No fim dos anos 1950, Chateaubriand lê a Manchete, que logo desbancaria O Cruzeiro. Foto Manchete/Reprodução |
Essa foto rara foi feita há cerca de 60 anos. O magnata da comunicação Assis Chateaubriand folheia uma edição da Manchete. Os Diários Associados viviam seu ponto mais brilhante antes do crepúsculo. A Manchete, menos de cinco anos depois de criada, estava longe de competir com O Cruzeiro, sua circulação de 400 mil exemplares e uma lendária equipe de repórteres e fotógrafos.
Aparentemente, Chatô não estava nem aí.
A gráfica dos Bloch tinha uma pequena rotativa offset que imprimia durante cinco dias por semana as revistas infantis de Adolpho Aizen e Roberto Marinho. Sobravam dois dias para rodar a Manchete, que ainda não competia com as reportagens épicas do Cruzeiro.
Em 1959, Adolpho Bloch convidou Justino Martins para dirigir e comandar um reforma editorial na revista. A essa altura, já impressa em máquinas modernas e exibindo a qualidade gráfica que seria uma das suas marcas registradas. Inspirada na Paris Match, Manchete foi modernizada, tomou um "banho de loja".
Ao levar a construção de Brasília a milhares de leitores, passo a passo e em fotos memoráveis, Manchete ganhou o alcance nacional que ainda lhe faltava. Começou ali a decolagem. Em menos de cinco anos, aquela revista que Chatô folheava despreocupadamente desbancou O Cruzeiro, passou a liderar com folga a circulação e tornou-se a principal semanal brasileira. O Brasil vivia um ciclo de desenvolvimento. Dizem os teóricos que o país ganhou ali os contornos de uma sociedade de massa. Manchete se beneficiou disso e cobriu não apenas os sinais de progresso mas a agitação cultural que embalou a época: Bossa Nova, Cinema Novo, a arquitetura, a arte, o teatro e outras expressões artísticas e estéticas. O esporte gerava ídolos: Pelé, Garrincha, os demais campeões do mundo de 1958 e de 1962, Éder Jofre no boxe, Maria Esther Bueno em Wimbledon, até o tênis de mesa tinha a sua celebridade, um menino campeão mundial, o Biriba. Manchete surfou nessas ondas.
E a Bloch ainda lançou outra publicação, a Fatos & Fotos, que, nas bancas, tinha a função estratégica de congestionar a semana e fechar ainda mais o espaço para a revista dos Diários Associados.
Chatô ainda não sabia o que estava perdendo. Mas a revista concorrente já virava a curva e buscava o vácuo da líder.
Adolpho Bloch visita Chateaubriand. Chatô, o "Cidadão Kane" brasileiro, já estava doente. Foto Manchete/Reprodução |
Assis Chateaubriand morreu em 1968. Adolpho em 1995.
E as duas revistas completaram quase o mesmo tempo de banca, mas não chegaram a comemorar 50 anos de existência.
Manchete acabou aos 48 anos (ainda lançou algumas edições especiais não regulares, depois disso).
O Cruzeiro foi morrendo aos poucos e tirou a rotativa da tomada, definitivamente, aos 47 anos.
Requiescat in pace...
5 comentários:
Não acho que a Manchete tenha desbancado a revista O Cruzeiro. A revista O Cruzeiro chegou a imprimir 900 mil exemplares em 1954 com a morte do presidente Getúlio Vargas e daí por diante a sua venda foi caindo. Mas não pela entrada da revista Manchete mas por deixar de se atualizar graficamente com equipamentos mais modernos que agilizavam a sua impressão e entrada nas bancas. A revista O Cruzeiro, através de seu sistema de distribuição chegava as cidades mais remotas do país. Em lombo de burros subia as serras para entregar as edições da revista, com atrazo de mais de quinze dias, é verdade, mas as revistas chegavam. Não existia a internet e a leitura nessas cidades mais remotas se tornava um imperativo pela avidez de notícias e informações do que o estava ocorrendo no mundo naquelas semanas. Nas grandes metrópoles brasileiras a Manchete realmente se impôs no mercado e a revista O Cruzeiro foi aos poucos perdendo a sua influência não por qualidade de informação mas mais por qualidade do produto em si que por razões até hoje não compreendida por mim O Cruzeiro era impresso em cor sépia e não em preto e branco como a Manchete era impressa, esse é detalhe a mais no processo de sua queda de vendas . Acredito que mais por luta política interna – luta pelo poder da direção da revista – a revista foi perdendo o seu entusiasmo pelo trabalho de se fazer jornalisticamente uma revista. Aos poucos a revista foi perdendo os seus craques de jornalismo e uma equipe mais enfraquecida não teve a força suficiente para continuar o trabalho de qualidade exigida pelo jornalismo como produto redacional. A entrada da Internet no mundo jornalístico foi uma das razões cruciais para a queda das vendas nas bancas de jornais. A rapidez das notícias informadas pela Internet chegavam muito antes dessas mesmas notícias serem publicadas na revista. A queda das vendas da revista O Cruzeiro nas bancas e mais tarde também da revista Manchete é para ser estuda e analisada por um trabalho com mais fôlego e competência do que um simples recado num Blog.
Um detalhe que muitos poucos sabem. A revista O Cruzeiro não pertencia aos Diários Associado de Chateaubriand. Ela integrava o grupo dos Diários Associados mas na verdade juridicamente ela era propriedade do senhor Leão Gondin de Oliveira, que tinha o maior número de ações da revista,e primo do Assiz Chateaubriand, casado com dona Amélia Whitaker de Oliveira, da família Whitaker de São Paulo. Com a sua queda de vendas e de sua administração Leão Gondin de Oliveira, num gesto que não entendi até hoje transferiu as suas ações para grupo dos Diários Associados, que passou então ser realmente dono da revista O Cruzeiro.
Fim de revista é como desastre de avião. Nunca é por um motivo só, mas por uma soma de falhas ou erros, dizem os técnicos. Não há dúvida de que o Cruzeiro foi um fenômeno até o fim da década de 1950. Manchete se modernizou graficamente e editorialmente, O Cruzeiro não. Manchete cobriu melhor naquela fase de JK o Brasil que mudava não só economicamente como culturalmente. O Cruzeiro não. Apesar de um forte rede de comunicação dos Diários Associados, rádio, Tv etc, as vendas do Cruzeiro começaram a cair na virada da década de 50 para 60. Vieram as matérias explicitamente pagas e a revista perdeu entre 1959 e 1961 suas principais estrelas. O CPdoc da Fundação Getúlio Vargas tem um trabalho interessante sobre isso. As oscilações políticas de Chateaubriand também atingiram a revista. Dizem que ele ignorou por um tempo a construção de Brasíla enquanto Manchete vendia milhares de exemplares sucessivamente. Por volta de 1965, Manchete já era uma opção melhor consolidada nas bancas e virou o jogo, passou a liderar o segmento de revista. Não há dúvida aí que desbancou a concorrente, seja lá quais os motivos todos. Nos anos seguintes, O Cruzeiro entrou em escabrosas aventuras políticas e brigas dos controladores. No começo dos anos 1970 estava até nas mãos de um Baumgarten que recebeu verbas para tornar a revista porta voz da ditadura. Aí já era a decadência total, na véspera do fim. Ou seja, foram vários os motivos da queda do O Cruzeiro, Manchete um deles.
Fico com os vários motivos da queda do O Cruzeiro, porque a queda das vendas poderia ser revertida se a empresa investisse em renovação e modernização de seu parque gráfico e contratando profissionais de jornalismo mais modernos e competentes. Mas, àquela altura do descontrole operacional a empresa não teve como captar recursos para a sua renovação e para piorar o senhor Leão Gondin de Oliveira passou todas as suas ações para os Diários Associados que passou a ser o dono tal do O Cruzeiro. E os Diários Associados, na figura do senhor João Calmon, tomou posse da empresa O Cruzeiro. A partir daí a queda se apressou rolando ladeira abaixo até o seu total aniquilamento.
O Cruzeiro foi importante para muitas gerações de brasileiros. J.A.Barros diz com razão que a revista chegava a cada pequena cidade. Manchete foi outro fenomeno. Acho que as duas nas suas épocas tinham muito conteúdo de notícia e cultural. Hoje são novos tempos de internet.
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