quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A síndrome das retrospectivas

por José Esmeraldo Gonçalves

Já participei de muitas, mas não havia nada mais entediante do que as edições retrospectivas de fim de ano. Eram revistas especiais talvez menos úteis aos leitores do que às redações.

Em função do número frio - as notícias eram descongeladas no freezer - eram ótimas, na verdade, para antecipar fechamentos e facilitar o revezamento das equipes nas folgas de fim de ano.

As pautas eram quase robóticas, iam se montando sem muito esforço. Os fatos políticos, as tragédias, as vitórias esportivas, os melhores livros, as músicas do ano, as peças, os filmes, as personalidades, as conquistas da ciência e um quesito inevitável: os mortos vips do ano. Trabalhei em várias revistas e todas se rendiam aos "especiais" da virada. Geralmente, não vendiam bem. Chegavam às bancas entre Natal e Ano Novo, um período em que os leitores andavam meio desligados ou ligados em outras e prazerosas perspectivas.

Várias publicações ainda investem em retrospectivas, mas esses "especiais" estão sumindo aos poucos. Até as revistas impressas, aliás, estão rareando. A tradição de rever o que passou fica por conta, principalmente, dos veículos digitais e da TV.

Em 2018 - e não apenas no começo, mas ao longo do ano -, o jornalismo não vai escapar de megas e sucessivos retrospectos: 1968 completará 50 anos. Sei lá porque, números redondos inspiram pautas desde que os tipos móveis de Gutenberg estimularam a criação de panfletos em Estrasburgo, Antuérpia e outras cidades da Europa a partir de 1605.

E 1968 pede pra ser retrofitado, é uma marca. As barricadas da contestação, as mortes de Robert Kennedy e Martin Luther King, o assassinato do estudante Edson Luis pela ditadura, a Primavera de Praga, a Ofensiva do Tet na Guerra do Vietnã, a assinatura da Lei dos Direitos Civis, nos Estados Unidos, e o AI-5 fechando aquele ano por aqui, só para citar alguns fatos, vão ganhar espaço na mídia.

Embora tenha sido um ano agitado, 1968 começou meio devagar, como o carioca Correio da Manhã noticiava nos primeiros dias de janeiro.

Nos recortes das edições iniciais, abaixo, há até um certo jeitão de 2018. O tempo não passou ou o Brasil parou?

Essa é a contribuição do blog: a retrospectiva que retroage.

Assim como Temer aguarda passar o carnaval para botar 
uma meia-sola na sua equipe e profetiza um quadro econômico de dias felizes, 
Costa e Silva anunciava novo ministério e fim do arrocho.

Não havia Lava Jato mas a busca por dólares expatriados era notícia. 



O governo admitia o óbvio



Racismo no boteco.
A palavra feminicídio não era usual, mas
a violência machista sim.  E permanece rotineira.


Ontem como hoje, a histeria moralista


Universidades na penúria e a pesquisa como vítima.
Partido criado pela ditadura para fazer figuração de oposição amiga, o MDB virou PMDB
e hoje, 50 anos depois, volta ser MDB. 


Pagamento atrasado  no Rio ... mas só por um dia


Delatores ainda não premiados



O Rei da Vela chegava ao Rio. Atualmente está em cartaz em São Paulo, 50 anos depois da estréia.

Um comentário:

Maura disse...

Ficamos dando volta sobre as mesmas coisas