sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Minhas tabelinhas com Pelé • Por Roberto Muggiati

 

 

A Fatos&Fotos foi a primeira revista a publicar a história foto de Orlando Abrunhosa

           
Em seguida, a  mesma imagem do fotógrafo brasileiro foi colorizada para
a capa da Paris Match


Um gol de gênio

 Foi pelo rádio de um carro de reportagem nos arredores de São José dos Pinhais – a caminho do local do desastre de avião que matou Nereu Ramos em 1958 – que ouvi o primeiro gol de Pelé numa Copa do Mundo. O gol que deu a vitória ao Brasil contra o País de Gales nas quartas de final. Um gol antológico que é repetido a toda hora na TV.

O primeiro gol de Pelé em Copas do mundo - 1958 - YouTube CLIQUE AQUI

               

Le Roi Pelé

Em Paris, 1961, estudando no Centre de Formation des Journalistes, certas noites, voltando para a Cité Universitaire, eu comia algo leve no bistrô La Petite Source, no Carrefour de l’Odéon, muitas vezes na companhia do colega Abdou Cissé, do Senegal, que me assediava sedento de notícias do Brasil. Quando nos conhecemos olhou para mim como se eu fosse um ser extraterreno e me perguntou, solene:

– Monsieur Muggiatí, est-ce que tu connais vraiment le Roi Pelé?

Na sua visão, Sua Majestade Edson Arantes do Nascimento reinava soberano sobre um vasto império tropical cheio de súditos felizes. Curiosamente, eu acabara de assistir em 13 de junho, no Parc des Princes, à fabulosa vitória do Santos de Pelé sobre o Racing por 5x4 no Torneio de Paris, diante de um público de 40 mil pessoas.

O gol 1000 

Como editor da revista semanal Fatos&Fotos, que fechava às quartas-feiras para ir às bancas na sexta, coube a mim botar na capa da revista o milésimo gol de Pelé, no Maracanã, de pênalti, contra o goleiro do Vasco Andrada, na noite de 19 de novembro de 1969, na vitória do Santos por 2x1.

A foto imortal

Não há cargo mais arriscado do que editor de revista ilustrada. Em meados de 1970 eu ainda dirigia a Fatos&Fotos, notória pela alta rotatividade de seus editores. O Brasil estreava na Copa do México desacreditado e com um susto, em Jalisco: já aos 11 minutos, tomava um gol da Checoslováquia, mas acabava virando o jogo e ganhando de 4x1. O jogo foi numa quarta-feira. O entusiasmo pela seleção nos fez adiar o fechamento para quinta-feira. O fuso do México nos ajudava, recebemos as fotos pelo malote que chegou ao Rio na quinta, eram rolos e rolos de filme a ser revelados, demos preferência ao preto e branco pela urgência do fechamento. O laboratório revelava, depois copiava as tiras das fotos em 35mm nas “folhas de contato”, a partir das quais o editor escolhia as melhores imagens com a ajuda de uma lupa. Reparem, cada fotinho daquelas ocupava um pequeno retângulo de 35mm, ou seja, 3,5 centímetros de comprimento. Agradeço ao meu pai por encher nossa casa de livros com as obras-primas dos grandes pintores e as melhores revistas de fotografia. Aquilo contribuiu muito para minha educação visual, característica vital para um editor de revista ilustrada. Imaginem o vexame de deixar escapar uma imagem premiada... 

Quando os “contatos” pousaram na mesa de edição, foi como um golpe de mágica, meu olho logo caiu sobre a foto de Orlando Abrunhosa que mostra Pelé socando o ar no vértice de um triângulo formado por ele, Tostão e Jairzinho. Um detalhe importante: era uma foto horizontal, mas privilegiamos o corte vertical para maior efeito estético. Publiquei na capa, num preto-e-branco azulado com as chamadas e o logotipo em cor. Na manhã do sábado a revista esgotava em poucas horas  nas bancas do Rio e de São Paulo. Na semana seguinte, Paris-Match publicou a foto na capa, numa versão colorizada. A foto – que nós apelidamos “os três mosqueteiros” – ganhou o mundo nas décadas seguintes, foi até um selo comemorativo dos correios brasileiros. É uma das fotos que, em meus 28 anos de editor de revista ilustrada – mais me orgulho de ter publicado. Fazendo tabelinha com o inesquecível Rei Pelé...

PS • As imagens que revimos à exaustão na TV do futebol do Pelé são um hino à ousadia ofensiva, as investidas na diagonal e na vertical rumo ao gol. Os dribles, as fintas, um verdadeiro balé, calcado na pureza do futebol de várzea. O oposto do futebol de resultados mesquinho e chato de um Messi, futebol de salão maculando a grama sagrada¸ jogo de xadrez apostando no erro do adversário; e da monotonia da posse de bola dos espanhóis, com nojo da penetração. Em Pelé tivemos a velocidade física e do pensamento, a improvisação, a criação de jogadas nunca tentadas antes no futebol. A força comandada pela inteligência.


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