias. Vários desses prédios ruíram no meio da noite deixando vítimas fatais. Um triste sinal desses tempos.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Raul de Souza: à vontade mesmo • Por Roberto Muggiati

Com Raul e sua mulher – a francesa Yolaine – no Centro Cultural Correios, Rio, 2012.
Foto: Acervo Pessoal

Conheci o Raul em 1958 numa noite fria de Curitiba. Era um garoto que como eu amava Charlie Parker e Dizzy Gillespie. E idolatrava J.J. Johnson, o Mestre. Aos 24 anos, já tocava trombone quase tão bem como ele. Com uma diferença: não soprava um reluzente trombone de vara, mas um acanhado trombone de pisto comprado no sacrifício pelo pai, pastor presbiteriano. 

Nascido na remota Pavuna, começou a brilhar nos programas de calouros cariocas – num deles Ary Barroso pespegou-lhe seu nome profissional: “João José [Pereira de Souza] não é nome de trombonista. Já temos o Raulzão (Raul de Barros). Você vai ser o Raulzinho.” Prêmios em programas de calouro não davam para sustentar uma família, Raul já tinha mulher e dois filhos. Seguindo a deixa de um músico amigo, candidatou-se a um posto de primeiro sargento tocador de bombardino na Base Aérea do Bacacheri, em Curitiba. O comandante da base, coronel Peralta (fazia jus ao sobrenome), queria que sua banda fosse a melhor de Curitiba e criou essa insólita ponte aérea Rio-Curitiba oferecendo a músicos talentosos um emprego fixo no qual faziam aquilo que mais gostavam: música. Além da banda marcial, Peralta criou uma orquestra de dança, a 14-Bis, que fazia sucesso nos bailes e festas da cidade. No Bacacheri, Raul ensaiava marchas e dobrados no bombardino o dia inteiro. Queria tocar algo mais instigante, como o jazz que ouvia nos discos importados. Militar era proibido de circular sem farda, mas seria preso se frequentasse boates fardado. Raul viveu cinco anos esse “Catch-22”: em busca da sonhada jam session,  incursionava na noite curitibana com a farda azul da aeronáutica e o trombone de pisto para tocar em boates e dancings. Mas a música que se fazia na noite curitibana era descartável e não aquele jazz de acordes e improvisos complexos que vivia uma revolução naquele momento.

Já em 1958 nos tornamos companheiros de noite. Três anos mais moço, com 21, eu trabalhava em jornal desde os dezesseis. Ia ouvir Raul tocar em buracos como a Caverna Curitibana – um taxi dancing onde o distinto pagava um tíquete e passava pela roleta que para dançar na pista com a dama da noite de sua escolha. Às vezes não havia sequer onde tocar, Raul e o trombonista Maciel Maluco (fazia jus ao apelido) tocavam em duo para estátuas e bustos, pelo menos eram um simulacro da figura humana e nunca se queixavam da música. 


Outras noites, Raul se encontrava comigo na redação da Gazeta do Povo depois do fechamento, outras almas perdidas compareciam e iniciávamos nossa romaria pelos botecos e boates da cidade. Um dos peregrinos assíduos era o escritor Dalton Trevisan, à caça de histórias para seus contos. Dalton e Raul discorriam em vão sobre seus J.J.s favoritos: James Joyce e J.J. Johnson.

Foi nessa época que ocorreu o episódio do búfalo, o encontro metafísico-musical de Raul com um representante da espécie Bubalus bubalis, um búfalo indiano ou búfalo aquático, no meio da madrugada no Passeio Público de Curitiba, onde Raul tocava na Boate Tropical, à beira de um lago. Ali havia a moradia do búfalo (ou seria uma búfala?) e, nos intervalos do show, Raul – pra lá de Marajó – embarcava com seu trombone num pedalinho e ia fazer uma serenata para o bicho. Ele jura que o amigo respondia, com uivos e bufos. A cada noite os duetos foram se tornando mais intrincados e complexos – uma espécie de free jazz inter-espécies – Raul, compositor de mão cheia, nunca foi capaz de reconstitui-los.

Depois do segundo casamento, com uma curitibana que lhe daria duas filhas e um filho, Raul ficou mais caseiro, no seu apartamento da Rua Cruz Machado – uma área comercial de alugueis baratos, o poeta Paulo Leminski assim a definiu:

todo mundo carrega a sua cruz

eu, a cruz machado

No início dos anos 60 partimos mundo afora, eu Paris, Londres, Rio, São Paulo, Rio; Raul, além do circuito dos festivais e turnês, Los Angeles, Rio, São Paulo, Paris. Passava um ano, o telefone tocava, “Roberto”, já na primeira sílaba eu identificava aquela voz de trombone. Mas os reencontros foram frequentes, principalmente por conta de nossos vínculos curitibanos. Além dos filhos, netos e bisnetos, Raul se fez acompanhar nos últimos anos, em gravações e shows, pelo quarteto curitibano Na Tocaia, levou-o até mesmo para sua apresentação num festival de jazz na Ilha da Reunião, no Oceano Índico. 

Fez também a trilha sonora – totalmente improvisada durante a projeção, com o pianista Guilherme Vergueiro – do filme Lost Zweig, do cineasta Sylvio Back, outro companheiro das velhas noites curitibanas. 

Em Curitiba, 2019. Tributo ao
músico e amigo Edson Maciel.
Foto Divulgação
Até o final, excetuando os últimos seis meses, Raul compôs, tocou e gravou intensamente, mantendo sempre a qualidade exemplar da sua obra. 

Sua música feliz e vibrante, no timbre cálido do trombone – eu a batizei de “jazzfieira” – manifestava já sua postura existencial zen no tema de 1964 intitulado À vontade mesmo. 

Aonde quer que tenha ido – se é que foi – Raul de Souza estará sempre, e nos deixará – à vontade mesmo...

 

Do jornal O Povo - Memórias compartilhadas (dos tempos da ditadura)

Matéria do jornal O Povo, de Fortaleza, edição de 14/06/2021). sobre o livro Cartas da Juventude - Crônica de Época - Recortes Autoetnográficos (1968-1977) - Editora Confraria do Vento. Clique na imagem para ampliar ou acesse o link indicado.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

O Papa leu Macunaíma?

 

Com um dos maiores acervos do mundo , a Biblioteca do Vaticano guarda cerca de dois
milhões de livros impressos, além de milhares de originais. E, pelo que se acredita, ainda há um arquivo secreto com as obras do Índex, a lista de livros "nefastos" à fé e a moral, estantes próprias ao dissimulado e chegado a prazeres carnais Macunaíma. Foto Vaticano News


A frase recente do Sumo Pontífice, ipsis literis:

• “O Brasil não tem salvação, é muita cachaça e pouca oração”.


De certo modo, ecoou Macunaíma – o herói sem nenhum caráter (1928), de Mário de Andrade, com direito até a rima:

* “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”.

Deu no Meio & Mensagem: o "leite da Moça" faz 100 anos de Brasil...

As sete brasileiras das latinhas comemorativas. Foto Divulgação


Desde 1890, o Brasil importava o Milkmaid. No rótulo vinha a estampa de uma camponesa com trajes típicos do século 19. 


Em 1921, foi produzida em Araras (SP) a primeira latinha nacionalizada do produto suíço, que o povão já apelidava aqui de "leite da moça". 

Pois o Leite Moça comemora 100 anos de Brasil, adoçando muitas gerações. 

Para festejar a data, a camponesa da Nestlê troca de lugar com sete mulheres brasileiras que ilustrarão série especial de latas comemorativas. Dona Sônia, Bia, Gabriela, Angela, Terezinha, Tia Bena e Amanda ainda vão contar nas redes sociais da marca histórias de como a marca "impactou" suas vidas. Segundo o Meio & Mensagem, que noticia a campanha “Leite Moça® 100 ano, a nova linha de latinhas cega aos pontos de venda ainda nesse mês de junho. Link para a matéria no Meio &Mensagem AQUI

Festival de crueldade - Assine petição contra a matança de cachorros e gatos na China

por José Bálsamo 

Argumentar que a cultura local aprova não é atenuante. Isso aí é um crime brutal. Não à tradição. 

O site de abaixo-assinados Charge Org divulga uma petição sobre a matança de cães e gatos na China para consumo humano. Mais especificamente denuncia um festival na cidade de Yulin em que milhares de cachorros e gatos são mortos e destinados à mesa dos chineses. 

Não falta opção alimentar no país, é crueldade mesmo. Uma espécie de tara coletiva. 

O tal festival de Yulin é realizado durante o solstício de verão, de 21 a 30 de junho. 

A petição já reúne mais de 3 milhões de assinaturas e conta com apoio de ativistas brasileiros de direitos animais. Há tempos, o governo chinês anunciou medidas contra a comercialização de carne de cachorro e gato, mas não levou a ideia à prática. Quando se sabe que um dos vetores de transmissão ou mutação do SARS-CoV-2. 5 teriam sido morcegos vendidos em mercados como iguaria local - segundo investigações científicas em andamento -  a medida tornou-se ainda mais importante e urgente. 

Ajude a impulsionar o protesto. Assine e compartilhe a petição. No Charge Org AQUI

sábado, 12 de junho de 2021

Darnella Frazer, a adolescente que filmou o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis, ganha o Pulitzer


Daniella Frazer, a terceira da direita para a esquerda, foi fotografada pela polícia, mas não se intimidou. Seu vídeo foi peça fundamental para a condenação do ex-policial Derek Chauvin
a 45 anos de cadeia. Foto Minneapolis Police Department,


O maior prêmio mundial do jornalismo anunciou seus vencedores. O Pulitzer tem pelo menos quatro  grandes vencedores: 

* Darnella Frazer, a adolescente que mostrou muita coragem ao gravar o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis. Frazer não é jornalista, mas fez o mais puro jornalismo ao expor e denunciar ao mundo um assassino cruel. Isso, apesar de intimidada pelos policiais que a fotografaram de celular em punho. Um comovente exemplo do jornalismo-cidadão.

* O New York Times pela ampla cobertura e pela missão social e democrática de levar a verdade à população em desafio às fake news e à desorientação promovida por Donald Trump em 2020.

* Na categoria break news, a cobertura fotográfica do staff da Associated Press em torno dos protestos que se seguiram à morte de George Floyd em dezenas de cidades americanas. 

* E no quesito Feature Photography, a série de fotos de Emilio Morenatti, também da Associated Press, sobre a vida dos idosos na Espanha em plena luta contra a Covid-19.

A lista completa dos vencedores está no site do Pulitzer AQUI

quarta-feira, 9 de junho de 2021

O Manifesto da Granja

O manifesto dos jogadores era, há dias, a notícia mais esperada. Até pelo quase ineditismo. Jogador, a grande maioria, normalmente só se manifesta no pagode, na balada ou no baile funk. Claro, a Democracia Corinthiana, um marco histórico, é a exceção que confirma a regra. Desculpe, minto como Pazuello. Jogadores da seleção já fizeram um manifesto, mas era contra a imprensa. 

Não se esperava que o manifesto prometido fosse um chamamento a uma revolução que começaria com os jogadores se recusando a participar a Copa América.  Seria pedir demais, tanto que o que veio foi muito menos. Em Teresópolis, a montanha pariu um frango magrelo e inofensivo. E olha que este blog supersticioso já sugeriu que está na hora de mudar o nome da sede da seleção brasileira, onde o time treina e se concentra. Chama-se Granja Comary. Levanta suspeitas... e a camisa já é amarela. E estamos há 21 anos sem trazer o caneco pra casa. Se não rolar no Catar vamos emplacar 22.

"É um manifesto que não manifesta nada", diz o jornalista José Trajano. De fato, os jogadores se dizem contra a Copa América, mas vão jogar. Mas não explicam porque. Pela pandemia que já matou quase 500 mil brasileiros não é. A Covid-19 nem é citada. Incomodados com a denúncia de assédio sexual que motivou o afastamento do presidente da CBF, Rogério Caboclo, também não é. Pela acusação também de assédio que a Nike fez a Neymar jamais seria. Contra Bolsonaro? Nunca. Ele parece ter mais apoiadores do que opositores na Granja. Falam no manifesto que não querem se meter em política, mas já posaram sorridentes ao lado do Bolsonaro na final da Copa América, no Maracanã, em 2019. Pura política. 

Na época, a Folha ouviu jogadores e apenas um (Everton Cebolinha) declarou não concordar com a "mistura de futebol e política". Miranda, Daniel Alves, Allan, Philippe Coutinho. Thiago Silva, David Neres, Richarlison, Lucas Paquetá, Alex Sandro e Marquinhos aprovaram a "mistura". Fagner, Willian e Cássio, entre outros, puxaram o coro de "mito, mito". Em tempo: sem manifesto mas com atitude Mastercard e AmBev não querem associar suas marcas  à Copa América da pandemia.

Leia a seguir o Manifesto da Granja e tente descobrir o que os jogadores querem dizer.

"Quando nasce um brasileiro, nasce um torcedor. E para os mais de 200 milhões de torcedores escrevemos essa carta para expor nossa opinião quanto a realização da Copa América. Somos um grupo coeso, porém com ideias distintas. Por diversas razões, sejam elas humanitárias ou de cunho profissional, estamos insatisfeitos com a condução da Copa América pela Conmebol, fosse ela sediada tardiamente no Chile ou mesmo no Brasil. Todos os fatos recentes nos levam a acreditar em um processo inadequado em sua realização. É importante frisar que em nenhum momento quisemos tornar essa discussão política. Somos conscientes da importância da nossa posição, acompanhamos o que é veiculado pela mídia mídia estamos presentes nas redes sociais. Nos manifestamos, também, para evitar que mais notícias falsas envolvendo nossos nomes circulem à revelia dos fatos verdadeiros. Por fim, lembramos que somos trabalhadores, profissionais do futebol. Temos uma missão a cumprir com a histórica camisa verde amarela pentacampeã do mundo. Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à Seleção Brasileira."

Chegou perto demais da notícia: Mimi Marchand, a rainha dos paparazzi franceses, é presa sob acusação de envolvimento no escândalo Sarkozy




Dona da BestImage, principal agência de paparazzi da França, Michéle Marchand, 70, foi presa semana passada sob acusações de "suborno de testemunhas" e "associação criminosa" no caso de suposto financiamento líbio da campanha presidencial de Nicolas Sarkozy na França, em 2007. Ela também  é amiga de presidente francês Emmanuel Macron e sua esposa Brigitte, e tem ligações com políticos, artistas e milionários. 

A sua defesa nega todas as acusações.

As celebridades francesas sabem que Mimi, como é chamada, tem a chave de um cofre blindado com milhares de segredos. Há quem diga que ela é uma granada sem pino capaz de produzi estilhaços de  escândalos. 

Com sede em Paris a BestImagem tem uma equipe de 25 repórteres, e um grande número igual de fotógrafos freelancers, além de correspondentes em Los Angeles, New York, Miami, Sydney, Madrid, Milão, Estocolmo, Londres e um acervo digital com fatos e fotos desde os anos 1970. Entre seus principais clientes estão Paris Match, a polêmica Closer, o site Purepeople, tabloides ingleses e italianos, Gala, Here, Closer, Ici Paris... 



Foi Mimi que convenceu Brigitte Macron a posar de maiô. Uma capa da Paris Match que repercurtiu no mundo. O argumento da rainha dos paparazzi foi irresistível. Naquele momento, a senhora Macron, 24 anos mais velha do que ele, estava em foco pela diferença de idade. Era a fofoca dos salões. Macron a conheceu quando tinha apenas 17 anos, foi seu aluno e colega da filha de Brigitte. Diante de tanto contexto, Mimi achou que as curvas da primeira dama seriam a melhor resposta. A foto foi feita em Biarritz e reproduzida no mundo inteiro. Antes, sua equipe flagrou as férias de Nicolas Sarkozy e Carla Bruni.

Com um grande poder de articulação, Mimi e amada, odiada e temida.

domingo, 6 de junho de 2021

Na semana em que faria 90 anos, João Gilberto revive em inéditas

Vinicius e João Gilberto, com Tom Jobim nos teclados, no Au Bon Gourmet, Rio, 1962. Foto de Hélio Santos/Manchete

Em 10 de junho, próxima quinta-feira, ele faria 90 anos. Lenda da bossa nova, morreu há dois anos mas está presente. E não apenas através da sua obra imortal conhecida. João Gilberto revive em inéditas. 

A Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, acaba de por no ar gravações até hoje não conhecidas do genial baiano de Juazeiro. São três fitas gravadas em Salvador, entre 1959 e 1961. Uma registra um show de João Gilberto e Vinícius de Moraes na Associação Atlética da Bahia. Os outros dois áudios foram gravados pelo jornalista, jurista e  músico Carlos Coqueijo em sua própria casa. O material contém dezenas de músicas, das quais 20 inéditas, em parcerias memoráveis com Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Vinicius e Dorival Caymmi. 

A pesquisadora Edinha Diniz recebeu as gravações de Aydil Coqueijo, que as preservou ao longo do tempo. A viúva de Coqueijo cuidou de transformar os rolos de fitas em cassetes e, por fim, providenciou a digitalização de todo o material guardado pelo marido, falecido em 1988. Em um trecho ouve-se João cantando "Sem Você", nunca gravada em disco, composta por Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Pura história musical. 

João Gilberto e Tom Jobim em Montreux, 1985. "Uma confrontação", segundo Roberto Muggiati que cobriu o festival para a Manchete, com fotos de Lena Muggiati 

Por falar em Tom, histórica também foi a performance de João Gilberto com o carioca no Montreux Jazz Festival, em 1985. Muitos críticos apontam aquela hora como a melhor de João Gilberto. O então diretor da Manchete, Roberto Muggiati, que cobriu com a fotógrafa Lena Muggiati aquela edição do festival, definiu o encontro como "uma dramática queda-de-braço entre João e Tom Jobim, uma confrontação terrível entre as duas figuras maiores de bossa nova". 

* Você pode ver e ler a matéria completa da Manchete neste link 

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=004120&pasta=ano%20198&pesq=Montreux&pagfis=233338

* Já os registros das gravações históricas que Carlos Coqueijo fez de João Gilberto estão na Rádio Batuta 

https://radiobatuta.com.br/especiais/joao-gilberto-em-casa-de-carlos-coqueijo-28-11-1960/

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Recordando Nelson Rodrigues e o que a Bela da Tarde tem a ver com a Dama do Lotação

por Ed Sá 

Imagine o sujeito, o Nelson Rodrigues, um jornalista naquelas redações sórdidas, fumacentas e barulhentas dos anos 50, produzindo uma coluna por dia para o jornal do Samuel Wainer ao longo de onze anos. Uma tarde ele senta à máquina mal humorado, com dor-de-barriga, endividado, o telefone não para de tocar, a mulher liga de casa, problemas com as crianças, e de repente escreve esta obra-prima que só poderia ter saído da sua cabeça...

Pois desse caos nasceu A Dama do Lotação, da coluna A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues, no Última Hora carioca (nos anos 1970, a Fatos & Fotos republicou muitos contos do escritor dos tempos da UH). A Dama do Lotação virou filme em 1978. Dirigido por Neville de Almeida, e é um dos recordistas de público de todas as épocas do cinema brasileiro. Sonia Braga foi a protagonista no papel de Solange, a mulher casada que nas tardes cariocas embarca em lotações apenas em busca de parceiros para um desembarque rápido em paradas de sexo sem compromisso. 

Filmado há 55 anos, quase uma década depois de Nelson Rodrigues criar sua fogosa Solange, A Bela da Tarde estreou nos cinema em 1967 com a recém-casada Séverine, interpretada por Catherine Deneuve, também aprisionada por desejos sexuais mal resolvidos, e que decide se tornar uma prostituta "temporária" que dá expediente em um bordel de Paris.

Belle de Jour foi dirigido por Luís Buñue. O diretor espanhol também assinou o roteiro, em parceria com Jean-Claude Carrière, inspirado em um romance de Joseph Kessel, escrito em 1928.

Felizes coincidência literárias e cinematográficas. 

Uma diferença é que Nelson criou Solange do calorão da redação da Última Hora respirando cigarros Continental, para os mais abonados, ou Senador para o pessoal que estava na pior. Já Kessel imaginou Séverine ao caminhar bordes de la Seine, onde ficavam muitos... bordeis do começo do século passado. Outra é que a sensualidade da belíssima Catherine Deneuve é um macio magret de canard enquanto o fogo de Sonia Braga é feijoada "estupidamente quente" e com pimenta. Duas musas, dois estilos, dois clássicos.  

A DAMA DO LOTAÇÃO - CONTO DE NELSON RODRIGUES

Às dez horas da noite, debaixo de chuva, Carlinhos foi bater na casa do pai. O velho, que andava com a pressão baixa, ruim de saúde como o diabo, tomou um susto:

— Você aqui? A essa hora?

E ele, desabando na poltrona, com profundíssimo suspiro:

— Pois é, meu pai, pois é!

— Como vai Solange? – perguntou o dono da casa. Carlinhos ergueu-se; foi até a janela espiar o jardim pelo vidro. Depois voltou e, sentando-se de novo, larga a bomba:

— Meu pai, desconfio de minha mulher.

Pânico do velho:

— De Solange? Mas você está maluco? Que cretinice é essa?

O filho riu, amargo:

— Antes fosse, meu pai, antes fosse cretinice. Mas o diabo é que andei sabendo de umas coisas… E ela não é a mesma, mudou muito.

Então, o velho, que adorava a nora, que a colocava acima de qualquer dúvida, de qualquer suspeita, teve uma explosão:

— Brigo com você! Rompo! Não te dou nem mais um tostão!

Patético, abrindo os braços aos céus, trovejou:

— Imagine! Duvidar de Solange!

O filho já estava na porta, pronto para sair; disse ainda:

— Se for verdade o que eu desconfio, meu pai, mato minha mulher! Pela luz que me alumia, eu mato, meu pai!

A SUSPEITA

Casados há dois anos, eram felicíssimos. Ambos de ótima família. O pai dele, viúvo e general, em vésperas de aposentadoria, tinha uma dignidade de estátua; na família de Solange havia de tudo: médicos, advogados, banqueiros e, até, ministro de Estado. Dela mesma, se dizia, em toda parte, que era “um amor”; os mais entusiastas e taxativos afirmavam: “É um doce-de-coco”. Sugeria nos gestos e mesmo na figura fina e frágil qualquer coisa de extraterreno. O velho e diabético general poderia pôr a mão no fogo pela nora. Qualquer um faria o mesmo. E todavia… Nessa mesma noite, do aguaceiro, coincidiu de ir jantar com o casal um amigo de infância de ambos, o Assunção. Era desses amigos que entram pela cozinha, que invadem os quartos, numa intimidade absoluta. No meio do jantar, acontece uma pequena fatalidade: cai o guardanapo de Carlinhos. Este curva-se para apanhá-lo e, então, vê, debaixo da mesa, apenas isto: os pés de Solange por cima dos de Assunção ou vice-versa. Carlinhos apanhou o guardanapo e continuou a conversa, a três. Mas já não era o mesmo. Fez a exclamação interior: “Ora essa! Que graça!”. A angústia se antecipou ao raciocínio. E ele já sofria antes mesmo de criar a suspeita, de formulá-la. O que vira, afinal, parecia pouco, Todavia, essa mistura de pés, de sapatos, o amargurou como um contato asqueroso. Depois que o amigo saiu, correra à casa do pai para o primeiro desabafo. No dia seguinte, pela manhã, o velho foi procurar o filho:

— Conta o que houve, direitinho!

O filho contou. Então o general fez um escândalo:

— Toma jeito! Tenha vergonha! Tamanho homem com essas bobagens!

Foi um verdadeiro sermão. Para libertar o rapaz da obsessão, o militar condescendeu em fazer confidências:

— Meu filho, esse negócio de ciúme é uma calamidade! Basta dizer o seguinte: eu tive ciúmes de tua mãe! Houve um momento em que eu apostava a minha cabeça que ela me traia! Vê se é possível?!

A CERTEZA

Entretanto, a certeza de Carlinhos já não dependia de fatos objetivos. Instalara-se nele. Vira o quê? Talvez muito pouco; ou seja, uma posse recíproca de pés, debaixo da mesa. Ninguém trai com os pés, evidentemente. Mas de qualquer maneira ele estava “certo”. Três dias depois, há o encontro acidental com o Assunção, na cidade. O amigo anuncia, alegremente:

— Ontem viajei no lotação com tua mulher.

Mentiu sem motivo:

— Ela me disse.

Em casa, depois do beijo na face, perguntou:

— Tens visto o Assunção?

E ela, passando verniz nas unhas:

— Nunca mais.

— Nem ontem?

— Nem ontem. E por que ontem?

— Nada,

Carlinhos não disse mais uma palavra; lívido, foi no gabinete, apanhou o revólver e o embolsou. Solange mentira! Viu, no fato, um sintoma a mais de infidelidade. A adúltera precisa até mesmo das mentiras desnecessárias. Voltou para a sala; disse à mulher entrando no gabinete:

— Vem cá um instantinho, Solange.

— Vou já, meu filho.

Berrou:

— Agora!

Solange, espantada, atendeu. Assim que ela entrou, Carlinhos fechou a porta, a chave. E mais: pôs o revólver em cima da mesa. Então, cruzando os braços, diante da mulher atônita, disse-lhe horrores. Mas não elevou a voz, nem fez gestos:

— Não adianta negar! Eu sei de tudo! E ela, encostada à parede, perguntava:

— Sabe de que, criatura? Que negócio é esse? Ora veja!

Gritou-lhe no rosto três vezes a palavra cínica! Mentiu que a fizera seguir por um detetive particular; que todos os seus passos eram espionados religiosamente. Até então não nomeara o amante, como se soubesse tudo, menos a identidade do canalha. Só no fim, apanhando o revolver, completou:

— Vou matar esse cachorro do Assunção! Acabar com a raça dele!

A mulher, até então passiva e apenas espantada, atracou-se com o marido, gritando:

— Não, ele não!

Agarrado pela mulher, quis se desprender, num repelão selvagem. Mas ela o imobilizou, com o grito:

— Ele não foi o único! Há outros!

A DAMA DO LOTAÇÃO

Sem excitação, numa calma intensa, foi contando. Um mês depois do casamento, todas as tardes, saia de casa, apanhava o primeiro lotação que passasse. Sentava-se num banco, ao lado de um cavalheiro. Podia ser velho, moço, feio ou bonito; e uma vez – foi até interessante – coincidiu que seu companheiro fosse um mecânico, de macacão azul, que saltaria pouco adiante. O marido, prostrado na cadeira, a cabeça entre as mãos, fez a pergunta pânica:

— Um mecânico?

Solange, na sua maneira objetiva e casta, confirmou:

— Sim.

Mecânico e desconhecido: duas esquinas depois, já cutucara o rapaz: “Eu desço contigo”. O pobre-diabo tivera medo dessa desconhecida linda e granfa. Saltaram juntos: e esta aventura inverossímil foi a primeira, o ponto de partida para muitas outras. No fim de certo tempo, já os motoristas dos lotações a identificavam à distância; e houve um que fingiu um enguiço, para acompanhá-la. Mas esses anônimos, que passavam sem deixar vestígios, amarguravam menos o marido. Ele se enfurecia, na cadeira, com os conhecidos. Além do Assunção, quem mais?

Começou a relação de nomes: fulano, sicrano, beltrano… Carlinhos berrou: “Basta! Chega!”. Em voz alta, fez o exagero melancólico:

— A metade do Rio de Janeiro, sim senhor!

O furor extinguira-se nele. Se fosse um único, se fosse apenas o Assunção, mas eram tantos! Afinal, não poderia sair, pela cidade, caçando os amantes. Ela explicou ainda que, todos os dias, quase com hora marcada, precisava escapar de casa, embarcar no primeiro lotação. O marido a olhava, pasmo de a ver linda, intacta, imaculada. Como e possível que certos sentimentos e atos não exalem mau cheiro? Solange agarrou-se a ele, balbuciava: “Não sou culpada! Não tenho culpa!”. E, de fato, havia, no mais íntimo de sua alma, uma inocência infinita. Dir-se-ia que era outra que se entregava e não ela mesma. Súbito, o marido passa-lhe a mão pelos quadris: — “Sem calça! Deu agora para andar sem calça, sua égua!”. Empurrou-a com um palavrão; passou pela mulher a caminho do quarto; parou, na porta, para dizer:

— Morri para o mundo.

O DEFUNTO

Entrou no quarto, deitou-se na cama, vestido, de paletó, colarinho, gravata, sapatos. Uniu bem os pés; entrelaçou as mãos, na altura do peito; e assim ficou. Pouco depois, a mulher surgiu na porta. Durante alguns momentos esteve imóvel e muda, numa contemplação maravilhada. Acabou murmurando:

— O jantar está na mesa.

Ele, sem se mexer, respondeu:

— Pela ultima vez: morri. Estou morto.

A outra não insistiu. Deixou o quarto, foi dizer à empregada que tirasse a mesa e que não faziam mais as refeições em casa. Em seguida, voltou para o quarto e lá ficou. Apanhou um rosário, sentou-se perto da cama: aceitava a morte do marido como tal; e foi como viúva que rezou. Depois do que ela própria fazia nos lotações, nada mais a espantava. Passou a noite fazendo quarto. No dia seguinte, a mesma cena. E só saiu, à tarde, para sua escapada delirante, de lotação. Regressou horas depois. Retomou o rosário, sentou-se e continuou o velório do marido vivo.

 


na VOGUE: Malala bebela...

 



"QUE TODA MENINA QUE VEJA ESSA CAPA SAIBA QUE PODE MUDAR O MUNDO"

(Malala Yousafzai foi baleada na cabeça por terroristas do Talibã, em 2012. Ela tinha na época apenas 15 anos. Seu "crime": protestar contra a proibição de estudos para mulheres em Mingora (Paquistão), cidade dominada por talibãs. Ela se recuperou após cirurgia no Reino Unido. Em 2014 ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Mora atualmente em Birmingham, onde formou-se em Filosofia. Na entrevista à Vogue de julho ela diz não saber se volta a viver no Paquistão. "Onde vou morar agora? Devo continuar morando no Reino Unido ou devo me mudar para o Paquistão ou outro país?"

quarta-feira, 2 de junho de 2021

150 mil camisinhas olímpicas para os atletas... Tóquio vai tremer à noite



Olympic Village: centro de convivência e parte das instalações para atletas.
Fotos Japanese Olympic Committee

por Niko Bolontrin

A Olimpíada de Tóquio deverá receber 11 mil atletas de 205 nações. Ou um pouco menos. Até a abertura, em 23 de julho, alguns países estarão observando a situação da pandemia no Japão e é possível que desistam ou reduzam delegações. Apesar disso, o Comitê Olímpico local está trabalhando para fazer desses jogos com protocolos especiais um sucesso possível. 

Até mesmo no item sexo 

Sabe-se que os jovens atletas carregam nos corpos uma sopa de testosterona. Daí, os organizadores distribuirão 150 mil camisinhas aos competidores hospedados da Vila Olímpica. Cada um receberá em torno de 13 camisinhas. Diante das tradições noturnas nos alojamentos, esse é um procedimento que se repete a cada edição dos Jogos de Verão e de Inverno. Ao mesmo tempo, estarão em vigor normas rígidas que determinam que os atletas devem manter distância de dois metros, evitar cumprimentos, beijos e abraços. Há quem critique o Comitê e alegue que a avalanche de camisinhas gratuitas envia uma mensagem contraditória: a função básica dos preservativos não combina com o distancimento.  De qualquer forma, impedir que a Cidade Olímpica trepide à noite é tarefa difícil para os chefes das delegações. 

Um adendo: Tóquio apresenta números conservadores. Em 2016, nos Jogos do Rio, foram distribuídas 450 mil camisinhas. Três vezes mais do que na Olimpíada de Londres 2012 e o triplo do que a Terra do Sol Nascente oferecerá aos atletas e técnicos.

The Sun, hoje

 


segunda-feira, 31 de maio de 2021

As balas do Recife: uma foto, dois dramas


Uma das imagens mais impressionantes do 29M, o dia de protestos ela vida e contra o governo de Jair Bolsonaro: Daniel Silva não participava da manifestação - e mesmo que participasse - foi vítima da violência policial.  Ele é adesivador de carros e estava no centro de Recife para comprar material de trabalho. A foto é de Hugo Muniz e foi publicada pela Ponte.org que você pode acessar neste link para ver a matéria completa (https://ponte.org/homem-perde-o-olho-apos-ser-baleado-pela-pm-do-pe/ )

por Pedro Juan Bettencourt

Rembrandt perdeu os dentes por causa das balas do Recife, eram açucaradas demais... Hoje, pacatos cidadãos recifenses estão perdendo os olhos por causa das balas ‘de efeito moral’ atiradas em partes vitais do corpo pela truculenta PM local. 

Mato a cobra e mostro o pau, veja trecho do artigo do escritor e jornalista Leonardo Padura:

“Os comerciantes holandeses, entre os quais havia vários dos judeus de Amsterdã (os mesmos que fundaram a sinagoga), que fizeram grandes fortunas no século 17, foram os principais introdutores do produto na Europa. E um de seus destinos foi Amsterdã, onde floresceram várias refinarias que se encarregavam de processar os melados pernambucanos para obter açúcar –e balas. Aquelas balas, que costumavam ter forma cônica, causaram furor na Amsterdã burguesa da época, e dizem que era frequente ver os moradores da cidade andando pelas ruas saboreando a novidade doce.”

Link do Blog no Magno, para ler o artigo todo, uma joia . 

https://blogdomagno.com.br/ver_post.php?id=151453

A Copa América vale a Taça Cloroquina - Quem disse que o vírus não é uma bola?


O Artigo 2 do Capítulo 1 da Carta Olímpica não podia ser mais claro: 

"A missão do Comitê Olímpico Internacional é promover o Olimpismo pelo mundo e liderar o Movimento Olímpico. Isso inclui a poiar a ética no desporto, encorajar a participação esportiva, assegurar a realização dos Jogos Olímpicos de acordo com a agenda determinada, liderar a luta contra o doping, se opor a abusos políticos e comerciais sobre os atletas, promover um bom legado para as cidades-sede dos Jogos, proteger o Movimento Olímpico, além de apoiar o desenvolvimento do esporte.

E mesmo assim o COI insiste em realizar os Jogos Olímpicos de Tóquio. Isso apesar do rítmo lento de vacinação no país e de a população indicar rejeição ao evento. No começo do ano, pesquisa realizada pela agência NHK apontou que 80% dois entrevistados eram contrários aos Jogos. Há dois meses, o número apurado pelo Kyoto News baixou para 72%, configurando ainda maioria.  

O Brasil vai na onda do COI.

Depois de Argentina e Colômbia desistirem de sediar a Copa América, o Brasil foi surpreendido hoje com uma decisão da Conmebol e da CBF, com o apoio de Jair Bolsonaro: "É nois". Isso mesmo, a Copa América, que começa no dia 13 de junho, é aqui. 

As cidades que receberão os jogos ainda não foram definidas. Sabe-se que Brasília será uma delas. O twitter registra muitas opiniões contrárias ao Brasil receber o torneio no momento em que é alto o número de mortos pela Covid-19 e paira no ar a ameaça de nova onda de contaminações. É possível que haja a presença de público nas finais, os tais "convidados".  Uma sugestão à CBF - que pode funcionar como uma "homenagem" ao governo brasileiro que  topou receber a Copa América  - é instituir a Taça Cloroquina para o vencedor. 

Um tuiteiro ironizou sobre a escolha dos locais das partidas. Veja: 

domingo, 30 de maio de 2021

Maurice Capovilla (1936-2021): "Vou sentir saudades mas devo um grande abraço a todos vocês que me acompanharam"



Maurice Capovilla - Foto de Lino Rodrigues - Manchete

Maurice Capovilla chegou ao cinema pelos caminhos do jornalismo. Mais precisamente como crítico de filmes. Nesse campo, passou da revista Brasiliense para a Manchete, nos anos 60/70. Capô, como os amigos o chamavam, morreu ontem, aos 85 anos, em casa, no Rio. Nos últimos anos, sofria do Mal de Alzheimer. Cineasta, ator, roteirista e produtor, ele voltou à Rua do Russell nos anos 80, então para a Rede Manchete, onde dirigiu musicais e documentários.

Na sua filmografia, destacam-se Noites de Iemanjá, O Profeta da Fome, O Bandido da Luz Vermelha, Bebel, Garota Propaganda, Brasil Verdade, Os Subterrâneos do Futebol  e Lance Maior. 

Na TV, dirigiu novelas para a Globo, além do Globo Repórter. Na Rede Manchete teve a oportunidade de diversificar seus projetos, dirigir musicais e até um inovador programa esportivo - A Escolinha de Zico -, documentários e jornalísticos. Levaram sua assinatura programas como um especial sobre Oscar Niemeyer, as minisséries documentais Viagens às terras de Portugal e Os brasileiros – Retrato falado de um povo.

A EMOCIONANTE DESPEDIDA

No dia 20 de fevereiro, o próprio Capovilla postou no Facebook uma mensagem de despedida.
Reprodução Facebook

Mídia - A manifestação que o Brasil viu e a maioria dos jornais não destacou


 Entre os grandes jornais brasileiros, apenas a Folha de São Paulo destacou na primeira página do impresso as manifestações de ontem contra Jair Bolsonaro. Foto na capa, título principal e espaço nas páginas internas deram uma dimensão do protesto maior do que a concorrência. Mas a cobertura livre e efetiva foi mesmo a das redes sociais. Embora ainda com forte poder de moldar opiniões, a grande mídia já não demonstra a capacidade de "esconder" ou minimizar uma notícia por motivos ideológicos. As redes entregam o fato, e, pela capilaridade natural e extraordinária chegam em tempo real  a detalhes ilustrados com fotos e vídeos dos mais diversos cantos do país, algo praticamente impossível para as reduzidas equipes jornalísticas. 

Foi assim com a vereadora Liane Cirne, do PT de Recife, agredida com gás de pimenta quando pedia a identificação dos PMs. A vereadora desmaiou. Ela tentava impedir que os policiais atacassem a multidão que protestava pacificamente. E assim aconteceu também com o homem que estava trabalhando e não participava da manifestação e foi atingido por bala de borracha. A brutalidade custou um olho da vítima. Em cidades do interior, como Juazeiro do Norte, as redes registraram a intimidação da PM aos manifestantes e até ao motorista de um carro de som que se retirou do protesto.

As oligarquias parecem ter focalizado o grande protesto nacional e internacional com as eleições de 2021 no radar. A depender da evolução das candidaturas e se Lula realmente tiver o nome na urna (muita coisa vai acontecer até lá, incluindo pressão sobre o Judiciário) os barões da mídia vão de Bolsonaro. O grande troféu das elites empresariais desde o golpe que derrubou Dilma foi a escalada do neoliberalismo selvagem. E Paulo Guedes, o "ás" desse jogo, continuará na mesa. Daí, é esse o trunfo a ser preservado mesmo que custe engolir as pautas de costumes dos milicianos, o desastre ambiental, a já folclórica incompetência administrativa na saúde, educação, cultura. Na visão gananciosa dos neoliberais nada disso compete com as privatizações, reformas, mais transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos e do Estado para as corporações.

O Brasil sofre com milhões de desempregados, com uma inflação real, a do supermercado, absurda, com os preços do gás e da energia elétrica na estratosfera, e ontem comentaristas de economia dos canais por assinatura comemoraram o recorde da Bolsa de Valores de São Paulo com a vibração de um gol em final de Copa. Por tudo isso, eles saberão em quem votar em 2022. Se o "sapo barbudo" continuar pulando fora da lagoa e nas pesquisas, vão, como bem dizia o Brizola, "costear a alambrado" do Planalto.

sábado, 29 de maio de 2021

No mundo...

Na rua...

Hoje - Brasil nas ruas pela vida. Com máscaras e coragem

 







Reproduções Twitter

Repressão violenta em várias cidades. Manifestantes pacíficos atacados. Como em Recife. governador de Pernambuco, Paulo Câmara, apura o nome dos policiais envolvidos nos ataques. A questão é: Governadores ainda controlam PMs do ponto de vista democrático ou tais forças estão a serviço de um projeto neofascista?  

Urucubaca na cabeça...

 por O.V. Pochê




Reproduções Manchete

Sarney nunca botou um cocar na cabeça. E a presidência caiu no bigode do sujeito. 

Tancredo, coitado, apesar de eleito pela colégio eleitoral da ditadura após o golpe nas Diretas Já, não chegou ao Planalto. Desafiou a lenda e botou o cocar. 

Ulysses Guimarães poderia ter assumido, mas o cocar não deixou. O político ainda teve ainda o brilho na Constituinte. Morreu tragicamente. 

Dilma usou o adereço tribal. Deu no que deu. 

Lula, nos anos 90, posou de cocar. Perdeu sucessivas eleições. Voltou a posar de índio depois de eleito e reeleito. Deu pena, literalmente. Encarou o mensalão seguido da Lava Jato. Por enquanto está anistiado pelos pajés desde que tenha aprendido a lição. 

O problema não está exatamente no cocar. E antes que alguém fale em preconceito contra culturas, a superstição existe até mesmo nas tribos. Conta a tradição que o que explica o uruca é o status das penas. Se a ave que as cedeu já tiver morrido, danou-se.  

Bolsonaro aderiu ao cocar. Não há informação sobre a ave que era dona das penas.  Talvez tenha morrido por falta de vacina.

O que La Bodeguita del Medio, em Havana, tem a ver com La Fiorentina, no Rio?

O berço dos mojitos em Havana Vieja

O mural de assinaturas, antes da reforma e...

...depois do desastre cultural. Fotos Diário de Cuba 

Em abril de 2022, La Bodeguita del Medio vai comemorar 80 anos. 

Mas querem botar água no mojito. 

Um dos dois bares e restaurantes de Havana que Ernest Hemingway tornou famoso em todo o mundo (o outro é a Floridita, onde há uma estátua do escritor) enfrenta uma grave crise. E não tem a ver diretamente com a pandemia ou só em parte o vírus interferiu. Com a queda do movimento, a gerência da casa resolveu reformar o lugar. Havia infiltração nas paredes e no teto, desgaste da estrutura, encanamentos e rede elétrica. Intelectuais e boêmios de Cuba estão indignados com a gerência da casa e com a Comissão de Monumentos de Cuba. A reforma descaracterizou o famoso ponto da Rua Empedrado, na Havana Vieja. "Um crime", é o mínimo que dizem. Com autorização do órgão do governo, o gerente passou uma mão de tinta sobre as centenas de assinaturas e mensagens deixadas nas paredes pelas várias gerações de frequentadores, muitos deles famosos.  Nat King Cole, Fidel Castro, Xavier Cugat, Pablo Neruda, Agustín Lara, Cantinflas, Salvador Allende, Errol Flyn deixaram lá seus recados. Hemingway escreveu: ""Mi mojito en La Bodeguita, mi daiquirí en El Floridita". 

"Acabou magia", lamentam os cubanos. A direção do Bodeguita Del Medio alega que todas as fotos dos anos 40, 50 e 60 que também decoravam as paredes foram mantidas, assim como os livros com as assinaturas. 

La Fiorentina, no Leme

E as assinaturas e mensagens tradicionais. Reproduções Facebook

Por coincidência, um restaurante carioca que também exibe assinaturas famosas nas colunas, está sob risco. Por conta da pandemia e de dívidas (o imóvel é objeto de disputa judicial), La Fiorentina, no Leme, Zona Sul do Rio, fechou as portas. Inaugurado em 1957, era point de jornalistas e artistas. Suas meses receberam Maysa Matarazzo, Jorge Dória, Jece Valadão, Agildo Ribeiro, Vera Vianna, Anselmo Duarte e tantos outros.  Em visitas ao Rio, nomes como Rita Hayworth, Rock Hudson, Kim Novak, Marisa Berenson, Margaux Hemingway, Rudolf Nureyev, Jean-Paul Belmondo, Gina Lollobrigida e Claudia Cardinale passaram por lá. Tempos em que Hollywood e Cinecittá eram aqui. Ou melhor, ali no Leme.