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domingo, 15 de agosto de 2021

Feliz 88, meu caro Roman! • Por Roberto Muggiati

Roberto Muggiati entrega Polanski, em 1988, foto do cineasta quando fez sua primeira visita à Manchete,
 em 1974. Ao fundo o jornalista Arnaldo Bloch e Anna Bentes Bloch. Foto: Acervo Pessoal

Roman Polanski faz 88 anos neste 18 do 8. 88 é o símbolo do infinito duas vezes, de pé lado a lado. Polanski é a celebridade do mundo mais perseguida por maldições, que caíram à sua volta ao longo dos anos, mas nunca o atingiram. 

Nasceu em Paris em 1933, filho único de poloneses, o pai judeu, a mãe católica de ascendência russa. Num gesto desastrado do pai,  a família voltou em 1936 para a Polônia, um dos principais alvos do antissemitismo de Hitler. A mãe morreria em Auschwitz; o pai, internado num campo de extermínio austríaco, seria um dos raros judeus poloneses a escapar do Holocausto. E o menino Roman sobreviveria em fuga na zona rural quase na mendicância, escondendo-se em fazendas de famílias católicas. (O pianista, filme sobre um judeu de Varsóvia que consegue o milagre de sobreviver aos seis anos de guerra, é fortemente autobiográfico.) 

Quando a guerra terminou Roman tinha doze anos e acabaria reencontrando o pai: da opressão nazista, passaram a viver os terrores do estalinismo.

O talentoso Polanski abriu as portas do mercado internacional com Faca nágua em 1962. Em agosto de 1967 começou a rodar O bebê de Rosemary, em que uma jovem inocente é escolhida por um grupo satânico para parir o filho do demônio. Ela mora em Nova York no sinistro edifício Dakota, onde John Lennon seria assassinado treze anos depois. A atriz principal, Mia Farrow, ameaçou abandonar as filmagens quando recebeu no set, diante de toda a equipe, das mãos de um oficial de justiça, um inesperado pedido de divórcio de Frank Sinatra, trinta anos mais velho, com quem foi casada dois anos.

No dia 9 de agosto de 1969, em Los Angeles, o bando de Charles Manson chacinou a mulher de Polanski, Sharon Tate – grávida de oito meses e meio – mais uma amiga e dois amigos que passavam a noite de sábado em sua casa, e também o jovem caseiro. As paredes da casa foram pixadas de palavrões escritos com o sangue das vítimas. Foi um trágico equívoco: os Polanski tinham alugado a casa do filho de Doris Day, Terry Melcher, produtor musical que se recusou a gravar Manson, cantor e guitarrista medíocre com ambições a superstar Como vingança, Manson mandou os fanáticos da sua “Família” matarem todo mundo na casa, acreditando que Melcher ainda morava nela. Polanski deveria estar lá naquela noite, mas à última hora foi retido em Nova York para assinar um documento na segunda-feira.

Encontrei Polanski pela primeira vez pouco antes, no Rio, em março de 1969, no 2º Festival Internacional de Cinema, onde ele concorria com O bebê de Rosemary.  Numa brincadeira de mau gosto (Roman é um eterno moleque, adoro esse lado dele...), tentou jogar Jane Birkin na piscina do Copacabana Palace, a moça passou raspando por mim como um foguete e quase me arrastou consigo para as águas. (Jane estrelava Wonderwall, filme com a trilha sonora de George Harrison). 

Em 1974, voltei a encontrar Polanski, desta vez com Jack Nicholson, na visita que fizeram à Manchete promovendo o filme Chinatown. A grande encrenca da sua vida o esperava em 1977 na casa de Jack Nicholson em Los Angeles. Escalado pela revista Vogue para fotografar uma ninfeta de treze anos numa piscina, Polanski não perdeu a viagem e transou com a menina, levemente dopada por um Boa Tarde, Cinderela. Acusado de abuso sexual, ficou preso 74 dias e foi solto após pagar fiança. Ao saber em 1978 que seria preso definitivamente, Polanski alugou um jatinho e escapou pelo México. Há 43 anos, a justiça norte-americana o caça implacavelmente, embora a “ninfeta”, hoje uma rechonchuda senhora de 58 anos, tenha perdoado Polanski. Em 2009, foi preso na Suíça – onde tem uma casa em Gstaad – e quase extraditado para os EUA.

Nosso terceiro encontro foi em 88, quando ele visitou novamente a Manchete, com a atriz que se tornaria sua mulher até hoje e mãe de seus dois filhos, Emmanuelle Seigner. Adolpho Bloch o convidou para um chá das cinco en petit comité no restaurante do Russell, os dois se conheciam desde os anos 60, quando a sucursal da Manchete em Paris ficava no prédio de Polanski na Avenue Montaigne.  Polanski se atrasou porque ficou mais de meia hora na calçada numa intensa DR com a mulher. Chegou falando em russo: “Pô, Adolpho, chá? Você me convida para um chá? Eu queria mesmo é uma boa vodca polonesa!” Em segundos surgiu uma garrafa  glacialmente gelada de Wiborowa, a marca favorita de um cracoviano célebre, Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II. E o ucraniano e o polonês parisiense se enredaram num longo papo em russo, deixando o resto do pessoal por fora. 

Aproveitei a ocasião para entregar a Polanski uma cópia da foto dele com Jack Nicholson feita na visita de 1974. Pena que a Manchete tenha fechado as portas em agosto de 2000. Não fosse isso – estou seguro – teríamos recebido outras visitas do nosso querido amigo Roman.

PS • Especulando se o fato de Polanski ter filmado O bebê de Rosemary no edifício Dakota teria algo a ver com o assassinato de John Lennon, lembrei que, na verdade, foi Lennon quem, involuntariamente, teve um importante papel no assassinato de Sharon Tate em agosto de 1969.


No dia seguinte ao massacre, irritado com o
modus operandi dos membros da “Família”, Charles Manson os liderou noutra incursão em Los Angeles para ensinar a maneira correta de agir. Invadiu uma casa escolhida aleatoriamente e, com seus asseclas, assassinou o casal LaBianca. O marido, Leno, era dono de um supermercado; a mulher, morta com 41 punhaladas, chamava-se... Rosemary. Quando desencadeou a operação, Manson decretou que era chegada a hora de Helter Skelter – nome de uma das faixas do Álbum branco dos Beatles. A música, assinada Lennon-McCartney – era deliberadamente ruidosa e caótica, feita em resposta a uma provocação de The Who. Fascinado por ela, Manson a adotou como as trombetas do Apocalipse, anunciando uma série crimes e catástrofes que provocariam uma guerra racial nos Estados Unidos, da qual ele sairia como líder natural. A tal ponto que HELTER SKELTER figurou entre as palavras pintadas com sangue no local dos crimes. O promotor do Caso Tate-LaBianca, Vincent Bugliosi, publicou um livro sobre o processo intitulado Helter Skelter, que vendeu sete milhões de exemplares, virou filme, série de TV e até mangá. 

Ouça o Helter Skelter AQUI

https://www.youtube.com/watch?v=0NpoedlDxuU


Atualização em 19-8-2021  - 

Cabala nazista

De Edimburgo, meu filho me ensina que 88, nos países de língua germânica durante a 2ª Guerra significava “Heil, Hitler!” Sendo H a oitava letra do alfabeto, 88=HH. Polanski, assim, involuntariamente, homenageia com sua nova idade o Führer. Eu também, com meu nome. Nascido em 1937, meu pai queria que eu me chamasse Benito. Minha mãe não quis, de jeito nenhum. Então ele optou por Roberto. Um nome simples só na aparência: Mussolini o indicava para os apoiadores do nazifascismo porque suas três sílabas correspondiam às primeiras sílabas das capitais do Eixo: ROma + BERlim + TOquio. Meu pai – como todo mundo nos estados do Sul e até o próprio Presidente Getúlio Vargas – era simpatizante do Eixo. A propaganda foi uma arma terrível a mais que os Aliados tiveram de enfrentar. Nas manifestações diante do Palácio do Catete, no final dos anos 1930, os apoiadores do Duce e do Führer hospedavam-se no Florida Hotel. As letras do seu nome formavam o anagrama de Adolfo Hitler. Mesmo com essa sopa de letras infernal, o Eixo Kaput!, em boa gíriacarioca, sifu! (Roberto Muggiati)