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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Assalto digital: a internet se conecta ao submundo do crime


Título do Metrópoles sobre a investigação da Polícia Federal


por Flávio Sépia

Até o século 20 as zonas de crimes se estabeleciam em bairros normalmente sinistros. Era assim na Chicago nos anos 20, no Brownsville de Nova York até hoje não alcançado pelas luzes de Manhattan, na escura periferia de Londres no fim do século 18 ou nos sujos subúrbios de Paris onde a belle époque nunca chegou. Atualmente a criminalidade digital e chique usa paletó e gravata, dirige BMW, frequenta finos restaurantes, ostenta mansões e Rolex e atua no ambiente asséptico de aplicativos e redes sociais. 

Claro que o crime analógico descamisado ainda tem seu espaço, suas gangues e seus territórios. Nas grandes capitais brasileiras por exemplo. Mas isso não quer dizer que o Brasil não se atualizou nas modernidade. São muitas as modalidades de crime praticadas aqui via internet. 

Os jornais, hoje, revelam um golpe de bilhões praticado por fintechs (abreviatura de  financial technology), que são as startups que operam nos mercados financeiros alavancadas por aplicativos que movimentam grandes somas de dinheiro e emulam sistemas bancários. A Polícia Federal investiga fintechs que "prestam serviços" a empresas e ao crime organizado no ramo de sonegação, ocultação e lavagem de dinheiro fora dos mecanismos oficiais de vigilância. Um procedimento muito lucrativo para os techomeliantes. Se uma empresa está no alvo de credores não haverá contas a bloquear pela justiça. A grana assume poderes de invisibilidade e circula etérea e inatingível.  

Esse é, digamos, um golpe no atacado. Já no varejo é intensa a atuação de muitos dos chamados influencers, seja por meio de rifas 171, venda de produtos inexistentes, falsa captação de doações e uma infinidade de modalidades cujo único objetivo é afanar dinheiro dos incautos ou desatentos. Em esquemas mais organizados operam criminosos especializados em fraudar pix, invadir contas e roubar dados. 

Apesar disso, a internet não é terra sem lei. Os crimes digitais deixam rastros e seus autores podem ser localizados. Mas a tarefa não é fácil. Querem um exemplo? A Justiça Eleitoral bloqueou nas redes sociais as contas de Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo, que já foi condenado por golpes bancários e se apresenta como coach e influencer. O que ele fez? Simplesmente abriu novas contas que passaram a veicular as mesmas fake news, ofensas morais e ilegalidades de campanha. Um drible safado e muito comum na lei quando se trata de delinquência digital..

O pior entre as funções derivadas do uso criminoso da tecnologia é a ameaça à democracia. No ambiente político , as redes sociais são capazes de despertar o que de mais doentio pode existir nos porões da sociedade. Você pisca e a tela do seu celular exibe racismo, intolerância, incitação à violência, preconceito, defesa da teocracia, do golpismo, coleções de peças de fascismo e nazismo, exaltação às armas, ódio ao pobre, ao feminismo e à igualdade de gênero. 

A turba que emerge das redes sociais para a vida real já mostrou do que é capaz, como na invasão do Capitólio ou na versão verde-amarela do ataque à democracia, o 8 de Janeiro de recente memória. A democracia não aprendeu a lidar com tantas ameaças. Aprenderá um dia?   

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terça-feira, 6 de junho de 2023

Manifestações de 2013: a revolução dos otários pariu a onda fascista

Usada nas manifestações de 2013, a camisa da seleção se transformaria
nos anos seguintes em uniforme da direita radical. Coincidência? Foto Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil 

por Flávio Sépia

Provavelmente, havia os bem-intencionados, mas os manifestantes de 2013 não contavam com a história. 

Se havia democratas entre as pessoas que foram às ruas, o tempo, essa divindade cruel, os consagrou dez anos depois como os maiores otários do século. 

O que as manifestações de 2013 produziram? 

O golpe contra Dilma Roussef, a ascensão de Eduardo Cunha e Temer, a corrupção e os desmandos jurídicos da Lava Jato e a onda de colunistas da ultra direita que ocupou os princpais veículos. As "jornadas" de 2013, que a mídia conservadora exaltou nos últimos dias, levou para as ruas uma horda de preconceitos, racismo e agressividade, "valores" que, em seguida,  foram colados nas urnas e elegeram políticos fascistas. O pior: transformaram um sujeito do baixo clero em presidente. 

Não se pode dizer que os manifestantes de 2013 não mudaram o Brasil. Mudaram muito e para pior. 

O manifestantes de 2013 deram sua contribuição para que Bolsonaro e suas gangues políticas desmontassem a fiscalização do meio ambiente, botassem armas nas mãos de assassinos e atravessadores de fuzis para o crime organizado, matassem Marielle e Anderson, Dom e Bruno, Luiz Carlos Cancelier, Marcelo Arruda, além de líderes ambientais e rurais e indígenas, produzissem na legislatura passada e repetssem em 2022 dois dos piores Congressos da história política do Brasil, anulassem leis trabalhistas e previdenciarias, transformassem a "rachadinha" em fonte de enriquecimento, destruissem empregos, tentassem normalizar o trabalho escravo e, finalmente, levassem o Brasil a ser top five global em números de mortos durante a Covid. 

O país tenta agora se recuperar disso tudo. Conseguirá?  Há dúvidas. O processo político que as manifestações de 2013 despertou também resultou em um Congresso com maioria da direita que, 10 anos depois, tenta paralisar o governo. 

A inspiração fascista que saiu das ruas não foi embora. Os ataques terroristas em dezembro e janeiro últimos são o mais recente troféu que ainda traz digitais das "jornadas" de 2013. As mesmas forças continuam aí. 

Estranhamente, sumiram apenas os jovens que pediam passagens de ônibus a 20 centavos. Os preços aumentaram acima das inflação nos anos seguintes e eles nunca mais deram as caras. Desapareceram os black blocs, que tinham a missão de acender o gatilho da violência nas passeatas e justificar a repressão policial. Os manifestantes de 2013 protagonizaram na verdade uma versão tosta, mas efetiva, da Marcha sobre Roma de 1922. A mão que os levou às ruas pode voltar, a qualque momento, a ameaçar a democracia. Alguém duvida?      

sábado, 9 de abril de 2022

Mídia: como reconhecer um colunista, comentarista, editorialista ou âncora que é bolsonarista enrustido


A maioria sairá do armário no segundo turno das eleições. Isso costuma acontecer sempre que a esquerda leva um candidato às finais. Mas antes disso, durante a campanha, eles emitem sinais inconfundíveis. 

Nos anos 1950 foi popularizada na política uma expressão que surgiu em quartéis no embalo da Guerra Fria. "Fulano é 'melancia'". No Brasil, as Forças Armadas são majoritariamente instrumentos da direita e ultra direita, posição bem caracterizada pelos golpes e ditaduras que patrocinaram. Não é preciso ser comunista: se um militar mostrar sutis ideias progressistas ou se der pista de que é socialista ou mesmo social democrata provavelmente ganhará a definição interna, em alusão à farda, de "verde por fora vermelho por dentro". Um "melancia".  

A esquerda ainda não deu nome de fruta ou verdura aos jornalistas que são verdes por dentro, mas a especie viceja na atual corrida eleitoral. Como não disfarçam muito, devem ser "abacates" plenos que ficarão maduros assim que o TRE totalizar os votos do primeiro turno. 

Conheça as cepas da bolsonarite quase assintomática que assola certos editorialistas, comentaristas e âncoras e colunistas da mídia neoliberal.

*  Prefere chamar os escândalos de corrupção do governo Bolsonaro de "irregularidades".

* Elogia a política econômica do governo e evita críticar Paulo Guedes.

* Se Bolsonaro passar um dia sem criticar o STF, o jornalista comemora a "nova fase de respeito às instituições"*'.

* Faz campanha contra título de eleitor para jovem a partir de 16 anos.

* Quando crítica alguma medida de Bolsonaro sempre faz a ressalva de que Lula fez pior.

* Escreve colunas inteiras ironizando o "politicamente correto" , uma das bandeiras dos bolsonaristas.

* Vê manifestações racistas e nazistas como "liberdade de expressão".

* Critica o banimento de termos e expressões que os movimentos negros classificam de preconceituosas.

* Atribui a alta dos juros, do dólar e da inflação sempre à crise mundial. Enchentes em Petrópolis à mudança do clima.

*Começa a deixar de lado a expressão  "terceira via". Agora chama de "Centro Democrático" as pré-candidaturas dos  ex-bolsonaristas  Sérgio Moro, João Dória, Simone Tebet e Eduardo Leite. 

* Ainda intitula Olavo de Carvalho de "filósofo".

* Quando fala do desastre ambiental no governo Bolsonaro poupa o agronegócio, o maior responsável segundo instituições internacionais respeitadas.

*  Não condena garimpo nem mineração em terras indígenas.

* Não critica a liberação indiscriminada de agrotóxicos.

*  Não chama a queda de Dilma de golpe.

*  Evita comentar agressões de bolsonaristas a repórteres.

* Acredita que o mercado e a especulação financeira sempre têm razão. 

* Acha Paulo Guedes um cara espirituoso e "grande frasista" mesmo quando agride porteiros, empregadas domésticas, aposentados...

* Chama tortura de "maus tratos". 

* Reservou uma passagem para Paris, em novembro. Quem sabe...

quinta-feira, 7 de abril de 2022

A mídia só pensa naquilo

por Flávio Sépia. 

O volume de tempo e espaço que a política profissional ocupa em jornais, revistas, sites, redes sociais, rádio e TV no Brasil e espantoso. Nos países desenvolvidos, eleições mobilizam os meios de comunicação, claro, mas não são tão absolutas nem tão massivas. O debate eleitoral já é intenso na mídia há quase um ano. A partir de agora vai virar coisa de doido. Isso não quer dizer que necessariamente melhora a escolha do eleitor. São discussões seletivas às quais candidatos fora do espectro político que manda no país têm pouco ou nenhum acesso. O fenômeno ocorre há muito tempo e a qualidade do voto só piora. Lembra de 2018, quando muitos  pilantras ganharam votos em todo o país e o povo iludido só descobriu depois?

A mídia neoliberal está engajada na busca da chamada terceira via (que os jornalistas em adesão ao marketing partidário estão chamando agora pela alcunha pomposa e falsa de Centro Democrático). Sonham com um candidato que rompa a dita polarização entre Lula e Bolsonaro, os atuais líderes das pesquisas. Um candidato assim evitaria que as oligarquias da grande mídia tenham que embarcar no jet ski de Bolsonaro como aconteceu em 2018. A melhor chance de um nome alternativo a Lula e Bolsonaro pode estar na estratégia de juntar no mesmo saco União Brasil, MDB, PSDB e Cidadania para sair com um candidato único. Dizem que isso será anunciado no dia 18 de maio. 

Como o Brasil é um país onde o que parece mudança pode ser apenas mais do mesmo, o candidato que pode sair do sacolão do "Centro Democrático" não tem nada de centro e tem pouco de democrático. João Dória, Simone Tebet, Eduardo Leite e Sérgio Moro, os mais cotados, foram eleitores de Bolsonaro ou bolsonaristas praticantes. 

Pesquisa recente da Quaest aliás indica que os bolsonaristas arrependidos não são tão arrependidos assume estão voltando para o curral do gado. 

Não é difícil imaginar que tipo de democracia pode sair desse centro elitista que só vê pobre em tempo de eleição ou em quadro de Portinari ou foto de Sebastião Salgado. Isso se em matéria de arte conheceram algo mais do que Romero Britto.

quarta-feira, 23 de março de 2022

O "171" oficial...

Pensou que o desconto chegaria até você. O Globo alerta

por Flávio Sépia

O governo Bolsonasro anuncia cortes de impostos e redução de alíquotas em combustíveis e alimentos. A mídia noticia e os brasileiros sufocados por inflação, desemprego, informalidade e achatamento salarial sonham com alguma alívio no bolso. No começo tudo é festa. De olho na reeleição, o presidente, o Centrão, ministros etc faturam no jogo eleitoral. Passados alguns dias, como cita o Globo em matéria hoje, a verdade começa a aparecer. Empresários e a cadeia do mercado absorvem a maior porção ou tudo na redução ou no fim dos impostos. É o que sempre acontece. Foi assim com os combustíveis em iniciativas anteriores do tipo. Isso já aconteceu com reduções de ICMS e IPI. Há alguns anos, o governo reduziu o IPI dos carros. O consumidos foi beneficiado? Necas. As montadoras alegavam que a maior demanda por determinados modelos neutralizava o desconto. No fim de fevereiro, o governo anunciou o corte do IPI em carros (alguns modelos tiveram desconto de cerca de 18%). Em março, sites especializados no mercado, apontaram que, para o consumiror, nada tinha mudado. Ninguém fiscaliza se o desconto chega ou não chega ao consumidor.

A Associação Comercial de São Paulo mantém o Impostômetro, um totalizador do pagamentos de tributos. Beleza. Mas deviam inaugurar o Sonegômetro. Quando muitos deixam de pagar, os impostos logicamente ficar mais altos para quem cimpre suas obrigações fiscais. Seria educativo o Sonegômetro. 

Quer ver outra forma de enganar o contribuinte-consumidor-usuário? Em função da estiagem recente que afetou as hidrelétricas, a geração de energia ficou mais cara pelo uso de termelétricas movidas a gás, diesel e carvão. O governo vai ajudar as distribuidoras com dineiro público e já avisa que o consumidor pagará na conta de luz o montante bilionário. Estranhamente, mídia e economistas chamam a ajuda de "empréstimo". Para o cidadão comum, emprestimo é algo que o tomador se compromete a pagar. No caso desse "empréstimo", a mídia não esclarece. E fica a pergunta: se o governo vai "emprestar" os bilhões às distribuidoras e deixa claro que recolherá depois o valor na conta dos consumidores, quando as distribuidoras pagarem o "empréstimo" os consumidores receberao de volta o que "emprestaram" ao govero? 

Se isso não acontecer, a bufunfa não é "empréstimo" e sim doação. Certo?

domingo, 18 de abril de 2021

Na capa da Time:

 


por Flávio Sépia

Na quarta-feira, 21 e quinta, 22, líderes mundiais se reunirão virtualmente para discutir o futuro do planeta. É a Cúpula do Clima. O Brasil vai participar. Espera-se mais um vexame. O governo Bolsonaro levará para a conferência sua política ambiental declaradamente ditadas por madeireiros, garimpeiros, latifúndios, pecuaristas e ocupantes ilegais de terras públicas e reservas. E, como último fato, o afastamento do delegado da PF que emitiu notícia-crime conta o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. 

A Time levanta um debate mundial, que vai além do desvario brasileiro. Os governos estão longe de cumprir as metas de controle das emissões de carbono e do aquecimento global. A revista defende que a pandemia deve ter como consequência mudanças de paradigmas rumo a um mundo menos hostil à natureza e mais amigável com a única "casa" que a humanidade possui: o planeta. 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Deu no Post: Quem precisa de realidade? O mercado tem vida própria...


Reprodução Washington Post

por Flávio Sépia 

A edição do Washington Post, hoje, aborda um fenômeno dos novos tempos. O mercado de ações dos EUA encerrou 2020 em níveis históricos de retorno de investimento, apesar de uma pandemia que matou mais de 340.000 americanos, deixou 20 milhões sem empregos e uma parcela da população faminta e derrubou o PIB da maioria dos países. 

O índice de ações S&P 500, o indicador mais confiável, terminou 2020 com alta de mais de 16%. Dow Jones e o Nasdaq indicaram ganhos de 7,25% e 43,6%, apesar da devastação sanitária. Hospitais lotados, funerárias idem, nada disso impactou o mercado financeiro. As maiores empresas cresceram durante a pandemia ao mesmo tempo em que colocavam milhares de trabalhadores no olho da rua. 

Entrevistado pelo Washington Post, Michael Farr, presidente da Farr, Miller & Washington, empresa de gestão de dinheiro, definiu:   “2020 foi impressionante. Que uma paralisação econômica induzida por uma pandemia de proporções épicas tenha sido digerida com ações encerrando o ano 15 por cento mais altas é alucinante". Guardadas as proporções, com o Brasil pegando de volta o selo de país subdesenvolvido, a B3, a bolsa de valores brasileira, também pouco espelhou a devastação de empregos e as crises dos setores industrial e de serviços: o mercado registrou ganho anual de 3%. Economistas com visão social, os poucos que ainda existem, certamente vão se debruçar sobre esse fenômeno. Tentar entender porque uma fábrica de parafusos passou oito meses sem vender uma só unidade e teve suas ações valorizadas no período. O exemplo é hipotético, mas aconteceu algo semelhante com várias corporações. Uma tese é que o mercado usa os fatos apenas como gatilhos para a especulação diária, o sobe e desce que faz vencedores ou perdedores, mas, como 2020 mostrou, não é afetado pela realidade em torno. 

Pandemia, desemprego, fome, países em lockdown, quem liga? 

Em abril/maio do ano passado, jornalistas de mercado chegaram a falar em "momentos de pânico" nas bolsas preocupadas com a desaceleração do consumo. Se isso foi verdade, não só passou rápido como, diz o Washington Post, se transformou em euforia no mercado financeiro mais poderoso do mundo.


sábado, 11 de janeiro de 2020

A mídia neoliberal e o jornalismo de mercado na ilha da fantasia





por Flávio Sépia

Em relação ao governo Bolsonaro, a mídia neoliberal tem, como se vê, duas linhas claras; apoia ferozmente a política econômica, o ajuste fiscal selvagem, os cortes de programas sociais e a supressão de direitos trabalhistas, previdenciários etc, e reserva algum espaço para críticas nos campos ambientais, de educação, política externa e temas de comportamento.

No fim de dezembro, essa mídia exaltou um suposta recuperação da economia, saudou previsões do mercado e passou dias soltando fogos de artifício editoriais a estatísticas, inclusive uma sobre aumento de vendas do comércio no fim de ano que se revelou inconsistente.

Foram os efeitos do espírito de Natal, dos fogos de artifício e do espumante?

O ano virou e a realidade veio à superfície. Inflação acima da meta, ao contrário do que os jornalistas e colunistas de mercado festejaram, queda brusca da produção industrial, explosão do endividamento das famílias, aumentos de produtos, serviços e alimentos, além de queda das exportações e uso das reservas estratégicas em dólar, o que significa começas a queimar o colchão que evita o caos nas contas.

Se no dia da divulgação desses números desfavoráveis a abordagem foi discreta, hoje o assunto praticamente sumiu das primeiras páginas. A exceção é a Folha que, mesmo assim, atribuiu as nuvens negras que jogaram água no chope neoliberal apenas à carne.

A ilha da fantasia começou o ano sob terremoto.

domingo, 9 de junho de 2019

Chernobyl e Fukushima: marcas das tragédias

por Flávio Sépia 

Filmes e séries que denunciam as terríveis consequências de acidentes nucleares são importantes para despertar consciências sobre os danos irreparáveis que causam ao meio ambiente, quando colapsam, e às populações atingidas. Valem também como alertas sobre os riscos permanentes e inerentes a esse tipo de geração de energia.

O problema é que a abordagem dessas tragédias - quando se transformam em entretenimento - vem invariavelmente contaminada por irradiações ideológicas.

Mais ou menos assim: Chernobyl, em 1986, foi acidente do "mal", produto da "burocracia socialista"; Fukushima foi um imprevisto lamentável que a mídia em geral apresenta como contido pela "eficiência capitalista".

Nenhuma da duas interpretações é verdadeira. Apesar da alegada segurança tecnológica, acidentes nucleares acontecem, como já demonstrado em usinas dos Estados Unidos, da França e da Alemanha.

A série Chernobyl, da HBO, tanto apresenta verdades como manipula, desloca e cria "fatos". Por exemplo, ao mostrar 400 mineiros trabalhando nus na descontaminação. Isso, segundo agências internacionais europeias que acompanharam - e até ajudaram a financiar a limpeza da área e a construção de sarcófagos - não foi constatado até hoje em nenhum relato de testemunhas nem antes nem depois do fim da União Soviética. A queda de um helicóptero sobre o reator, por ter se aproximado demais, também não aconteceu. Um helicóptero de fato que se chocou com um guindaste semanas depois do acidente e não no dia seguinte e em local afastado do reator. Além disso, há personagens inspirados em cientistas e técnicos que existiram e há outros criados pelos roteiristas da série.

O último dia 11 de março marcou oito anos do desastre de Fukushima, que ocorreu em 2011, e é reconhecido como acidente nuclear de gravidade semelhante a Chernobyl. Não é uma competição, ambos são terríveis. E além disso, ao contrário que que se imagina, não foi contido: cerca de 300 toneladas de água contaminada continuam vazando diariamente para o Pacífico. O combustível nuclear derretido permanece entre as ruínas.

Inicialmente, a empresa Tepco (subsidiária da americana General Eletric), proprietária da usina, atribuiu o acidente ao tsunami que provocou o derretimento de três reatores. O tsunami existiu, o que não existiu e era exigido foi uma estrutura adequada e bem mais cara capaz de obrigatoriamente resistir a terremotos e tsunamis eventos que frequentemente atingem o Japão. A reação das equipes de contenção foi lenta, o trabalho de resfriamento dos reatores ineficaz e criticado por especialistas.

Há relatos de que a empresa sabia dos problemas dos reatores desde anos antes da tragédia, e não agiu. O desastre deixou mortos. É impreciso o número de vítimas ao longo dos anos em consequência da radiação de Fukushima. Em Chernobyl, 31 pessoas morreram imediatamente e muitos milhares, um cifra que talvez jamais seja conhecida, pereceram depois por exposição a material radioativo.

Assim como a nuvem radioativa de Chenobyl alcançou a Europa, a contaminação espalhada por Fukushima circulou na atmosfera. Lançada ao mar, alcançou pontos em 100 milhas ao largo da Califórnia.

Não há previsão de quando os técnicos japoneses controlarão o vazamento e recolherão o urânio derretido no interior das instalações.

Parte da província em torno de Fukushima tornou-se radioativa. São chamadas "zonas de exclusão". Há cidades e vilas fantasmas, sem presença humana.

Mesmo assim, o governo japonês pretende usar as Olimpíadas de 2020 como vitrine do trabalho de descontaminação. Áreas da região entrarão no marketing governamental. A cidade de Fukushima, que fica a 20 quilômetros da usina, receberá jogos de beisebol.

Enquanto isso, agências de turismo da Ucrânia, onde fica Chernobyl, informam que a série da HBO fez crescer em 40% o número de turistas que visitam Pripyat (sob determinadas condição, inclusive restrito tempo de permanência), a famosa cidade fantasma que restou como lembrança silenciosa do terrível desastre.

Haverá pacotes turístico para um tour olímpico em Fukushima?


Em 2016, a revista Galileu publicou uma matéria do fotógrafo Keow Wee Loong, da Malásia, que visitou a zona de exclusão de Fukushima. Você pode vê-la AQUI


No site da Magnum, você pode ver fotos de Chernobil e Pripyat feitas em 2017. AQUI 

sábado, 1 de junho de 2019

Na capa da Piauí: o exterminador de florestas...


por Flávio Sépia 
O governo da terraplana também não acredita em mundo globalizado. Com a histeria administrativa típica dos regimes radicais, as facções da direita no poder investem contra as políticas do meio ambiente e, ao mesmo tempo, interpretam o comércio exterior sob a ótica do "bem" contra o "mal", de "Jesus" contra o "Diabo". Fazem chover no país uma tempestade de agrotóxicos e acham que isso será um segredo nosso. Implodem as políticas sociais e esperam ganhar elogios nos fóruns internacionais.
A matéria de capa da Piauí é sobre um desses pontos; as florestas brasileiras. As reações já são visíveis em vários países desenvolvidos e cresce o risco de barreiras e restrições às exportações. Pressionados pelas suas respectivas sociedades, alguns países podem restringir compras de alimentos de um parceiro irresponsável que destrói suas matas e envenena os produtos que  exporta. Talvez o Brasil se sinta seguro para ter a motosserras e o galão de agrotóxicos como "valores nacionais" porque dois do grandes compradores, os Estados Unidos e a China, não ligam para minúcias éticas. Mas a Europa, outro grande mercado, já sinaliza o incômodo.
Cresce a percepção de que o Brasil tornou-se o grande vilão: o Darth Vader do mundo civilizado.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

E o mico dourado do Oscar vai para a... TV brasileira




NAS REDES SOCIAIS, A ATRIZ GLÓRIA PIRES FOI A CAMPEÃ DOS MEMES. REPRODUÇÕES
por Flávio Sépia
Parecia a cobertura da TV da Coréia do Norte com link direto com a emissora do atol de Tuvalu. Um bate-cabeça sem fim. A rede social, atenta, registrava on line, segundos depois, cada mancada de Glória Pires, a campeã em memes da noite na bancada da Rede Globo. Enquanto Maria Beltrão e Arthu Xexéo tentavam segurar a onda, Glória confessava não ter visto filmes concorrentes, não demonstrava ter a informação cinematográfica do falecido José Wilker, que tradicionalmente ocupava aquele posto, e resumia suas opiniões em curtos vocábulos. Dramático. Não poucas vezes, Maria Beltrão era surpreendida por receber a bola de volta tão direta e rapidamente. Assim o papo não rendia. Restou a impressão de que a simpática atriz não tinha a menor afinidade com a tarefa para a qual foi escalada.
Foi duro de ver para quem não tinha TNT, que optou por tradução simultânea e comentários de Rubens Ewald Filho e Domingas Person, com a vantagem de ser "local" na terra do Oscar e ter quatro repórteres com acesso privilegiado ao tapete e aos bastidores da premiação.
Já a cobertura do GNT, ao vivo, no tapete vermelho, estava estranhamente desarticulada. Parecia aquele time de futebol que joga sem técnico confiando no atacante que diz 'passa pra mim que eu chuto' ou o goleiro que se garante na base do 'deixa comigo'. Excesso de confiança que resultou em desastre.
Claro que não é fácil obter entrevistas com atores e atrizes no disputado red carpet. Por isso, os repórteres contam com apoio de equipes de produtores que se dedicam a "pescar" entrevistados ou com a ajuda dos assessores das distribuidoras dos filmes concorrentes. O mercado de cinema, no Brasil, é um dos maiores do mundo, e em outras edições, repórteres brasileiros devem ter conseguido sensibilizar o staff das distribuidoras já que, em várias ocasiões e canais, conseguiram acesso e entrevistas, vá lá, poucas mas decentes.
No caso da GNT, no estúdio, o mais comum era o enquadramento do trio (Astrid Fontenelle, Lilian Pacce e Flávio Marinho) com olhar torto ou perdido para algum ponto ao lado do câmera onde deveria estar um telão, comentando cenas supostamente "incríveis" que infelizmente não eram acessadas pelo assinante, no caso, simplesmente, o mané que pagou para ver. Especialistas, ele em cinema e ela em moda, Flávio e Lilian parecia subaproveitados e também não resistiram ao improviso. Uma pergunta frequente na cobertura do GNT, seja da âncora ou do repórter que entrava numa fria, ao vivo, diretamente do tapete, era "vocês viram fulano?", "gente, fulano já passou?" "produção, ajuda aí".
Não, ninguém viu, nem o pobre do assinante que pagou para ver.
No tapete, jogado às feras, o "repórter" era o blogueiro Hugo Gloss, que atuava como se fosse apenas um fã no "sereno", aquele espaço informal das estreias onde tietes se limitam a ver os ídolos passarem enquanto emitem gritinhos para chamar atenção. Completamente "vendido", o máximo que ele conseguiu foi pedir para o "Brazil" um aceno de Matt Damon e todos da GNT ficaram aparentemente felizes com o feito, provavelmente o "ponto alto" e certamente o diferencial da trapalhada do canal.
Não sou dessa geração, apenas conheço a lenda, mas imagino que na Era Boni, o próprio teria entrado ao vivo no estúdio para botar ordem na casa.
No ano passado, algumas atrizes de Hollywood criaram a hastag #AskHerMore para incentivar repórteres a perguntarem no tapete vermelho algo mais consistente do que o vestido que elas usavam. Já estavam de saco cheio de responder a isso.
Não sei que hastag criariam se vissem o que vimos na TV. Provavelmente #OhMyGod. A mais indignada sigla da web: OMG!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Sujou! Veja como ditaduras, guerrilhas e terrorismo deram (má) fama a certos modelos de carros...

O Puma, do Riocentro
por Flávio Sépia
O próximo dia 1° de maio marca 35 anos do atentado do Riocentro que, à parte as consequências políticas, ficou associado a um modelo de carro: o Puma. Aparentemente, o vínculo reforçado por capas de jornais e revistas não prejudicou a marca e o carro continuou sendo fabricado até 1990.
O famoso "Puma do Riocentro" não foi, contudo, o primeiro carro a ficar rotulado por ações políticas ou repressivas.
O Karmann Ghia de Zuzu Angel em matéria do repórter
Henrique Koifman para a  Manchete.
Em abril de 1976, há 40 anos, a estilista Zuzu Angel foi morta em um atentado, no Rio. Zuzu incomodava a ditadura militar por protestar publicamente, denunciar e pedir punição para os assassinos do seu filho, o militante político Stuart Angel, morto em um quartel da Força Aérea. Em depoimento à Comissão da Verdade, um ex-agente da repressão relacionou o "acidente" a uma operação formulada por forças de segurança. O carro que Zuzu Angel dirigia, um Karmann Ghia TC, despencou de um viaduto na Estrada Lagoa-Barra, no Rio, matando instantaneamente a estilista.
O BMW Neue Klasse, o preferido do grupo Baader-Meinhoff
Também nos anos 70, o grupo Baader-Meinhoff que pretendia deflagrar uma revolução armada na Alemanha Ocidental, usava nas suas operações, preferencialmente, o BMW 2002, um carro de aparência comum, que não chamava atenção, mas tinha desempenho esportivo e motor potente. Além disso, o grupo agia com veículos roubados e aquele BMW, também conhecido como Neue Klasse, podia ser facilmente acionado por ligação direta.
O Baader-Mainhoff tantou usou o BMW que a sigla do fabricante passou a ser traduzida popularmente como Baader-Meinhoff Wagon.
Os Ford Falcon que eram usados pela ditadura
argentina em sequestros e assassinatos/Reprodução Sblog
Já os agentes da ditadura argentina popularizaram o tipo de carro com o qual praticaram sequestros e assassinatos de opositores dos governos militares: o Ford Falcon. Para milhares de vítimas da repressão e suas famílias, o carro era uma espécie de fantasma que saia das sombras para conduzir civis à morte. Não faz muito tempo, uma ordem judicial obrigou um quartel argentino a abrir suas instalações levando agentes judiciários a encontrar 43 Ford Falcon guardados há três décadas em um galpão. Era a frota de veículos sem pintura especial, sem numeração ou qualquer registro, que foi usada pelos esquadrões da morte da ditadura portenha.
A Veraneio dos anos 70, adotada pela ditadura brasileira/Reprodução

O Opala em cores civis foi usado em operações de sequestros de opositores
do regime militar brasileiro. O "vamos dar uma volta" do anúncio é tragicamente sugestivo. 
A ditadura brasileira usava as camionetes Veraneio tanto com pintura das várias organizações policiais quanto em cores "civis" para operações secretas. O Opala também foi muito adotado, especialmente em versão com pintura standard, sem qualquer identificação. Mas em 1981, no caso da bomba do Riocentro, com a qual militares da linha dura pretendiam matar centenas de pessoas que assistiam a um show, foi dada preferência ao esportivo Puma, talvez, na cabeça tosca dos agentes, para funcionar como disfarce "descolado" e supostamente não chamar a atenção em meio à plateia majoritariamente jovem.
Uma picape Ford, da Folha de
São Paulo: incendiada pela guerrilha/Reprodução

Antes, no começo dos anos 1970, quando a repressão se intensificou, picapes Ford do jornal Folha de São Paulo cedidas à sangrenta Operação Bandeirantes (Oban) também fizeram sua triste fama. Algumas foram incendiadas em ações de guerrilha em protesto contra a vergonhosa parceria. No sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, no Rio, em 1969, pelo MR-8, guerrilheiros usaram um Fusca para fechar o Cadillac Fleetwood do americano, no qual embarcaram. Um Fusca também foi o carro usado pelos agentes que mataram Carlos Marighella, em 1969. O guerrilheiro foi preso e executado com um tiro a queima-roupa e seu corpo foi depois exibido em cena montada de um "tiroteio" no centro de São Paulo. O fotógrafo Sérgio Jorge, que na época trabalhava para a Manchete, testemunhou a farsa conforme revelou em entrevista à revista IstoÉ.

Cadillac Fleetwood do embaixador americano. Esse carro pertence, atualmente,
a um colecionador paulista/Reprodução

O corpo do primeiro-ministro italiano foi encontrado em um Renault R4
Na Itália, uma ação das Brigate Rosse, o sequestro e morte do primeiro-ministro Aldo Moro, ficou ligada a um veículo de fabricação francesa. Na foto que correu o mundo mostrando o momento em que foi encontrado o corpo do político (na mala do veículo) aparece um furgão Renault R4.
Carrero Blanco voou pelos ares em um modelo Dodge Dart/Reprodução Internet

Madri foi o cenário de um atentado realizado pelo ETA. As vítimas: o presidente do Conselho de Ministros da feroz ditadura de Francisco Franco, Carrero Blanco, e o veloz Dodge Dart 3700 GT que o transportava. Ambos, carro e político voaram pelos ares à custa de 100 quilos de explosivos detonados sob o asfalto no momento em que o Dodge passava.

Utilitários transformados em carros de combate/Facebook
Já nesses dias pós-2000, coube aos rebeldes que lutaram contra  Kadhafi, na Líbia, popularizar um veículo armado que nasceu do improviso: utilitários Toyota ou Honda com metralhadoras antiaéreas montadas nas carrocerias. O "modelo" mostrou tanta eficiência e praticidade que é, hoje, usado por várias facções de combatentes, incluindo a organização terrorista Daesh (autodenominada Estado Islâmico).
O Clio dos terroristas de Paris/Reprodução

Nos recentes atentados promovidos por terroristas islâmicos, em Paris, os atiradores usaram como transporte o Clio, um carro popular, comum nas ruas da cidade, e certamente não indicado para ser usado como veículo de fuga. Se bem que fuga não é prioridade para homens-bomba cujo desejo é encontrar mil virgens no paraíso mais próximo, onde, pelo que se sabe, não dá para ir de carro.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Médico veterinário é proibido de prestar atendimento gratuito a animais de pessoas carentes

por Flávio Sépia
Corporativismo é uma prática que atenta contra a liberdade das pessoas. Talvez o exemplo mais dramático e que já está ganhando toque de bandidagem é o ataque dos taxistas a motoristas e passageiros do Uber. Combater Airbnb, Neflix e outros aplicativos que derrubam privilégios também é uma outra face do corporativismo. Os corporativistas, assim como os monopolistas e formadores de carteis e trustes defendem o mercado livre mas apenas quando não os atinge.
Além do corporativismo institucional, há o explícito e violento praticado pelas milícias. E há também o que é motivado pelo interesse político. Lembro que quando foi lançado programa Mais Médicos os líderes elitistas da categoria detonaram um campanha violenta contra o programa. Hoje, tiraram a boca do trombone.  Não só o reconhecido sucesso do programa que levou profissionais a municípios remotos mas a adesão dos jovens médicos brasileiros calaram os tais líderes que mais faziam política partidária do que qualquer outra coisa.
Mas o corporativismo pode chegar a atitudes ainda mais cruéis. Os jornais noticiaram recentemente que o médico veterinário Ricardo Camargo foi obrigado a interromper atendimento gratuito a cães e gatos de pessoas carentes em sua clínica, em São Carlos, interior de São Paulo. O Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-SP) implicou com a ação beneficente que, segundo cartolas da veterinária, contraria o código de ética da profissão e o ameaçou com sanções. Se isso é ética, é melhor mudar o código. Ele foi ameaçado de processo e de cassação do seu registro profissional. A atitude diz mais sobre o corporativismo do que qualquer crítica que poderia ser escrita neste post.
O VÍDEO QUE O MÉDICO VETERINÁRIO POSTOU NA SUA PÁGINA (E QUE EM POUCO TEMPO ATINGIU 6 MILHÕES DE VISUALIZAÇÕES) PODE SER VISTO NO YOU TUBE. CLIQUE AQUI

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Blocos cariocas: não vai ter "cercadinho de coxinhas"...

por Flávio Sépia
O proliferação de áreas vips acaba de ganhar um nome bem mais adequado: "cercadinho de coxinhas". O novo apelido provocou risadas e carimbou o rótulo de breguice na turma protegida pela cordinha do bloco "Me Esquece", que desfilou no domingo passado no Jardim Botânico.
Esse tipo de "curral" em blocos e ensaios tende a abrigar tipos identificados com os "reis do camarotes". Quase sempre, figuras desengonçadas, sem intimidade com o samba. Sabe-se lá de onde vem essa gente.

Nos últimos anos, o oportunismo tem tentado abrir alas no carnaval do Rio de Janeiro. O carnaval de rua mais democrático do país é hoje um fenômeno, mas até a metade do anos 1980 vivia uma triste decadência. O Rio sempre teve uma forte tradição de blocos. São épicos os desfiles dos Boêmios de Irajá, Cacique de Ramos, Bafo da Onça, estes chamados de blocos de embalo, além do Cordão da Bola Preta, o mais antigo do país.

Mas houve aquele período - entre meados dos anos 1970 até 1985 - em que o carnaval de rua perdeu força. As atenções se voltavam para os desfile das escolas de samba, cada vez mais grandiosos. Nas ruas, com exceção de alguns antigos blocos de bairro que resistiam - como exemplo, o pequeno e bravo Cachorro Cansado, no Flamengo - e arrastavam algumas centenas de pessoas, com poucos jovens e muitos veteranos, o destaque cabia à Banda de Ipanema. Fora do Sambódromo e de algumas praças e esquinas das Zonas Norte e Sul, a cidade não parecia respirar o carnaval. Na Zona Sul, especialmente, o clima era de um monótono feriadão. Não havia ruas e avenidas superlotadas, como Salvador e Recife mostravam a cada ano.

A campanha das Diretas, que se transformou em uma festa política, deve ter devolvido aos cariocas o gosto pelas ruas já que foi a inspiradora de blocos que nasceram naquela década como o Simpatia é Quase Amor, o Bloco do Barbas, o Suvaco de Cristo, entre outros. Era a senha de uma revolução que não podia mais ser contida e retomou seu lugar nas ruas de todos os bairros. 

O sucesso crescente, os recordes de público, a repercussão na mídia brasileira e mundial e a afluência de turistas despertaram atenções comerciais e marqueteiras para surfar nessa onda popular. Vieram trios promocionais (que para disfarçar se intitulam "blocos") puxados por gigantescos carros de som. Em um primeiro momento, a prefeitura permitiu que tais trios ocupassem a Vieira Souto, Aterro do Flamengo e Avenida Atlântica, que não estava preparados para receber os gigantescos caminhões com som superpotente, o que tende a atrair ainda mais pessoas. Foi o desastre programado: canteiros da orla e jardins de prédios foram destruídos, ruas viraram banheiros e, em Copacabana, uma fato mais grave: a carreta de um trio se chocou contra cabos e provocou a queda e morte de uma menina. No ano seguinte, as autoridades editaram regras para conter as ameaças do "carnaval sem lei". Trios, que têm seu público, foram deslocados para as avenidas largas do centro da cidade e, este ano, para São Conrado; regras para vendedores ambulantes, instalações de banheiros, cercas para proteger jardins e canteiros, supervisão de bombeiro, serviços de atendimento médico, entre outras medidas, procuram dar estrutura aos blocos; além da política para conter o gigantismo a partir do remanejamento de blocos para outras regiões de fácil acesso e amplos espaços.

Mas persistem alguns riscos. Se uma determinada cantora conseguiu pôr seu bloco nas ruas, outra cantora, que tem menos ligações e influência, também quer. Essa é a pendenga que sites de celebridades estão noticiado. Definir um critério mais preciso, sem favorecimentos, poderá ser uma questão para a prefeitura definir melhor nos próximos anos. Ou o "também quero" vai virar pressão.

Já o "cercadinho do coxinhas" não desiste. Como quem não quer nada, uns e outros insistem na fórmula. Aparecem, na verdade, como um inocente cavalo-de-troia dos marqueteiros para a sonhada implantação do abadá, a famigerada instituição baiana que loteia espaço público e divide a rua em classes.

Felizmente, a prefeitura tem reagido. Se esse ano o "Me Esquece" tentou montar sua área vip nas ruas do Rio com pessoas com camisas especiais, pulseiras de identificação e bebida liberada, há dois anos um grande "bloco" foi denunciado por vender "abadás" para espaço restrito. Hoje, em declaração ao Globo, o prefeito Eduardo Paes diz que a prática é inaceitável e quem criar "curral" pode ser impedido de desfilar em 2017. Os organizadores do blocos que levam baterias dizem ser necessária alguma proteção para os instrumentistas. Pode ser. Mas é preciso ter cuidado para que essa área não seja ampliada espertamente para receber a turma do "abadá" pago.

Diga-se que a maioria dos blocos não-comerciais, de origem espontânea, comunitária, parceira, que nasceram em bairros e não em agências de marketing e de "captação" de patrocínios, é contra o "cercadinho dos coxinhas".  O presidente do Suvaco, João Avelino, diz ao Globo:
- Carnaval de rua não precisa de cordas. Para o Suvaco, todo folião que nos dá a honra de aparecer para o desfile é convidado vip.
Vamos torcer para que a prefeitura do Rio permaneça sintonizada com o espírito livre do carnaval carioca. 

sábado, 16 de janeiro de 2016

Fifa, que condena exibicionismo religioso em campo para evitar provocação a torcedores das mais variadas crenças e seitas, apaga faixa-exaltação de Neymar

Neymar no vídeo da Fifa. A faixa, que o bom senso considera inconveniente em estádios para evitar reações de torcedores de outras religiões, ficou em branco. 
por Flávio Sépia
O povo diz que se deve evitar discussões sobre futebol, política e religião. Jamais acabam bem. Imagine você juntar futebol e religião. A Fifa, que tem mais países afiliados do que a ONU, é obrigada a tratar o tema religião com cautela. Simples, só para citar algumas correntes: há torcedores católicos, protestantes, neopentecostais, muçulmanos, israelitas, espíritas, umbandistas, adeptos do vudu, do candomblé, messiânicos, wahhabistas, rastafari, politeístas e ateus. Todos respeitáveis nas suas linhas. Se durante um jogo em um país muçulmano, por exemplo, um jogador exibir faixas exaltando Jesus boa parte da torcida poderá ver o gesto como provocação. Países fortemente católicos no Leste europeu já registraram conflitos entre torcedores por reação ao exibicionismo de símbolos religiosos em estádios. E, nessas situações, não há fair play que resista. Vira briga de torcida. Em vídeo oficial com os melhores do mundo em 2015, a Fifa usou uma cena de Neymar celebrando a conquista recente da Liga dos Campeões onde o jogador exibia a faixa "100% Jesus". Na versão do vídeo que corre o mundo, a Fifa apagou os dizeres da tal faixa. Na ocasião da comemoração de Neymar naquele título consta que a Fifa e a Uefa fizeram chegar ao Barcelona um alerta sobre as normas das entidades que proíbem a exibição de mensagens políticas, religiosas, raciais e pessoais em qualquer idioma. O bom senso, no caso, deve-se a que o futebol alcança pessoas das mais diferentes raças, ideologias e crenças e não convém que seja usado para cenas de sectarismo político e religioso e até fanatismo desembestado. Se religiões devem ser praticadas na casa de cada um ou nos seus respectivos templos, igrejas e espaços privados, é mais conveniente ainda que não sejam sejam usadas como exibicionismo ou provocação desagregadores em espaços públicos e plurais. A Fifa está certa e a violência religiosa que se propaga no mundo - com o Brasil já registrando lamentáveis episódios de agressões e vandalismo fanáticos - lhe dá razão. Aliás, tenho um amigo que diz que depois que vários jogadores brasileiros passaram a fazer pregação religiosa em campo através de frases, camisetas e gestos, o Brasil não ganhou mais nada. Pelo jeito, nem Jesus aprova carolice no futebol. Uma prova disso? Os 7x1 da Alemanha que por prece alguma deixaria de pôr o Brasil na roda.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Favelas cariocas inspiram trabalho de arquiteto premiado


Algumas das soluções propostas por Alejandro Aravena. Fotos: Reprodução Internet
por Flávio Sépia
O arquiteto chileno Alejandro Aravena se inspirou em favela cariocas para criar soluções de habitação para a metrópoles. Segundo ele, em 2030, 5 bilhões de pessoas estarão se aglomerando em éreas urbanas, dessas, projetando-se o avanço do capitalismo selvagem, a depredação financeira de países por quadrilhas de especuladores e a destruição do meio ambiente, 2 bilhões viverão abaixo da linha da pobreza. Será preciso, então, planejar moradias sustentáveis, coletivas e de custo acessível para implementação por programas sociais. Muitos sociólogos já afirmaram que favelas não deveriam ser problemas já que são, na verdade, soluções arquitetônicas e sociais. Deveria ser urbanizadas, dotadas de serviços e aperfeiçoadas. Com esse trabalho, que reúne blocos de moradias de vários tamanhos, Aravena ganhou o Pritzker Architecture Prize 2016.