domingo, 27 de agosto de 2017

Memória da redação: quando uma foto-bomba da EleEla abalou a moral e os costumes da ditadura...

Alexandre Garcia: Reprodução da foto principal da matéria "O porta-voz da Abertura"
publicada na EleEla, em novembro de 1980. A foto de Frederico Mendes provocou
a demissão do jornalista, na época assessor de imprensa do general João Figueiredo.

Em fins outubro de 1980, Alexandre Garcia, então porta-voz do general João Figueiredo, foi entrevistado pela EleEla. A foto de abertura da matéria incomodou a ditadura. Garcia foi fotografado por Frederico Mendes para uma entrevista sob o título: "O porta-voz da Abertura". A EleEla foi para as bancas no começo de novembro daquele ano. Em seguida, a Veja publicou na seção de política a nota "Vulgaridade Palaciana", onde criticava a matéria. As senhoras da República militar sofreram tremores morais noturnos e a alta cúpula do Planalto reagiu. O porta-voz foi demitido.

Gervásio Baptista e Alexandre Garcia.
Foto publicada no Facebook de Dalva Tosta, que atuou
nos setores administrativos e financeiros da Bloch
dos tempos áureos e assessorou Adolpho Bloch.
Na mesma época, Adolpho Bloch começava a equipe e a estrutura da Rede Manchete em Brasília e contratou Alexandre Garcia como diretor de jornalismo da sucursal de Bloch Editores e da futura Rede Manchete, que entrou no ar em 1983.

Foi lá que o jornalista conheceu Gervásio Baptista, o fotógrafo da Manchete, com quem acabou convivendo em Brasília durante quase quatro décadas (Alexandre Garcia transferiu-se para a Globo no fim dos anos 1980 e Gervásio foi fotógrafo oficial de Tancredo Neves e da Presidência no governo Sarney, a partir de 1985).

Na semana passada, Alexandre Garcia, 76, visitou Gervásio, hoje com 95 anos, em Brasília.

Quanto ao episódio da entrevista à EleEla, foi narrado pelo próprio Alexandre Garcia no seu livro de memórias "Nos bastidores da notícia", nos trechos abaixo. Em meio ao relato, uma informação curiosa: Figueiredo era leitor da seção Forum, da EleEla, um espaço da revista que selecionava depoimentos e fantasias sexuais nada constitucionais.

"Entreguei  um (exemplar) para  o  presidente,  pedindo  que  lesse  a entrevista,  e  outro  para  Heitor (N.R. Heitor de Aquino,secretário particular de Figueiredo)  O  presidente  leu.  Foi  o  que demonstrou  no  dia  7  de  novembro,  uma  sexta-feira.  "Tínhamos trocado de avião no aeroporto Santos Dumont. Saímos do Boeing e tomamos um Buffalo, que nos levaria a Pindamonhangaba, para a inauguração  de  uma  aciaria  da  Villares.  Na  cabeceira  da  pista, estourou  um  conduto  hidráulico  dentro  da  fuselagem  e  o  fluido molhou toda a roupa do presidente. Eu estava sentado  diante  dele, do outro  lado,  pois era um avião de pára-quedistas. Ele começou a tirar a roupa e me olhou com um jeito maroto: "Será que estou seguro, tirando as calças na tua frente?" Eu  ri  e  ele  continuou,  contando  uma  história  que  o impressionara  e  estava  no  "Fórum"  daquela  edição  de  Ele  &  Ela. Naqueles dias, a revista já estava nas bancas." (...)

"Na  segunda-feira,  10 de  novembro,  o Kraemer (N.R. Marco Antonio Kraemer, assessor de Figueiredo) veio avisar-me  de  que  Farhat (N.R. Said Farhat,  ministro da Comunicação Social do governo Figueiredo)  desejava  falar  comigo.  Eram  umas  quatro  da tarde, e  o  ministro estava  saindo  para  tomar um  jatinho da  FAB na  base  aérea.  Iríamos  conversar  no  Galaxie  ministerial,  no caminho para  o aeroporto. Mal deixamos  o  palácio,  Farhat pôs a mão no meu joelho e disse: 

—  Nós dois sabemos que o nosso relacionamento nunca foi bom.  Eu  falei  com  o  presidente,  e  achamos  que,  depois  daquela entrevista, é melhor você pedir demissão. 

—    Meu  presente  de  quarenta  anos  —  respondi.  E  pedi tempo para pensar. Queria confirmar se o presidente havia mesmo autorizado a demissão. Mas Farhat não queria esperar. 

—    Aqui  está  a  minha  carta  aceitando  o  seu  pedido  de demissão.  

—  A  carta  tinha  a  data  de  meu  aniversário,  11  de novembro. 

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