Sylvio Back. Foto EBC |
Em 1959, "um jornalista que faz filmes". Foto: Arquivo Pessoal |
Sylvio Back é, como eu, da classe de 1937. Batalhamos nas trincheiras da imprensa nos anos 50 em Curitiba, vivemos intensamente a fricção ideológica que acabaria no golpe militar de 64. Ao voltar de dois anos em Paris, em 1962, eu o encontrei cineasta. Colaborei com os travellings do seu primeiro filme, o documentário As moradas. Como? Do modo mais artesanal possível: ao volante do DKW do meu pai – Sylvio com uma câmera na mão e metade do corpo saindo como um pescoço de girafa pela janela traseira – eu cumpro suas ordens: “Toca!” “Pára!” “Toca!” “Pára!”
Passo mais três anos fora do Brasil, na BBC de Londres. Em 1968, trabalhando na Veja em São Paulo, vou assistir com o Sylvio à estreia do seu primeiro longa, Lance maior, que lança uma nova atriz, Regina Duarte. A partir daí Sylvio não para mais, será uma catadupa de 38 filmes – só mesmo um vocábulo rodriguiano para definir sua sanha criativa. Filmes polêmicos, Sylvio gosta de cutucar com vara curta os clichês e as certezas do Sistema. Deu a cara a tapa em Yndio do Brasil, República Guarani, Guerra do Brasil, Rádio Auriverde e Contestado, os restos mortais.
Costumo brincar com ele ao dizer que sua maior contribuição cultural foi batizar a bunda mais famosa do país. A cantora Gretchen diz que viveu uma epifania (claro, ela não se exprime nesses termos) ao ver numa marquise de cinema o título do filme de Back, Aleluia, Gretchen.
Não contente com a quantidade de prêmios que o cinema lhe trouxe (77 ao todo), Sylvio Back já publicou 25 livros, entre eles uma dezena de poesia. Agora, justo num momento em que o mar não está para poemas – num país em que o desgoverno abomina ostensivamente a cultura, Sylvio publica, pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, um belo volume de 431 páginas, Silenciário. Ao escrever o texto das orelhas do seu livro de poemas eróticos Quermesse, inseri um trocadilho safado: “deflorais de Back”. Meu ímpeto inicial, jocoso, foi chamar o novo livro de Ruidário, mas me contive.
Desta vez Sylvio não veio para provocar ou agredir. O seu é o silêncio sábio de um homem reconciliado com a vida, na véspera dos 84 anos. Um feito notável para alguém que, como ele, sofreu muito além da cota de perdas familiares e danos morais reservada ao comum dos mortais. Não resisto e cito aqui o justamente revoltado Hamlet:
“...quem do tempo aguentaria os golpes
E o escárnio, e o peso do opressor e a afronta
Do altivo, o amor sem volta, a lei morosa,
A ofensa do poder, e o coice certo
Que o paciente valor leva dos crápulas (...)
Quem tais fardos levara, suando e arfando
Sob o exausto viver..."
Sylvio reage ao pessimismo de Shakespeare:
melhor seria implodir
não houvesse verso
E reitera, num tom que evoca Jacques Prevert:
a melhor hora para chorar
é quando se acorda mas
procure antes dormir bem
da cama pule feito criança
espere pelo fim do bocejo
ande pela casa sem rumo...
Poesia numa hora destas, meu caro Back? Eu digo: sim, justo agora, quando chegamos aos 500.000 mortos, justo na hora em que parentes e amigos estão caindo feito moscas ao nosso redor. E encontro, ainda nos seus versos, um arremate:
estamos todos
de lambuja
no azimute da vida
finitude é périplo