terça-feira, 16 de abril de 2019

A minha Notre Dame • Por Roberto Muggiati

O fogo consome a estrutura de madeira do telhado da Notre Dame. Foto de Henri Garat/Prefeitura de Paris

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As chamas alcançam a base do pináculo construído por volta de 1250. Foto de Henri Garat/Prefeitura de Paris

A destruição dos andaimes e da torre. Foto de Henri Garat/Prefeitura de Paris

Tristeza nas margens do Sena e em todo o mundo. Foto de Henri Garat/ Prefeitura de Paris

Notre Dame, 1961. Foto de Domício Pedroso

Em 1961, morei seis meses – meio ano da minha vida – na Île de la Cité, a quinhentos metros da catedral de Notre Dame. Entrei poucas vezes na impressionante caverna gótica. Passava por ela com quem passa pela mercearia, pelo botequim da esquina. Eram os tempos de sexo, vinho tinto e jazz e eu vivia uma outra Paris.

Em novembro de 1961, o pintor curitibano Domício Pedroso, também excelente fotógrafo, fez um ensaio em que me retratou pelos locais mais boêmios de Paris: Saint Germain, o Jardin de Luxembourg, as vielas da rive gauche, o Sena dos buquinistas e, é claro, a Notre Dame. Guardo até hoje um book da minha Paris aos 24 anos que poucas pessoas possuem.

Um pequeno flash à frente: em novembro de 1962, já na BBC de Londres e voltando de uma viagem a Viena, paro em Paris para me encontrar com a namorada do ano anterior, uma atriz brasileira que morava num pequeno estúdio charmoso justamente diante da grande rosácea da Notre Dame, toda iluminada naquela noite de domingo. A jovem, uma sedutora patológica, me faz esperar enquanto toma, com ruídos sugestivos, um banho de banheira de espumas digno de Cleópatra. Com um copo de conhaque, contemplo por meia hora a rosácea sul. Saímos para jantar com o namorado da diva, um diplomata brasileiro trinta anos mais velho, e fechamos a noite com um cineminha no Champs Élysées, Uma rua chamada pecado – minha ex-namorada só faltava proclamar: “Blanche Dubois c’est moi!”

Um salto mais à frente: à meia-noite do Ano Novo de 1964/65, estamos em Paris, Lina e eu, encharcados de champanhe, diante da fachada monumental da Notre Dame, quando começam a cair os primeiros flocos de neve. Notre Dame me enganou e casei com Lina, um casamento errado que durou doze anos. Eu poderia culpar Notre Dame por esta falseta e, se fosse vingativo, exultar com a sua queda estrondosa. Velha igreja, testemunha impassível de meus fracassos amorosos. Mas sempre amei Notre Dame e sou incapaz de exprimir o que sinto agora por sua perda.

Talvez esta foto, em que apareço colado à grande catedral, diga tudo. Minha alma de pedra se foi em meio às chamas.

Sinceramente, desejava partir antes de Notre Dame. Agora terei de viver o resto da vida sem ela.

2 comentários:

J.A.Barros disse...

Mas , Notre Dame, não está perdida. bilionários já dispuseram uma fortuna para a recuperação desta monumental e histórica Igreja de Paris.

Isaura S. Oliveira disse...

Uma tragedia cultural. Essa crônica mostra o que significou para muitas pessoas