sábado, 12 de dezembro de 2015

Memórias da redação: Em 1953, o cronista Henrique Pongetti descreveu na Manchete o Brasil de hoje. É só trocar os nomes ao gosto do leitor... Tem até síndrome de submissão ao tarado da política...

por Henrique Pongetti (crônica publicada na Manchete N° 50, em 28 de março de 1953)

O TARADO MUNICIPAL

Os políticos ainda não se refizeram do susto. Uns estão mantendo o coração com coramina, outros freiam os nervos com belergal. Todos porém ainda acordam de madrugada gritando: "lá vem o Jânio!" E não dormem mais com medo de sonhar outra vez com o tarado de São Paulo.
Jânio é o tarado político de São Paulo. Roubou o eleitorado de sete partidos e deixou os respectivos chefes porejando importância na sede do PTB, do PSD ou da UDN sem ter um frouxo de riso. Pastores sem rebanho, condutores de almas do outro mundo, malucos com mania de grandeza. O meu barbeiro falou-me nêles às gargalhadas e me fez sangrar o pescoço quando caçava um pêlo, escanhoando. Pensei que fôsse o começo de um Termidor, mas a presteza com que a pedra hume chegou ao poro restitui-me a confiança. Não tive outro remédio senão aderir às gargalhadas pró-Jânio como se adere a uma velha anedota servida de escabeche por um superior hierárquico.
"Lá vem o Jânio"! Eu ligo o fenômeno Jânio ao linchamento de Teófilo Otoni. O povo está começando a se dirigir, cansado de enfiar-se na mão de dirigentes para ser extraviado. Eu aposto que se nas próximas eleições se apresentar um "chauffeur" ou um ciclista de reputação ilibada e de boa "papa" - o povo lhe entregará o volante ou o guidão do Brasil.
Qualquer um serve, menos os que estão. Jânio encarna êsse "slogan" amargo e revelador.
Mais cômica que a descoberta dos chefões nus no capinzal deserto foi a dramaticidade com que êles reapareceram, vestidos, na sede dos seus ex-feudos monogramados... Pareciam querer convocar o povo todo de S. Paulo para obrigá-lo a dar satisfações. Disse-me um repórter dos mais lúcidos: "Conversei com quase todos e fiquei de coração apertado. Os homens riem amarelo como reis depostos sem derramamento de sangue nem "back-ground" histórico - com um simples pontapé na parte mais familiar ao trono. Alguns quiserem demonstrar "fair-play", passada a irritação, e derem recibo da derrota. Mas tudo saiu com um ar suspeito de adesão, de submissão ao tarado municipal. Sobretudo um me comoveu. O inconformável passeava de um lado para o outro na sala cheia de fotografias ampliadas de antigos e gloriosos comícios, gemendo como um marido abandonado: "Como é que êles foram me fazer isso! Oh, meu Deus, como foi?..." E de vez em quando entreabia a janela com cautela e espiava amedrontado o povo na  praça como se esperasse receber um tiro, um tomate ou uma cusparada".
- "Lá vem o Jânio!"
Que será de Jânio? No Brasil, o melhor modo de acabar com um ídolo do povo e colocá-lo no govêrno. Se o santo não se corrompe com a safadeza ambiente, mesológica, deixa a auréola nos espinhos do caminho e a articulação das pernas nas cascas de banana. Antes, os morcegos puxam-lhe o sangue, depois as piranhas o devoram.
É só questão de tempo, de pouco tempo, o tempo que João Ninguém espera para ver o feijão descer de preço e a alfândega dos Rio Grande do Sul não receber mais os automóveis que a do Rio de Janeiro deixou de receber por um capricho folclórico do Cexim mais de rancheira do que de samba.
- "Lá vem o Jânio!"
Depois, o Jânio pirará e cairá no esquecimento.
De Jânio em Jânio os povos alcançam sua madureza e seu lugar ao sol.
De Jânio em Jânio, as galinhas enchem o papo.

Um comentário:

Corrêa disse...

O nome que eu coloco é Cunha