quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Caso Profumo visto pelo jornalista Roberto Muggiati, que morava em Londres nos dias em que uma showgirl derrubou um ministro e abalou a Corte

Roberto Muggiati, que estava em Londres na época em que estourou o Caso Profumo, publicou na revista The Presidente N° 14, set/out/nov 2013, da Custom Editora
a matéria que reproduzimos abaixo, em sequência à notícia da morte de Christine Keller, ontem, em Londres. A modelo e showgirl foi pivô do escândalo e musa da Guerra Fria nos anos1960.
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Clique nas imagens para ampliar ou leia o texto a seguir:




HISTÓRIA

POR ROBERTO MUGGIATI

ILUSTRAÇÃO GUILHERME FREITAS

1963

O CASO PROFUMO

Sexo, drogas e espionagem: 

havia algo de podre no Reino (des) Unido 

No Brasil, tudo acaba em pizza. Na Inglaterra, os 
criminosos são punidos. Mas, às vezes, acabam 
em espetáculo (lembram o superladrão Ronald 
Biggs, que virou superstar e veio morar no Brasil?). 
É o caso agora de Stephen Ward, pivô do 
Escândalo Profumo. Há 50 anos, ele escapou à 
punição suicidando-se. Hoje, com aura de mártir, volta aos refletores 
em Stephen Ward The Musical, assinado por Andrew Lloyd Weber, o 
criador de Jesus Cristo Superstar, Evita e O Fantasma da Ópera.

Resumo da história: em julho de 1961, numa festa na casa de 
campo de um lorde, o ministro da guerra britânico, John Profumo, foi 
apresentado à dançarina Christine Keeler, de 19 anos. Casado com 
a atriz de cinema Valerie Hobson, Profumo, 46 
anos, era um político em ascensão no partido 
conservador. O famoso osteopata e pintor Stephen 
Ward (retratou o Duque de Edimburgo 
e o Duque e a Duquesa de Kent), 48 anos, foi 
quem apresentou Christine a Profumo. Ward 
também apresentou Christine, sua amiga, a 
Eugene Ivanov, adido naval da URSS em Londres. 
Na verdade, Christine era uma garota 
de programa; Stephen Ward, um proxeneta; 
Ivanov, um espião da KGB – e Profumo, um 
grande otário. O ministro em poucas semanas 
se deu conta do risco da situação e rompeu com 
Christine, mas o estrago já havia sido feito. 

Quase dois anos depois, um problema de 
Christine com a justiça trouxe o caso à tona. E 
estourou nos jornais. "WAR MINISTER SHOCK" foi uma das primeiras 
manchetes. O escândalo – em que um ministro britânico (justo 
o da guerra) e um espião soviético dividiam a cama com a mesma 
mulher – acontecia num momento nevrálgico da Guerra Fria, pouco 
depois da Crise dos Mísseis de Cuba, em que Kennedy e Kruschev 
quase desencadearam o holocausto nuclear. (No imaginário popular, 
ocorria o boom de James Bond, com o primeiro filme da série em 
cartaz, O Satânico Dr. No) Em março de 1963, Profumo declarou reservadamente 
à Câmara dos Comuns que “não houve nenhuma impropriedade” 
em suas relações com Christine Keeler. Em 5 de junho, ele 
voltou atrás e admitiu que havia mentido. Renunciou ao ministério, 
à cadeira no Parlamento e ao seu posto no Conselho Privado. Graças 
ao Caso Profumo, os conservadores perderam o gabinete para 
os trabalhistas nas eleições do ano seguinte e entrou em cena, como 
primeiro-ministro, Harold Wilson, aquele cinquentão sorridente 
que tirava fotos de cachimbo na boca com os Beatles.

RELATÓRIO BEST-SELLER

Publicado em 25 de setembro de 1963 pela imprensa oficial de 
Sua Majestade, o relatório oficial de Lord Denning tornou-se um 
best-seller: vendeu mais de 100.000 exemplares, sendo 4.000 na primeira 
hora. Saiu na íntegra como suplemento do Daily Telegraph e foi 
descrito pela BBC, em 1999, como “o mais picante e deleitável relatório 
oficial já publicado.” Eu morava em Londres na época (veja box) e 
também engrossei a imensa fila diante de Her Majesty’s Stationery 
Office para comprar o meu. Está meio desbotado, 
com a lombada um pouco avariada e as folhas 
amareladas, mas ainda rende ótima leitura. Vou 
compactar alguns trechos. Lorde Denning descreve 
admiravelmente os personagens:

• “A história tem de começar com Stephen 
Ward, 50 anos. Filho de um clérigo, era osteopata 
com consultórios em 38, Devonshire Street, W1. 
Muito competente, tinha pacientes famosos. Era 
também um talentoso pintor de retratos e pessoas 
importantes posaram para ele. Sua conversa rápida 
e fácil atraia muita gente, mas repelia outros. Gostava 
de conhecer ocupantes de altos postos. Era, ao 
mesmo tempo, extremamente imoral. Costumava 
atrair garotas bonitas de 16 ou 17 anos, geralmente 
de boates – seduziu muitas delas – e as fazia amantes 
de seus amigos influentes. Atendia também a amigos com gostos 
pervertidos, promovendo açoitamentos e outras cenas de sadismo. 
Participava de festas com orgias sexuais revoltantes. Finalmente, 
admirava o regime soviético e simpatizava com os comunistas. Ficou 
muito amigo de um russo, Eugene Ivanov.”

• “O capitão Eugene Ivanov era adido naval assistente na embaixada 
da Rússia em Londres, um posto apenas diplomático. Chegou 
ao país em 27 de março de 1960, mas o Serviço de Segurança descobriu 
que era também um oficial da inteligência russa. Seu inglês era 
razoável e podia conversar com facilidade. Mas bebia bastante e era 
mulherengo. Impressionava-se com pessoas da aristocracia. Não 
perdia tempo em defender o lado russo. Avisava logo seus interlocutores: 
'Tudo o que vocês disserem vai direto para Moscou. Meçam 
suas palavras.' Stephen Ward e o capitão Ivanov se tornaram grandes 
amigos. Iam a restaurantes, jogavam bridge, encontravam amigos e 
garotas. Ivanov preenchia um novo papel na técnica russa: dividir o 
Reino Unido dos Estados Unidos, desmoralizando ministros ou altos 
funcionários para que o serviço secreto britânico parecesse incompetente. 
Se esse era o alvo do capitão Ivanov, tendo Stephen Ward como 
seu instrumento, ele foi muito bem sucedido.”

• “Christine Keeler, com 21 anos, saiu de casa aos 16 e logo se 
empregou num cabaré de Londres onde seu trabalho era caminhar 
pelo palco sem roupas. Stephen Ward a conheceu e a convidou para 
morar em sua casa. Ele a apresentava a homens influentes com os 
quais ela mantinha relações sexuais. Christine tinha indubitáveis 
atrativos físicos.”

• “O Sr. Profumo foi ministro da guerra de julho de 1960 a junho 
de 1963. Aos 48 anos, tem uma inestimável folha de serviços ao país. 
Quaisquer indiscrições que tenha cometido e quaisquer falsidades que 
tenha contado, nenhum depoente que ouvi deu provas de duvidar da 
sua lealdade. O Sr. Profumo casou-se em 1954 com a Srta. Valerie Hobson, 
atriz talentosa, e o apoio que ela lhe deu em seus dias difíceis é um 
dos aspectos mais redentores nos acontecimentos que vou descrever.”

• “Lorde Astor conheceu Stephen Ward em 1950 quando o procurou 
como paciente depois de um tombo durante uma caçada. Em 
1956 Lorde Astor alugou a Ward um chalé na sua propriedade de Cliveden.” 
(No fim de semana de 8 e 9 de julho de 1961 os convidados 
de Lorde Astor se encontraram com as convidadas de Stephen Ward 
na piscina da propriedade. Foi quando Profumo conheceu Christine 
Keeler.) “Todos estavam em roupas de banho, mas nada indecente 
aconteceu. O capitão Ivanov deixou Cliveden no começo da noite de 
domingo e deu carona para Christine. Foram para a casa de Stephen 
Ward e lá beberam bastante e houve algum tipo de relação sexual. 
Mas o capitão Ivanov nunca se tornou amante de Christine. Aparentemente, 
durante aquele fim de semana o Sr. Profumo se sentiu muito 
atraído por Christine Keeler. Nos dias seguintes, marcou encontros 
com ela, visitou-a na casa de Stephen Ward e teve relação com ela 
lá. Certa vez, a levou a passear em um carro do ministério. Em agosto, 
quando sua mulher estava na Ilha de Wight, ele levou Christine para 
sua própria casa, em Regent’s Park. Um dos pontos mais críticos da 
minha investigação é este: teria Stephen Ward pedido a Christine 
Keeler para obter do Sr. Profumo informação sobre quando os norte-
americanos forneceriam a bomba atômica para a Alemanha? Ninguém 
em sã consciência teria pedido a alguém como Christine Keeler 
que obtivesse esse tipo de informação do Sr. Profumo.”

A inteligência britânica acompanhava os passos do ministro da 
guerra e sabia de tudo. O secretário do gabinete aconselhou Profumo 
a terminar a relação e ele o fez numa carta para Christine em 9 de 
agosto de 1961. Tudo teria ficado em silêncio não fosse um traficante, 
amante de Christine, ter arrombado sua porta a tiros e levado a call girl 
para os tribunais e as manchetes.

CHRISTINE FALA

Passados 50 anos, a própria Christine desmente o Relatório Denning. 
Em entrevista ao Daily Mirror (9 de junho de 2013), ela admite 
que foi manipulada pelo médico para trair seu país. Disse que Ward 
usou o primeiro encontro na sua casa entre ela e “Jack” para roubar 
documentos secretos da pasta do ministro detalhando a entrega de 
armas nucleares à Alemanha. “Profumo nunca revelou que teve cartas 
secretas roubadas, por arrogância, incompetência ou para esconder 
sua negligência.” Christine contou ainda ao Mirror: “Não lembro 
bem como era fazer sexo com Jack, a não ser que foi furtivo no começo, 
depois se tornou cada vez mais prazeroso e subitamente acabou. 
Parece incrível que nossa relação tenha resultado em tanta tragédia 
e tanto dano.” Ela se diz uma inocente útil, enganada por Ward. “Fui 
recrutada por um homem esperto e carismático, mas perigoso.” Conta 
que foi a encontros com espiões infiltrados no próprio establishment, 
como Sir Anthony Blunt (curador dos museus reais), Sir Roger Hollis 
(chefe do MI5) e outros: “Podem imaginar como era chato para mim 
ficar ouvindo toda aquela conversa sobre Moscou, Washington e 
bombas nucleares?”

No rastro do escândalo, o michê de Christine Keeler subiu astronomicamente. 
Ela foi para a cama com bonitões do cinema como 
Warren Beatty, George Peppard, Maximilian Schell e os veteranos 
Robert Mitchum e Douglas Fairbanks Jr. Costumava circular na noite 
com sua amiga Mandy Rice-Davis, 19 anos, que também se envolveu 
no escândalo. Ficou famosa por uma frase, no tribunal, quando 
lhe disseram que Lorde Astor negara qualquer relação com ela: “He 
would, wouldn’t he?” (“Ele falou, não foi?”) A frase entrou na 3ª edição 
do Oxford Dictionary of Quotations (1979). Em 1983, Christine 
publicou uma autobiografia, Nothing But. Na época vendia telefones 
em Fulham, depois gerenciou uma lavanderia em Battersea. Na década 
de 1990, foi morar no litoral sul da Inglaterra e trabalhou como 
cozinheira numa escola de moças. Em 2001 ainda tinha o que contar 
e lançou uma segunda autobiografia, The Truth at Last. 

Peter Wright, agente da contrainteligência britânica MI5, interrogou 
longamente Christine sobre o Caso Profumo. Em sua autobiografia, 
Spycatcher (Caçador de espiões, Bertrand-Brasil, 1988), 
ele disse que se surpreendeu ao ver uma garota de programa inculta 
usar o termo nuclear payload (carga útil nuclear) referindo-se 
a mísseis. Christine foi imortalizada pela foto icônica do australiano 
Lewis Morley, feita em maio de 1963, em que aparece nua, 
escanchada numa cadeira do designer dinamarquês Arne Jacobsen. 
Tanto a cadeira como a foto entraram para o acervo do Victoria 
& Albert Museum de Londres. Uma frase atribuída a Christine 
também ficou célebre: “Eu assumi os pecados de todo mundo, de 
toda uma geração, na verdade.”

PSICODRAMA

Um filme britânico sobre o Caso Profumo foi lançado em 1989, 
Scandal, dirigido por Michael Caton-Jones e estrelado por Joanne 
Whalley (Christine Keeler), John Hurt (Stephen Ward), Ian McKellen 
(John Profumo), Britt Ekland (Mariella Novotny) e Bridget Fonda 
(Mandy Rice-Davies). Um destaque do filme foi a canção Nothing Has 
Been Proved, composta e produzida pelos Pet Shop Boys e cantada por 
Dusty Springfield. John Dennis Profumo, o 5º Barão 
Profumo do Reino da Sardenha, depois da 
renúncia prestou serviços voluntários limpando 
latrinas em Toynbee Hall, uma instituição 
de caridade no East End, a zona mais pobre 
de Londres. (Lembra o fim de Jeremy Irons 
em Perdas e danos). Com o tempo, 
tornou-se o principal angariador de fundos da instituição e conseguiu restaurar em parte sua reputação. 
Trabalhou lá até morrer em 2006, aos 91 anos. Sua mulher, 
Valerie Hobson, interrompeu uma brilhante carreira de atriz em 1954 
ao casar com Profumo. Seu último filme, o 45º, foi Um Amante Sob Medida, 
dirigido por René Clément e estrelado pelo galã Gérard Phillipe. 

Morreu em 1998 aos 81 anos. 

A vida de Stephen Ward tem tudo para dar um belo musical. Foi 
médico, entre outros, de Winston Churchill, Frank Sinatra e Elizabeth 
Taylor. Na Segunda Guerra, na Índia, o capitão Ward tratou o 
Mahatma Gandhi de dores de cabeça e da coluna cervical. Aos 17 
anos rompeu com a família e foi para Londres. Vendeu tapetes, baús 
de chá indianos, assinaturas da revista The Spectator e foi tradutor da 
Shell em Hamburgo. Em 1934, aos 22 anos, a mãe o persuadiu a estudar 
medicina. Formou-se no Kirksville College of Ostheopathy and 
Surgery no Missouri, nos Estados Unidos. Segundo o jornalista Philip 
Knightley, “Ward ajudou a dar à luz bebês em fazendas remotas, 
praticou cirurgias em mesas de cozinha, cuidou de ossos quebrados 
em tornados e ministrou injeções contra a febre tifoide durante as 
enchentes que devastaram a junção dos rios Ohio e Mississipi.” 

Stephen Ward não resistiu às pressões do Caso Profumo e 
envenenou-se com barbitúricos. Estava em coma quando recebeu 
o veredicto de culpado da acusação de viver de “ganhos imorais” 
ao prostituir suas amigas Christine Keeler e Mandy Rice-Davies. 
Morreu três dias depois da sentença, em 3 de agosto de 1963. O Caso 
Profumo foi o divisor-de-águas entre a velha e a nova Inglaterra. 
Como registrou em março de 1963 a revista Time: “Na ilha onde o 
tema era há muito tempo tabu entre a sociedade educada, o sexo explodiu 
na consciência nacional e nas manchetes. ‘Estamos virando 
maníacos sexuais?’ pergunta o Daily Herald. ‘A castidade está fora de 
moda?’ pergunta uma revista escolar para adolescentes. ‘As virgens 
ficaram obsoletas?’ é a pergunta feita pelo solene New Statesman. As 
respostas variam, mas uma coisa é clara: a Grã-Bretanha está sendo 
bombardeada por uma barragem de franqueza em relação ao sexo.” 

O Caso Profumo foi também o grande psicodrama da Guerra 
Fria, uma tragédia que Shakespeare teria escrito se vivesse nos anos 
1960. A partir do dia 3 de dezembro, esta história será revivida todas 
as noites no palco do Aldwych Theatre, em Londres. E – quem sabe 
no ano que vem? – nos melhores teatros de Rio e São Paulo.

MEMENTO

Embalos de sábado à noite em Londres, 3 de agosto de 1963,
morei em Londres de agosto de 1962 a junho de 1965, trabalhando 
no Serviço Brasileiro da BBC). Eu bebia num pub de Chelsea bem 
próximo ao hospital St. Stephen’s, onde o médico Stephen Ward, o 
agente catártico do Caso Profumo, estava em coma depois de uma 
tentativa de suicídio. O escândalo ocupava todo dia as manchetes. 
Lembro bem daquela noite por causa de uma quadrinha rabiscada na 
parede do banheiro do pub, que nunca mais esqueci: “L’ha detto Dante/ 
lo confermó Petrarca/ la fica di una donna/ ha la forma di uma barca.”(Já 
disse Dante/ e confirmou Petrarca/ a xota de uma dona/ tem a forma de 
uma barca.) No domingo, acordei de ressaca. Ao sair às ruas aturdido, 
vi os cartazes das bancas de jornais berrando: Stephen Ward tinha 
morrido naquela noite. 



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