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quarta-feira, 17 de abril de 2019

Notre Dame: Empresas e famílias fazem doações milionárias para reconstrução da catedral. Mas adivinhe quem pagará a maior parte dessa conta? Ele mesmo, o contribuinte francês.

Notre Dame: o dia seguinte. Foto de Christophe Belin/Prefeitura de Paris



As chamas que consumiram parte de Notre Dame ainda ardiam quando milionários franceses passaram a anunciar doações astronômicas para a reconstrução da histórica catedral. Ainda perplexo, o mundo bateu palmas. E não podia ser diferente. Notre Dame é tesouro mundial e não apenas da França.

No Brasil, logo comparamos a extrema benevolência dos ricaços parisienses e grupos corporativos com a monumental avareza dos equivalentes brasileiros no caso do incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Passado o choque inicial, a mídia francesa começa a revelar fortes interesses fiscais na atitude dos abonados que abriram os cofres. Ocorre que até dois terços do valores anunciados vão ser pagos pelo contribuinte francês. As doações são dedutíveis em 60%, para empresas, e 66% para pessoas físicas. Apenas uma família, os Pinault, os primeiros a anunciar uma doação de 100 milhões de euros, decidiu renunciar à vantagem fiscal. E há leis locais que até ampliam em alguns casos os limites da dedução.

Antes mesmo do incêndio de Notre Dame, a filantropia como brecha fiscal já era uma polêmica na França. Algumas matérias da Forbes, Francetvinfo, Agoravoz, Sputnik News, Le Parisien, entre outros meios, perguntam se os milionários são mesmo generosos e quanto suas doações vão custar aos cofres públicos. E concluem que os bilionários fazem a boa ação com dinheiro do contribuinte.

Além do benefício fiscal, usufruem da boa publicidade gratuita, a imagem é favorecida e até os efeitos políticos das doações não são desprezíveis. Alguns grupos doadores, aponta a mídia, se habilitam a participar das lucrativas obras de reconstrução da catedral.

Então, faça o seguinte: ao ler que os grupos Bouygues, LVMH, Total, Lagardère, entre outros, doaram 100, 200, 50 milhões de euros , lembre-se do contribuinte francês comum no meio daquela multidão que assistia entristecida a destruição de Notre Dame: a maior parte dessas doações sairá do bolso dele.

terça-feira, 16 de abril de 2019

A minha Notre Dame • Por Roberto Muggiati

O fogo consome a estrutura de madeira do telhado da Notre Dame. Foto de Henri Garat/Prefeitura de Paris

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As chamas alcançam a base do pináculo construído por volta de 1250. Foto de Henri Garat/Prefeitura de Paris

A destruição dos andaimes e da torre. Foto de Henri Garat/Prefeitura de Paris

Tristeza nas margens do Sena e em todo o mundo. Foto de Henri Garat/ Prefeitura de Paris

Notre Dame, 1961. Foto de Domício Pedroso

Em 1961, morei seis meses – meio ano da minha vida – na Île de la Cité, a quinhentos metros da catedral de Notre Dame. Entrei poucas vezes na impressionante caverna gótica. Passava por ela com quem passa pela mercearia, pelo botequim da esquina. Eram os tempos de sexo, vinho tinto e jazz e eu vivia uma outra Paris.

Em novembro de 1961, o pintor curitibano Domício Pedroso, também excelente fotógrafo, fez um ensaio em que me retratou pelos locais mais boêmios de Paris: Saint Germain, o Jardin de Luxembourg, as vielas da rive gauche, o Sena dos buquinistas e, é claro, a Notre Dame. Guardo até hoje um book da minha Paris aos 24 anos que poucas pessoas possuem.

Um pequeno flash à frente: em novembro de 1962, já na BBC de Londres e voltando de uma viagem a Viena, paro em Paris para me encontrar com a namorada do ano anterior, uma atriz brasileira que morava num pequeno estúdio charmoso justamente diante da grande rosácea da Notre Dame, toda iluminada naquela noite de domingo. A jovem, uma sedutora patológica, me faz esperar enquanto toma, com ruídos sugestivos, um banho de banheira de espumas digno de Cleópatra. Com um copo de conhaque, contemplo por meia hora a rosácea sul. Saímos para jantar com o namorado da diva, um diplomata brasileiro trinta anos mais velho, e fechamos a noite com um cineminha no Champs Élysées, Uma rua chamada pecado – minha ex-namorada só faltava proclamar: “Blanche Dubois c’est moi!”

Um salto mais à frente: à meia-noite do Ano Novo de 1964/65, estamos em Paris, Lina e eu, encharcados de champanhe, diante da fachada monumental da Notre Dame, quando começam a cair os primeiros flocos de neve. Notre Dame me enganou e casei com Lina, um casamento errado que durou doze anos. Eu poderia culpar Notre Dame por esta falseta e, se fosse vingativo, exultar com a sua queda estrondosa. Velha igreja, testemunha impassível de meus fracassos amorosos. Mas sempre amei Notre Dame e sou incapaz de exprimir o que sinto agora por sua perda.

Talvez esta foto, em que apareço colado à grande catedral, diga tudo. Minha alma de pedra se foi em meio às chamas.

Sinceramente, desejava partir antes de Notre Dame. Agora terei de viver o resto da vida sem ela.