Otto Maria Carpeaux Foto Manchete |
segunda-feira, 11 de janeiro de 2021
O atropelamento e a morte de Otto Maria Carpeaux numa sexta-feira de Carnaval • Por Roberto Muggiati
domingo, 10 de janeiro de 2021
Há um ano, o vírus Sars-Cov-2 fazia a primeira vítima. Um organismo microscópico mudou o planeta para sempre
Infectologistas chineses constataram que o SARS-CoV-2, identificado em novembro de 2019 chegou tão devastador que já deveria estar circulando há algum tempo.
O nome da primeira vítima jamais foi divulgado pelas autoridades que anunciaram o óbito no dia seguinte.
O SARS-CoV-2 é medido em nanômetros, algo como um bilionésimo de um metro, tamanho inimaginável para um leigo, mas foi capaz de contaminar o planeta. E veio para ficar.
A OMS contabiliza hoje 1 919 126 mortes no mundo. Um esforço sem precedentes dos cientistas de vários países fez com que vacinas fossem desenvolvidas em tempo recorde. Surgiu a esperança. Mais de 50 países já estão em campanhas de vacinação.
O Brasil, por culpa de um presidente desequilibrado que debocha do vírus e politiza a tragédia, ainda patina. A contagem de mortos ainda avança mais do que as providências do governo genocida,
Da série Duelo no BLOK Corral • Por Roberto Muggiati
1975: Magalhães Júnior vs. João Antônio
Magalhães Júnior. Foto de Antonio Rudge/Manchete
Na Rua General Glicério tem uma espécie de pombal, uma caixinha com portinhola de vidro, destinada à doação ou troca de livros. Nunca encontrei algo que me interessasse ali, mas no último sábado foi diferente. Peguei logo a edição de bolso de Malagueta, Perus e Bacanaço, que João Antônio publicou em 1963 aos 28 anos. Tinha meus motivos pessoais: João Antônio trabalhou comigo na Manchete. Dez anos depois de publicar o elogiado livro de estreia, casado, com um filho pequeno, ele ganhava a vida como repórter da revista. Literatura – especialmente do seu tipo – não enchia a mesa de ninguém nesse país, particularmente nos tempos da ditadura militar. Amargurado, queima seu tempo e talento a escrever textos banais na semanal ilustrada das capas com mulheres bonitas, da qual me tornei o editor-chefe a partir de 1975. As matérias dos repórteres são reescritas por redatores mal-humorados, o R. Magalhães Júnior era o pior deles. Uma tarde, alto e bom som, na presença de toda a redação, ele achincalha um texto escrito pelo elogiado cronista do submundo, herdeiro de João do Rio e de Lima Barreto. João Antônio submete-se à humilhante reprimenda do Magalhães em silêncio. Ao voltar para casa, tem um surto de violência e quebra o apartamento inteiro. É imediatamente internado no Pinel, o manicômio de nove entre dez intelectuais cariocas.
A vida de João Antônio tomou outros rumos. Largou mulher e filho, viveu na Alemanha com uma bolsa de estudos e, ao voltar, concentrou seus esforços exclusivamente na literatura. Isolado como um eremita num apartamento na Praça Serzedelo Correa, em Copacabana, sua morte, aos 59 anos, só foi descoberta quinze dias depois.
Já o irascível – e, em raríssimos momentos, doce Raimundo Magalhães Júnior, morreu em 1981, aos 74 anos, atropelado quando atravessava teimosamente as pistas largas do Flamengo diante do prédio da Manchete. Para mim, foi um suicídio acidental. Dias antes, ao enfiar na cabeça a boina basca para ir embora, Magalhães confidenciou para mim: “Muggiati, que saber de uma coisa? Estou cansado. Acho que já vivi demais...”
1974: Maurício Gomes Leite vs. Sebastião Uchoa Leite
Sexta-feira, dia 25 de fevereiro de 1974, a redação do Russell a todo vapor fechando a matéria do pavoroso incêndio do Edifício Andraus, em São Paulo, ocorrido na véspera. Todo mundo fica com os nervos à flor da pele nestas ocasiões.
Mauricio G. Leite |
Já Sebastião Uchoa Leite, fez carreira discreta de poeta conceituado e morreu do coração aos 68 anos. Ignoro se foi cremado ou sepultado, mas, previdente, desde os tempos da Manchete ostentava já o seu epitáfio, assumindo toda o seu estranhamento social: “Aqui jaz, para o seu deleite, Sebastião Uchoa Leite.”
Mídia brasileira dá espaço para o lado podre da força
sábado, 9 de janeiro de 2021
Funcionários do Ministério da Saúde e da Anvisa chegando para analisar a vacina Coronavac
Drogas legais dos anos dourados • Por Roberto Muggiati
Na sociedade de consumo do pós-guerra consumia-se de tudo indiscriminadamente. Mas a indústria farmacêutica foi um capitulo à parte. Fortalecida durante o conflito no atendimento aos feridos em combates, ele teve de partir para a conquista de um mercado de cidadãos teoricamente saudáveis e impingir a eles mil e um elixires e poções, ainda que para a cura de males imaginários. Não havia rigor na exigência de receitas e assim várias drogas, hoje consideradas ilegais, eram vendidas livremente.
Lembro algumas da minha juventude em Curitiba. Para ficar acordado e manter a mente ágil à véspera de provas, particularmente no vestibular, recorríamos às famosas “bolinhas”. Eu tomava muito Pervitin, usado contra cansaço, sensação de fome e de sono. sede e medo. Era uma metanfetamina um estimulante do sistema nervoso central. Durante a Segunda Guerra, Hitler mandou soldados drogados para o front. Na ocupação da França, teriam sido dados às tropas 35 milhões de comprimidos de Pervitin, apelidado de "chocolate de tanque" ou "pílula de Hermann Göring". Às vezes, para acelerar o efeito, a substância era injetada nas tropas.
Quando tomava Pervitin, geralmente eu não passava a noite acordado a estudar, mas dava longas palestras sobre a história do jazz na entrada do Cine Avenida a amigos incautos que passassem por ali. Tomava da palavra e não a largava mais.
Quem gostava de viajar no barato do éter e não encontrava lança-perfume na entressafra do Carnaval, recorria ao Kelene, um spray usado para exterminar o “bicho geográfico”, uma espécie de bicho-do-pé contraído nas areias da praia.
Mas o campeão das drogas legais dos anos dourados foi o popular inalante de benzedrina, lançado comercialmente em 1933 nos Estados Unidos como um descongestionante nasal. Raro era o adolescente da minha época – vivi os anos 1950 entre os doze e os 22 anos de idade – que não carregava no bolso aquele tubinho plástico branco com uma tampinha. Seu uso não deixava de ser anti-higiênico, guardando resíduos de muco nasal, mas era usar e não largar mais. Músicos de jazz e beatniks iam direto à fonte: quebravam o tubinho e mascavam a tira de papel embebida em benzedrina, ou a misturavam a vinho ou a uisque. Existe uma história associada a Charlie Parker, de um grupo de músicos que passou a noite numa cabana ensaiando e ingerindo benzedrina. Ao amanhecer, um deles olhou pela janela e viu o chão todo branco. – Ihh, pessoal, esta noite nevou.
Era apenas o monte de cartuchos de inalante descartados durante a jam session.
Joan Burroughs, a mulher do escritor beat William Burroughs, era viciada em “benny” (a gíria para benzedrina) e mobilizava dezenas de amigos para comprarem todo o estoque de inalantes das farmácias da cidade. Joan morreu aos 28 anos no México durante uma festa maluca ao levar um tiro na testa quando brincava de Guilherme Tell com o marido William equilibrando uma taça de bebida na cabeça.
Esta lembrança foi motivada pela quantidade de cenas – nos filmes noir que tenho visto durante o confinamento – em que os vilões aparecem cafungando inalantes de benzedrina. Aqui vão algumas amostras. Sniff, sniff...
Lee Marvin em Um sábado violento (1955).
sexta-feira, 8 de janeiro de 2021
Vai começar a vacinação vip... Você já recebeu o sua pulseira-convite?
por O.V.Pochê
E o Braziu? Dizem que empresários pretendem organizar a vacinação privê. Imagino que acontecerá em áreas vips como o Golden Room do Copacabana Palace, no Rio, e o Fasano, em São Paulo. Segundo se comenta, a pulseira para adentrar ao local custará 5 mil euros, sem recibo. Os organizadores pedirão que o pagamento seja feito em espécie ou bitcoin para facilitar transferências das propinas que viabilizarão a compra privilegiada de insumos para o empreendimento e uma eventual lavagem do dinheiro arrecadado. Uma promoter organizará shows para distrair os convivas no decorrer do procedimento. A vacina será importada da Índia, de um reparte premium reservado para marajás e maranis. A seringa a ser utilizada foi desenvolvida pela Cartier. O algodão é egípcio de fios longos. O antisséptico vem do Reino Unido, do mesmo fornecedor dos Windsor. Limusines blindadas transportarão os convidados.
Os profissionais de saúde também serão recrutados no Reino Unido. Uma pesquisa comprovou que o público-alvo da vacinação privê fica mais à vontade com um staff de "nurses" vindo da terra de Florence Nightingale.
Como parte de uma ação de "responsabilidade social" planejada pela promoter do evento, os convidados, após a vacinação, darão entrevistas mostrando a importância do imunizante e pedindo aos brasileiros que tenham fé e que o dia do povão chegará. Em breve estará disponível a vacina "Pátria Amada" desenvolvida em parceria dos laboratórios do Exército com cientistas do Haiti, aditivadas com cloroquina e ivermectina, com eficácia de 17% e recomendada pela Anvisa.
Essa vacina, a "Pátria Amada", virá com o selo da qualidade "La garantía soy yo".
quinta-feira, 7 de janeiro de 2021
Em 10 meses, Brasil perdeu 55 jornalistas para a Covid-19
O Brasil está em segundo lugar no mundo nas estatísticas de jornalistas mortos por Covid-19. São 55 vítimas. O Peru lidera o triste ranking com 93. Em todo o mundo, 600 profissionais de imprensa foram vítimas fatais da pandemia nos últimos 10 meses. Os dados são da Press Emblem Campaign (PEC), com sede em Genebra. "Os jornalistas saem para informar e estão particularmente expostos ao vírus. Alguns deles, especialmente 'freelancers' e fotógrafos, não podem trabalhar apenas de casa", comentou o secretário-geral da PEC, Blaise Lempen, em um comunicado oficial.
Putsch fascista em Washington
Reprodução Twitter
As cenas do ataque ao Capitólio pela tropa fascista de Donald Trump foram impressionante mesmo. Uma invasão anunciada. Há dez dias, Trump convocou publicamente o protesto e pontou que seria "selvagem" e "feroz". Poucos minutos antes da invasão, o republicano insuflou manifestantes a se dirigirem ao prédio do Congresso. Há dois dias, apoiadores de Trump avisaram nas redes sociais que tentariam ocupar o Capitólio. "Nós, o povo, devemos ir ao gramado e degraus do Capitólio dos Estados Unidos e dizer ao Congresso #DoNotCertify (#NãoCertifique)", postou um certo StopTheSteal .E os jornalistas esportivos que consideram o gol de bola parada a mais nova infâmia do futebol? Só faltava essa
por Niko Bolontrin
Alguns jornalistas esportivos deveriam mandar um abaixo-assinado para FIFA e para o board que zela pelas regras do futebol para considerar nulos os gols de bola parada.
Hoje, na CBN e no Globo, dois deles, ao analisar o jogo Flu 2 X Fla 1, desvalorizam a bola parada, seja o gol de chute direto ou de jogada originada em cobrança de falta.
O Globo dedica 80% de um longo texto a analisar a derrota do Flamengo. Ao falar do Flu repetidamente tira o mérito da vitória em considerações pouco objetivas. Ah, de bola parada. Eu, hein? O Fluminense virou o jogo, amigos.
O Flamengo é um time poderoso, a vitória deve ter algum mérito, concordam? Zico fez gols memoráveis de bola parada. Hoje, Messi e CR7 são mestres também nesse fundamento. O torcedor vibra quando o craque do seu time coloca a bola lá onde mora a coruja.
Mas, para quem vibra com o "jogo de posições", bola parada é a mais nova infâmia dos gramados.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
Quem foi que plantou a Rua Marcel Proust em Santa Teresa? • Por Roberto Muggiati
Eu sei muito bem. Foi um personagem mefistofélico na minha vida, o editor do meu primeiro livro. Depois de dez anos de carreira jornalística vitoriosa, iniciada aos dezesseis anos na Gazeta do Povo de Curitiba e consolidada por um curso de dois anos no Centre de Formation des Journalistes de Paris e por três anos no Serviço Brasileiro da BBC em Londres, eu me vi de volta à estaca zero no Rio de Janeiro. Mais precisamente na velha redação da Manchete em Frei Caneca, no final de 1965. Além de atuar como repórter especial da revista, comecei a abrir novas frentes: editando os Cadernos de Jornalismo da Bloch, escrevendo para a Enciclopédia Bloch e traduzindo livros para as Edições Bloch.
Um deles foi Sexus, de Henry Miller, um dos livros mais vendidos de todos os tempos no Brasil. Existe um detalhe curioso aí: detentora dos direitos da trilogia Sexus/Plexus/Nexus, a Bloch não a publicou. Um intelectual de plantão, puxa-saco do chefe, avisou a Adolpho Bloch que os livros estavam cheios de palavrões. Exaltado, Adolpho soltou o verbo: “Que merda! Só tem palavrão na porra destes livros!”
A trilogia de Henry Miller foi repassada para Hermenegildo de Sá Cavalcante, da Gráfica Record Editora. Bacharel de direito nascido em Aurora, no Ceará, Hermenegildo ganhou uma fortuna com a trilogia de Miller, ainda mais porque tinha o hábito incorrigível de nunca pagar direito autoral. Nem sei até se os livros que publicava eram legalmente contratados. A solidão segundo Hemingway, McCullers, Kafka, Bradbury e Borges parecia obviamente pirateado. Naqueles tempos não havia pecado ao sul do Equador
No auge da Revolução Cultural, sugeri à Bloch um livro que fundisse a biografia de Mao Tsé-tung com a história da China comunista. Alberto Dines, consultor editorial, ficou tão entusiasmado com o projeto que me deu um adiantamento de mil dólares e colocou à minha disposição as sucursais internacionais, que me forneceram farto material, em inglês, francês, italiano e espanhol – na época a China era um dos temas favoritos das editoras do mundo inteiro. Nas brechas da reportagem – e num mês de férias que dediquei exclusivamente ao livro – escrevi Mao e a China, um volume robusto de 502 gramas e 374 páginas.
Naquele momento, o superaquecimento das receitas publicitárias para a mídia impressa em cores, provocou o surgimento de uma quantidade de novas revistas (EleEla, Pais e Filhos e Desfile na Bloch: Quatro Rodas, Cláudia, Realidade e Veja, na Abril.) Os bons profissionais eram disputados a tapa, como os craques de futebol nos tempos mais recentes. Foi assim que recebi uma proposta para assumir, em São Paulo, uma das quatro editorias principais da semanal de texto Veja, comandada por Mino Carta. Com toda a transparência, respeitando as regras do mercado, coloquei a Bloch a par da oferta e manifestei meu desejo de permanecer no Rio, caso a empresa cobrisse a proposta da Abril. Mas nada aconteceu, tudo o que me ofereciam era um hipotético aumento a partir do fim do ano, quando fosse lançada a mensal Pais e Filhos, da qual eu seria o editor, logo eu, que detestava crianças... Pedi demissão e me mudei para São Paulo, onde, por um ano e meio, participaria da grande aventura cultural que foi o lançamento da Veja, naquela época de intensa confrontação política.
A China continuava nas manchetes, eu esperava que o livro saísse a qualquer instante. Por volta de maio de 1968, fui procurado em São Paulo por Alcídio Mafra, responsável pela edição de livros na Bloch. Avisou-me que Adolpho se recusava a lançar Mao e a China, considerava-me um traidor por ter ido trabalhar na Abril. Alcídio havia convencido Adolpho do prejuízo que representavam aquelas duas toneladas e meia de livros ocupando espaço na gráfica de Parada de Lucas e sugeriu que repassasse Mao e a China para outro editor. O primeiro a se apresentar, lépido de fagueiro, foi o Hermenegildo, embora o livro fizesse a propaganda do comunismo chinês e ele fosse amigo de muitos generais da cúpula da ditadura. Quando Ernesto Geisel foi escolhido para a Presidência em 1974, ele foi apresentado à imprensa num almoço no sítio de Hermenegildo em Itaipava.
– O Muggiati me deu sorte com o Sexus, vou publicar o livro dele.
Mao e a China ainda não tinha capa, Hermenegildo topou minha sugestão de que fosse desenhada por minha mulher Lina, artista plástica. Ele mesmo escreveu as orelhas, num tom bombástico, afirmando que eu tinha entrevistado quatro vezes o Grande Timoneiro. Ora, todo mundo sabia que Mao Tsé-tung só deu na vida uma entrevista a um jornalista ocidental, o americano Edgar Snow, por ser redator do órgão oficial do Partido Comunista Norte-americano.
Mas o negócio do Hermenegildo era vender livros e isso ele sabia fazer. Resolveu lançar Mao e a China numa noite de autógrafos durante a inauguração da filial da sua editora em São Paulo, localizada justamente na Rua Maria Antônia, o foco das agitações estudantis em 1968. O braço direito de Hermenegildo na filial paulistana da Gráfica Record era o jornalista Walter Fontoura, então o manda-chuva do Jornal do Brasil em São Paulo.
Convidei Deus-e-todo-mundo da Abril para o lançamento. Coleciono até hoje dezenas de PSCs em que os Civita, pai e filhos, e altos executivos da empresa, se desculpavam pelo não-comparecimento. (PSCs eram os bilhetinhos Para-o-Seu-Conhecimento, impressos pela Abril para estimular a comunicação entre seus profissionais) . A noite de autógrafos foi marcada para 9 de dezembro de 1968, uma segunda-feira. O Brasil vivia o momento crítico da confrontação direita-esquerda e do enfrentamento ao regime. A linha-dura militar resolveu dar um basta a tudo aquilo; na sexta-feira, 13 de dezembro, era decretado o AI-5.
Yllen Kerr, da sucursal carioca de Veja, me telefonou aflito. O lançamento de Mao e a China no Rio fora cancelado:
– Por favor, Muggiati, nem pense em aparecer por aqui!
Mao e a China passou a figurar menos nas vitrines das livrarias do que nas mostras de material subversivo apreendido pelos órgãos de repressão. A partir daí, comecei a perder o contato com o Hermenegildo. Soube que em 1970 ele pagou, pela primeira vez, direitos autorais, muito a contragosto. O autor francês Jean Genet veio ao Brasil para o lançamento de suas peças produzidas em São Paulo por Rute Escobar. Tinha um dinheiro a receber da editora do Hermenegildo. Genet – um ex-presidiário que se tornou escritor de sucesso – era um homossexual brigão tipo Madame Satã que resolvia muita coisa na porrada. Muniu-se de uma sleeping bag e se instalou no suntuoso hall de entrada do edifício onde morava Hermenegildo. Em menos de duas horas era pago em dinheiro vivo e levantava acampamento.
Não sei como, com todo aquele dinheiro dos livros do Henry Miller, Hermenegildo faliu com a sua editora. Ou melhor, sei. Ele vivia à larga, sob a égide de Marcel Proust. Insinuante e com bons contatos, ainda jovem foi secretário comercial do Brasil em Paris, onde, segundo o Portal da História Cearense, “se aprofundou no estudo da obra de Marcel Proust, tornando-se vice-presidente da Société International des Amis de Proust.” Hermenegildo passou a ostentar esse lábaro com orgulho, publicou os livros Proust e o Brasil (1964); Quem foi e o que fez Marcel Proust (1966) e Marcel Proust - Roteiro Crítico e Sentimental (1972). Sua mania de Proust – e seu talento de lobista -legaram a Rua Marcel Proust à cidade que por muitos anos adotou como sua. No número 201 funciona a Escola Municipal Juan Antonio Saramanch, considerada uma das mais avançadas do Rio.
Hermenegildo dava grandes festas no sítio de Itaipava, batizado de Combray, em homenagem à cidade fictícia de Em busca do tempo perdido. Promovia excursões aos locais da literatura proustiana, muitas vezes viajava em alto estilo com a mulher, Nádia, e as duas filhas pequenas, acompanhadas de aias (termo mais adequado do que babás ou baby-sitters...) Ele representava todos os valores que eu repudiava (ou a falta absoluta de valores), principalmente seu compadrio com a ditadura militar. Morreu em 1995 em São Paulo, aos 68 anos. Ignoro os rumos que sua vida tomou depois da década de 1970. Mao e a China morreu com a falência da sua editora. Sexus seguiu vendendo bem ao longo de várias décadas e até hoje é procurado na Estante Virtual. Em 1980 ganhou nova tradução, de Sérgio Flaksman, na editora Schwarcz.
A passagem do templo suavizou minha opinião sobre Hermenegildo. Até mesmo seus escritos – particularmente o Roteiro crítico e sentimental de Proust, que só procurei recentemente – não deixam de ter aspectos interessantes. Sua foto com a mão sobre meu ombro naquela sessão de autógrafos que se perde na noite dos tempos me faz lembrar hoje apenas o cearense cativante, verdadeiro mestre na arte da sobrevivência.
Otimismo numa hora dessas? • Por Roberto Muggiati
“Esperança” foi a palavra da virada de ano, proferida de boca cheia no discurso vazio de comunicadores e influencers. Pareciam todos uma reencarnação do Dr. Pangloss, o mestre de Cândido (1759), o Otimista, a novela filosófica de Voltaire que inspirou as distopias 1984 e Admirável mundo novo e os romances de Machado de Assis Memórias póstumas de Braz Cubas e Quincas Borba. Pangloss via o mundo com óculos de lentes cor-de-rosa e recitava a eterna ladainha “tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis”, contrariando a brutal evidência dos fatos. Recrutado à força pelas tropas búlgaras, Cândido testemunha o massacre da Guerra dos Sete Anos. Foge e reencontra Pangloss, envelhecido e sifilítico, que o informa da suposta morte da mulher de Cândido, Cunegundes, estuprada por soldados búlgaros.
Chegam a Lisboa no dia do terremoto e são vítimas de um auto de fé em que Pangloss é aparentemente enforcado. Cândido reencontra Cunegundes, amante de um Grande Inquisidor e de um judeu rico. Mata os dois homens e foge com a mulher. Depois de incontáveis atribulações que levam o casal aos lugares mais remotos – incluindo Buenos Aires e Paraguai – Cândido finalmente encontra uma paz relativa com a mulher, em ambiente bucólico. “Devemos cultivar o nosso jardim,” foi o lema ele encontrou em contraposição ao “melhor dos mundos” de Pangloss.
Para se ter uma ideia da universalidade da novela de Voltaire, ela teve uma adaptação para o cinema no Brasil, Candinho – dirigido e estrelado por Mazzaropi, com o sambista do Brás Adoniram Barbosa numa genial interpretação de Pangloss, o Dr. Pancrácio. O filme inspirou em 2016 a telenovela de Walcyr Carrasco Êta mundo bom.
Aproveito essa discussão para transmitir o recado que recebi de uma estudiosa das mulheres da beat generation (Larissa, sergipana. 25 anos). Vejam a mensagem do velho William Burroughs, que considero pontualíssima no momento que vivemos. Nessa altura do campeonato, só posso recomendar: “Guenta aí, parça!”
“Você vai ter de aprender a existir sem religião, sem país, sem aliados. Você vai ter de aprender a viver sozinho em silêncio.”
terça-feira, 5 de janeiro de 2021
Chico César: "Não sou seu entretenimento, sou o fio da espada da história no pescoço dos fascistas"
por Clara S. Britto
As redes sociais adoraram reproduzir, ontem, uma mensagem do cantor e compositor Chico César. Um fã pediu que ele evitasse canções de cunho político-ideológico.
Chico não gostou.
Pode ter perdido o fá, mas não perdeu a postagem.
Domingo Ilustrado: fragmentos do tabloide perdido de Samuel Wainer
por José Esmeraldo Gonçalves
O semanário Domingo Ilustrado talvez tenha sido a publicação de vida mais curta da história da Bloch. Durou de 1971 a fins de 1973. Samuel Wainer era o diretor.
"Samuel Wainer, o homem que estava lá', de Karla Monteiro" lançado em setembro passado - aliás um ótimo livro - tem um capítulo sobre essa aventura jornalística. A redação reunia Maria Lúcia Rangel, Tato Taborda, Luís Carlos Maciel, Martha Alencar, entre outros, além de colaboradores de prestígio levados por Samuel, como Bruno Pedroso e Arthur da Távola..
Domingo Ilustrado vinha com o slogan "o jornal-revista do fim de semana". Era um tabloide colorido, excessivamente colorido, popularzão, estilo France Dimanche, sem grampos, impresso no mesmo couchê das revistas.
O livro conta que Adolpho detestava Samuel e Samuel detestava Adolpho. Quem ousou juntar os dois em um mesmo projeto, supremo risco, foi João Pinheiro Neto, que quis ajudar o amigo então desempregado e apelou para Adolpho. Samuel desprezava o patrão. Com licença do título da Karla, era o homem que não devia estar lá, mas engolia sapos para não perder o emprego. "Samuel se submeteu a muita coisa humilhante. Ele (Adolpho Bloch) era tão grosso que virava piada. Se a gente apertava o botão do elevador duas vezes, batia na sua mão", recorda Martha Alencar em um dos depoimentos colhidos para o livro.
Domingo Ilustrado acabou como começou, de repente. Adolpho cansou do prejuízo. Uma das expectativas, imaginem, era que os cariocas levassem o tabloide para ler na praia, junto com a cadeira, a esteira e a barraca, os apetrechos da época. Talvez um ou outro desafiasse os ventos e levasse mesmo o Domingo à areia, mas não virou moda e não garantiu as vendas.
Tente encontrar o Domingo Ilustrado em sebos de revistas. É impossível ou difícil. Vá ao Google, há poucas referências, algumas indexadas justamente do livro da Karla Monteiro.
Refinando buscas, variando comandos na barra de pesquisa, encontrei dois sites que reproduzem matérias do jornal-revista: os blogs http://caetanoendetalle.blogspot.com/ e http://antiguinho.blogspot.com/2016/06/jornal-domingo-ilustrado-wanderleia.html
E só.
Domingo Ilustrado é o Percy Fawcett do jornalismo. A Atlântida da mídia impressa.
O magnata aloprado
O "grito" do magnata. Reprodução
Pelo menos dois livros recentes - "Medo: Trump na Casa Branca", de Bob Woodward; e "Fogo e Fúria: por dentro da Casa Branca" - trazem detalhes chocantes sobre o modo DT de governar. Mesmo assim, o magnata conseguiu baixar ainda mais o nível e atropelar a ética e a lei durante um telefonema no qual pressiona o Secretário de Estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, para roubar votos. Durante uma hora, ele pede pata "encontrar" 11.780 votos, um a mais do que a vantagem de Biden no estado, implora ajuda e, por fim, dispara ameaças. O secretário rechaçou o "convite" para o assalto eleitoral.O jornal Washington Post obteve a gravação do longo telefonema e expôs o meliante.
Carl Bernstein, o repórter parceiro de Woodward na série de matérias em que o mesmo Washington Post revelou o Caso Watergate, disse, em entrevista à CNN, que Trump fez "muito pior" do que a participação de Nixon no escândalo da invasão do escritório do Partido Democrata, nos anos 1970, que levou à sua renúncia. "É a a evidência do que este presidente está disposto a fazer para minar o sistema eleitoral e tentar instigar de forma ilegal, indevida e imoral um golpe". Bernstein avalia que em qualquer outro momento da história dos Estados Unidos, a gravação provocaria a exigência de renúncia imediata do presidente.
O inacreditável telefonema de Donald Trump mostra que ele é capaz de fazer qualquer coisa para impedir até a data da posse de Joe Biden, o vitorioso, em 20 de janeiro..
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
Cinememória: "Encurralado" foi lançado há 50 anos. O primeiro filme de Steven Spielberg é puro terror sobre rodas. Reveja uma cena inesquecível
Quem assistiu às elaboradas e caríssimas produções de Steven Spielberg ao longo da sua brilhante carreira pode não reconhecer nesse filme de estreia do diretor o estilo que o consagrou.
Filmado em 16 dias, em 1971, com verba de poucos zeros, "Encurralado" ("Duel" no original) é um road movie que foi feito para a TV. Sem muitas pretensões, uma pequena distribuidora resolveu lançá-lo nos cinemas da Austrália. Ao constatar a receptividade do público naquele país, a Universal Studios repensou o marketing e distribuiu o filme nos cinemas dos Estados Unidos. Como telefilme, "Encurralado" tinha apenas 70 minutos. Antes de levá-lo ao circuito, os produtores chamaram Spielberg e equipe de volta à mesa de edição para adicionarem mais 20 minutos de cenas da caça que o gigantesco caminhão-tanque Mack empreende ao pequeno Plymouth vermelho. O longa assim anabolizado eletrizou plateias.
"Encurralado" é inspirado em uma situação real vivida pelo roteirista Richard Matheson. Na trama, o motorista do carro, um pacato vendedor, faz duas ultrapassagens sobre um caminhão em uma estrada do deserto da Califórnia. O caminhoneiro, que ao longo do filme se revela um psicopata, vê a manobra como uma provocação e passa a perseguir o Plymouth. A partir daí, é suspense sobre rodas até o fim espetacular (que é a cena inesquecível que destacamos nessa série de memórias do cinema que temos publicado no blog).
O protagonista é o ator Dennis Weaver. O caminhoneiro, cujo rosto não aparece no filme, apenas as mãos, é interpretado por Carey Loftin (foto ao lado), um dos mais famosos dublês de Hollywood.Mas, para muitos críticos, os verdadeiros astros do duelo na estrada são os ""cowboys" Plymouth e Mack.
REVEJA A CENA FINAL DE "ENCURRALADO" AQUI
Já viu? Clipe "Boca Suja" resume a podridão que sai da fossa cerebral do inominável
Fabiano Nasi, músico e compositor da banda gaúcha Os Flutuantes, resumiu no clipe que acaba de lançar todo o deboche de Jair do Caixão durante a pandemia.
Ao longo da trilha, ele exibe cartazes com as frases que o imundo pronunciou ofendendo o país, os quase 200 mil mortos e as sofridas famílias brasileiras.
VEJA O CLIPE BOCA SUJA AQUI
domingo, 3 de janeiro de 2021
Editora Abril vende prédio e fecha gráfica. Impressão das revistas que ainda resistem nas bancas será terceirizada
No alto do prédio da Marginal Tietê, o logo da Abril. Referência na paisagem de São Paulo vai desaparecer. Foto Reprodução Twitter
O busto do "Seu" Victor, que ficava no saguão do prédio da redação na Marginal Pinheiros. Com a crise da Abril, o fundador virou nômade. Onde andará?
por José Esmeraldo Gonçalves
A Abril cultuava dois símbolos. O famoso letreiro da árvore plantado nas capas das revistas e no alto do prédio da gráfica - durante décadas uma referência orgulhosa na paisagem de São Paulo, mais precisamente na Marginal Tietê. E o busto do fundador, Victor Civita, imponente, no saguão do NEA (Novo Edifício Abril), na Marginal Pinheiros.
Em uma madrugada de janeiro de 2015, o busto foi retirado. A editora resolvera entregar o prédio que ocupara sob arrendamento à Previ e o fundador foi primeiro a ser despejado, como ocorre com os líderes em tempo de mudanças. O Civita de bronze teve a sorte de não ser uma estátua, cuja queda seria mais espetacular. Saddam, Kadafi, Lênin, Franco, Salazar que o digam. "Seu" Victor foi embora discretamente, coberto por uma manta de juta. Onde estará?
O segundo grande símbolo da Abril, o letreiro da árvore, será podado em breve do prédio da gráfica, que voltou a abrigar também as redações. Estas, por sua vez, deverão sair da Marginal Tietê para novo endereço.
Matéria do Brasil 247 informa hoje que a Editora Abril fechará nos próximos dias sua gráfica na marginal do Tietê. O prédio será vendido. A decisão estava tomada desde o ano passado. Os títulos que a editora ainda mantém passarão a ser impressas em gráficas terceirizadas. "As revistas sobreviventes Veja, Veja São Paulo, Exame, Claudia, 4 Rodas, Saúde, Superinteressante, Você S/A e Você RH continuarão a ter versões impressas e digitais. Outras, a exemplo de Viagem & Turismo, VIP e Placar podem ter conteúdo apenas na web, como já ocorre com títulos como Capricho e o portal MdeMulher", acrescenta o 247.
Leia a matéria completa, do Brasil 247, AQUI
50 países já estão vacinando. E a terra de Jair do Caixão não tem sequer seringas
sábado, 2 de janeiro de 2021
Retrospectivas são entediantes. Já deu. Mas o jornal USA Today inovou. Fez uma brilhante Introspectiva do Ano. Cada dia uma foto que faz pensar
por José Esmeraldo Gonçalves
Retrospectivas são chatas. Em geral. A fórmula se desgastou. Talvez faça sentido ainda para desmemoriados. Ou para quem foi tão atolado por informações que precisa catalogar o que aconteceu.
Só que a mídia ainda considera uma obrigação repassar os acontecimentos do ano.
Acho que os leitores, não mais.
O USA Today conseguiu escapar do lugar comum e fez uma retrospectiva dinâmica, talvez mais adaptada aos hábitos dos leitores já formados na era digital. Montou um agregador de fotos sensacional. Uma imagem por dia. Cada foto conta um fato. E traduziu o que foi esse inacreditável 2020. Algumas fotos são tão expressivas que vão além do retrospecto.
O USA Today fez a primeira Introspectiva do Ano.
VEJA NO USA TODAY, AQUI
Cariocas esperam que o Rio renasça. Um bom sinal foi o arco-íris da virada
por Ed Sá
O Globo on line publicou ontem a foto de um arco-íris que sublinha o Cristo Redentor. Uma bela sinalização para 2021. O mundo inteiro sofreu com a Covid-19, mas só o Rio teve pestes extras. As pragas Witzel e Crivella para os quais a única vacina é o xadrez. Que a faixa de cores não apenas indique a recuperação da cidade destroçada por esses maus elementos, mas e leve os cariocas ao posto de vacinação mais próximo.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2021
The Sun: as capas mais sonhadas para 2021
The Sun publica hoje uma série de capas que os editores gostariam de estampar em 2021. Destacamos as duas acima: 100 dias sem casos de Covid na Inglaterra; e o dia em que Boris Johnson anuncia a vitória final contra o coronavírus.
Deu no Post: Quem precisa de realidade? O mercado tem vida própria...
por Flávio Sépia
A edição do Washington Post, hoje, aborda um fenômeno dos novos tempos. O mercado de ações dos EUA encerrou 2020 em níveis históricos de retorno de investimento, apesar de uma pandemia que matou mais de 340.000 americanos, deixou 20 milhões sem empregos e uma parcela da população faminta e derrubou o PIB da maioria dos países.
O índice de ações S&P 500, o indicador mais confiável, terminou 2020 com alta de mais de 16%. Dow Jones e o Nasdaq indicaram ganhos de 7,25% e 43,6%, apesar da devastação sanitária. Hospitais lotados, funerárias idem, nada disso impactou o mercado financeiro. As maiores empresas cresceram durante a pandemia ao mesmo tempo em que colocavam milhares de trabalhadores no olho da rua.
Entrevistado pelo Washington Post, Michael Farr, presidente da Farr, Miller & Washington, empresa de gestão de dinheiro, definiu: “2020 foi impressionante. Que uma paralisação econômica induzida por uma pandemia de proporções épicas tenha sido digerida com ações encerrando o ano 15 por cento mais altas é alucinante". Guardadas as proporções, com o Brasil pegando de volta o selo de país subdesenvolvido, a B3, a bolsa de valores brasileira, também pouco espelhou a devastação de empregos e as crises dos setores industrial e de serviços: o mercado registrou ganho anual de 3%. Economistas com visão social, os poucos que ainda existem, certamente vão se debruçar sobre esse fenômeno. Tentar entender porque uma fábrica de parafusos passou oito meses sem vender uma só unidade e teve suas ações valorizadas no período. O exemplo é hipotético, mas aconteceu algo semelhante com várias corporações. Uma tese é que o mercado usa os fatos apenas como gatilhos para a especulação diária, o sobe e desce que faz vencedores ou perdedores, mas, como 2020 mostrou, não é afetado pela realidade em torno.
Pandemia, desemprego, fome, países em lockdown, quem liga?
Em abril/maio do ano passado, jornalistas de mercado chegaram a falar em "momentos de pânico" nas bolsas preocupadas com a desaceleração do consumo. Se isso foi verdade, não só passou rápido como, diz o Washington Post, se transformou em euforia no mercado financeiro mais poderoso do mundo.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2020
As 10 melhores notícias do ano
1 - A descoberta das vacinas
2 - Derrota de Trump na eleições americanas
3 - As manifestações chilenas que derrubaram a Constituição fascista de Pinochet
4 - Golpe boliviano derrotado nas urnas
5 - Uma conquista das mulheres argentinas: a legalização do aborto
6 - Todas as derrotas de Bolsonaro no STF e no Congresso
7 - Crivella desmascarado
8 - As lives de Caetano e Paulinho da Viola
9 - Livro: República das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. Bruno Paes Manso. Todavia.
10 - Filme: 1917
Os 10 mais ridículos do ano
1 - Bolsonaro
2 - Neymar
3 - Damares
4 - Pazuello
5 - Anvisa
6 - Ernesto Araújo
7 - Olavo de Carvalho s
8 - Marcello Crivella
9 - Carla Zambelli
10 - Ricardo Salles
Hors-concours: todos os envolvidos na inacreditável reunião ministerial de 22 de abril no Palácio do Planalto.
A Secom faz mea culpa...
Em mensagem de Ano Novo, a SECOM tem surto de sinceridade e admite que não se inclui entre os brasileiros honestos. Veja um trecho:
“FELIZ ANO NOVO. Num ano em que muitas dificuldades surgiram; e muitas dificuldades foram criadas e impostas, os brasileiros honestos e trabalhadores levaram este país adiante e mostraram seu monumental valor”.
A SECOM não mostrou valor algum, não trabalhou e não levou o país adiante, logo...
Votos para 2021: que as equipes do Ministério da Saúde e da Anvisa pensem, pelo menos, nos seus próprios pais, avôs e amigos idosos. Que desafiem o chefe e comecem a vacinação já...
por Flávio Sépia
O ano da Covid-19 termina com a campanha de vacinação em curso em 50 países, oito vacinas liberadas, das quais seis com eficiência comprovada. A maioria dos países com estoques de seringas e agulhas adquiridos há quatro e seis meses.
Não vou dizer que o Brasil está uma zona, porque zonas não são tão desorganizadas assim. A questão que não quer calar: a catatonia do Ministério da Saúde e a inoperância da Anvisa, o show de explicam o caos. O negativismo e o desprezo militante do sociopata maior explicam tudo isso. Ninguém quer desagradar o chefe. Mas será que Bolsonaro chegou a proibir a compra de vacinas e seringas com antecedência ou foi apenas incompetência e desleixo? Os funcionários dessas instituições não poderiam ser mais afirmativos, questionar os gabinetes da raiva e do ódio, o que seja? Será que não têm famílias, não pensam nos pais idosos, nos avós, no risco que correm, na angústia que vivem?
Esses funcionários bem que poderiam aproveitar a virada do ano, se não estiverem em alguma balada bolsonarista, para refletir sobre isso.
Na década em que patrocinou mais um golpe de Estado, a Folha agradece aos leitores por "campanha pela democracia".
A Folha se orgulha de ter apoiado a campanha das Diretas, nascida nas ruas, nos sindicatos, nos diretórios estudantis, em alguns partidos, e em órgãos progressistas de classe. Mas quando se pensava que o jornal tinha aprendido algumas coisa naquela jornada, vem a campanha demolidora e novamente o apoio a um golpe, o de 2016, que derrubou uma presidente legitimamente eleita. Golpe, sabe-se como começa, como 64 ensinou, e não se faz ideia de como termina. O resultado está aí: o odioso governo de Jair Bolsonaro que tem, na sua origem, as digitais da Folha e dos demais veículos das oligarquias conservadoras da mídia. esclareça-se.
Uma boa resolução de Ano Novo seria a Folha admitir que ser democrático não se resume a um título no alto de uma página
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
Do Twitter: que hora elas voltam?
Gonzagão canta Mangaratiba (para compensar a má fama da festa de Neymar)
A bela Mangaratiba frequenta o noticiário pelo lado negativo. Não por culpa dos moradores, mas de um forasteiro. Neymar escolheu o local para fazer uma festa de arromba em plena pandemia. A cidade se revolta, mas pouco pode fazer. A balada vai rolar. O risco para Mangaratiba é que a maioria do pessoal que vai trabalhar para a diversão do jogador e sua curriola é local. O risco de contaminação por se estender aos moradores.
Melhor ficar com Gonzagão, que cantou Mangaratiba em tempos menos revoltos e de maior respeito e solidariedade. E a letra é apropriada
Mangaratiba
Luiz Gonzaga
Ôi, lá vem o trem rodando estrada arriba
Pronde é que ele vai?
Mangaratiba! Mangaratiba! Mangaratiba!
Adeus Pati, Araruama e Guaratiba
Vou pra Ibacanhema, vou até Mangaratiba!
Adeus Alegre, Paquetá, adeus Guaíba
Meu fim de semana vai ser em Mangaratiba!
Oh! Mangarati, Mangarati, Mangaratiba!
Mangaratiba!
Lá tem banana, tem palmito e tem caqui
E quando faz luar, tem violão e parati
O mar é belo, lembra o seio de Ceci
Arfando com ternura, junto a praia de Anguiti
Oh!…
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Minha parceria com Lady Day • Por Roberto Muggiati
O sistema de som do supermercado Pão de Açúcar de Botafogo sempre me recebeu com Billie Holiday cantando uma das 230 faixas que gravou na Columbia entre 1933 e 1944, geralmente um Lado A com o sax tenor de Lester Young, tipo All of Me ou This Year’s Kisses. Agora, morando em Laranjeiras, vejo a banca de vinis do Miranda perpetuar Lay Day com umas trinta capas de seus LPs no mostruário de cinquenta. E ainda outro dia entreouvi na veterinária: “Como é mesmo o nome da gatinha? Billie?” “Sim, da cantora, Billie Holiday.” São amostras cariocas que se repetem mundo afora, fixando Lady Day como uma das maiores figuras cult do nosso tempo.
Orgulho-me de ter participado da sua história. E isso só aconteceu graças à experiência adquirida na Manchete. Quando a editora Zahar me convidou em 2003 para fazer uma nova tradução da autobiografia de Billie, Lady Sings the Blues, sugeri acrescentar um epílogo. A edição original, publicada em 1956, não cobria os três anos e meio derradeiros da cantora, que morreu em 17 de julho de 1959. O livro não foi daqueles trabalhos convencionais de ghost writer. Amigos de longa data – ela era madrinha do único filho dele – Billie e o jornalista William Dufty compartilhavam ideias progressistas e lutavam por justiça social. Ele já conhecia a maior parte da história de Lady Day quando se sentaram para fazer o livro. O modo descontraído de ser e de falar de Billie foi admiravelmente captado pelo escritor de ouvido musical. A primeira frase do livro é exemplar; “Mamãe e papai eram só duas crianças quando se casaram. Ele tinha dezoito anos, ela dezesseis e eu três.” Os 24 capítulos do livro receberam títulos de canções de Billie. O último se chamava God Bless the Child. Completei a trágica história de Billie com um epílogo intitulado Please Don’t Talk About Me When I’m Gone, uma de suas canções favoritas. Raros artistas construíram seu repertório com tanto rigor. Ela preferia cantar várias vezes o mesmo standard, a fazer concessões às chamadas novelties, como Mack the Knife ou La Vie en Rose.
Pesquisando nas muitas biografias da cantora que continuavam – e continuam – saindo, encontrei fatos ignorados sobre seu intenso final de vida. Numa de suas últimas turnês à Europa, ela se apresentou em uma sala do teatro La Scala de Milão – imaginem só, Lady Day invadindo o sacrossanto espaço da divina Callas! Foi o marido Louis McKay, que vivia às suas custas, quem insistiu na ideia da autobiografia, visando a um filme: estavam em moda as biografias de cantoras como Jane Froman (interpretada por Susan Hayward) e Ruth Etting (Doris Day). A primeira estrela cogitada para o papel de Billie foi Dorothy Dandridge, uma morena light que fizera sucesso em Carmen Jones. Depois se falou em Ava Gardner e – pasmem! – na loura gelada Lana Turner... Só em 1972 o filme, Ocaso de uma estrela, chegaria às telas, numa versão equivocada, com Diana Ross, uma negra de alma branca, no papel de Billie e – pior – destroçando suas canções.
Em novembro de 1956, numa volta triunfal aos palcos, Billie apresenta-se no Carnegie Hall. No intervalo de cada canção, o jornalista Gilbert Millstein lê trechos da autobiografia. No final de 1957, ela é documentada admiravelmente em vídeo em “The Sound of Jazz”, da CBS, cantando Fine and Mellow com os três grandes do sax tenor – Lester Young, Coleman Hawkins e Ben Webster – nove minutos preciosos da cantora em close num preto-e-branco intimista.
A morte de Lester Young em março de 1959, aos 49 anos, foi um choque brutal para Billie. Por um quarto de século os dois viveram a grande love story musical do jazz. Foi ele quem a apelidou de Lady Day. E ela retribuiu, apelidando-o de Prez. Billie ridicularizava a quantidade de realeza entre os jazzistas – Counts, Dukes, Kings. Earls... “Porra, quem manda mesmo neste país é o Presidente!” E Lester tornou-se The President, ou simplesmente Prez. A partir dessa grande perda, Billie começou a definhar. Depois de um colapso em 31 de maio, acabou numa tenda de oxigênio. Mal saiu, voltou a fumar. Seu problema principal era a cirrose hepática, mas o coração, os rins e outros órgãos estavam comprometidos por sua péssima condição física. Hospitalizada, foi flagrada por posse de heroína – possivelmente “plantada” por uma enfermeira.
O teatrólogo Edward Albee escandalizou o mundo em 1960 com sua peça A morte de Bessie Smith, baseada na história real da cantora que sangrou até morrer num hospital de Memphis que se recusou a atender uma paciente negra. O que aconteceu com Billie foi ainda mais brutal. Cito do epilogo:
“No dia 12 de junho ela foi presa e acusada da posse de narcóticos. Tiraram-lhe tudo: o rádio, o toca-discos, as flores, as revistas de fofocas e de quadrinhos, uma caixa de chocolates, um sorvete italiano, o telefone, e dois guardas foram postados diante da sua porta. Dizem até que levaram graxa preta e almofada de carimbo para tirar suas impressões digitais. Billie foi algemada à cama de hospital por dois detetives.”
Um depoimento à revista de fofocas Confidential, escritor por William Dufty, rendeu a Billie 750 dólares. Ela ocultou na sua vagina as quinze notas de cinquenta dólares presas num rolo com fita adesiva. No livro de 2002 Jazz and Death, o médico Frederick J. Spencer argumenta: “O esconderijo secreto de Billie Holiday pode ter contribuído para sua morte. Provavelmente tinha um cateter urinário inserido como parte do tratamento, uma avenida potencial para que a infecção alcançasse a bexiga. Esconder qualquer substância na vagina aumentaria esse risco. Se uma infecção subisse pelo trato urinário até a bexiga ou os rins, qualquer complicação seria fatal. Isso ocorreu sob a forma de ‘edema dos pulmões’, uma consequência comum do repouso prolongado numa cama. A aeração inadequada das bases dos pulmões leva ao edema, o que aumenta a carga de esforço sobre o coração. A condição de Billie já era séria demais sem esta tensão.”
Das dezenas de reedições americanas e traduções nos mais variados idiomas, a que eu fiz para a Zahar em 2003 é a única que conta a história completa de Billie Holiday. Verifiquei pela Estante Virtual que ainda existem exemplares da tradução de 1985 da Brasiliense, mas a edição da Zahar está praticamente esgotada – o que mostra a sua boa aceitação. Sinto-me gratificado por ter acrescido, às 204 páginas da autobiografia original, onze páginas de novas informações. Entre elas a antevisão que Billie teve do seu destino ao afirmar: “Você não é ninguém nos Estados Unidos antes de morrer. A partir daí, você é a maior.”