sábado, 12 de dezembro de 2015

Da revista Brasileiros: "Manual do perfeito mideota" - Nas entrelinhas da imprensa

por Luciano Martins Costa (*)
O mundo de repente se tornou muito complexo? Não se preocupe: a maneira menos dolorosa de lidar com a complexidade da existência e com aquela angústia que ela provoca é assumir a condição de midiota. Portanto, é preciso verificar se você se classifica no rol dessas pessoas afortunadas para as quais o mundo é branco ou preto.
Seria maldade perguntar se você leu o livro originalmente intitulado “Being There”, publicado em 1970 pelo escritor Jerzy Kosinski. No ano seguinte, saiu uma edição brasileira que recebeu como título “O Videota”, o que facilita as coisas. Mas, para evitar o sacrifício de ter que ler um livro inteiro, informo que a versão cinematográfica pode ser baixada ou assistida online (dublada, para facilitar), no youtube ou vimeo.com. Busque pelo título: “Muito além do jardim”.
Em resumo, trata da história de um indivíduo maduro, órfão desde o nascimento, que passou a vida cuidando do jardim do homem que o acolheu. Nunca foi à escola, não aprendeu a ler ou escrever. Tudo que sabia era o que havia visto na televisão do seu quarto.
Um dia, o dono da casa morre e ele tem que sair para o mundo. O que se segue chama-se ironia: numa sociedade muito mais complexa do que o jardim que era seu universo, as opiniões simples e reducionistas que ele havia formado ao longo dessa existência alienada soam como explosões de sabedoria. Assim, ele vai subindo na escala social à base de metáforas absolutamente primárias sobre jardinagem e programas televisivos.
Alguma relação com as opiniões que você colhe na imprensa sobre política brasileira, economia e, principalmente, sobre corrupção?
Se a resposta for positiva, você tem grande chance de se identificar como um midiota. Aliás, no romance de Kosinski e no filme, o “videota” chama-se Chance, nome que em inglês, francês ou português pode ser traduzido como “oportunidade”.
Aqui está, portanto, sua chance de reduzir a angústia de viver numa sociedade onde a ascensão social de milhões de pessoas que viviam na pobreza produziu um alto grau de complexidade. Vamos combinar: a vida era muito mais simples quando a empregada usava o elevador de serviço, andava de ônibus, não precisava de férias e conhecia o seu lugar. E a gente nem precisava registrar o emprego dela. Quebrava um vaso, podia trocar o vaso e a empregada, sem maiores danos.
Também sabemos, você e eu, que esse negócio de preto, mulato, aquele povo do norte, fazendo compra no mesmo supermercado, comprando a mesma coisa que a gente, causa um certo desconforto. Esse mal-estar aumenta muito quando os encontramos na fila do aeroporto, ou a bordo daquele navio de cruzeiro, certo?
Tudo isso é causa de angústia e isso é compreensível: você não teve a chance de se preparar para essa mistura, porque passou a vida entre a mídia conservadora e o jardim do lar burguês.
A boa notícia é que você pode reduzir esse sofrimento simplesmente assumindo sua condição de midiota.
O diagnóstico é simples e pode ser feito por você mesmo. Por exemplo, você leu nos jornais que o desemprego de março superou o de fevereiro, e saiu por aí dizendo que o Brasil está à beira do abismo. Nem se pergunta quantos dias úteis tem fevereiro, se esse é um mês em que as pessoas esperam arrumar emprego etc.
Se você assumiu que o Brasil foi para a cucuia, parabéns: você é um midiota quase perfeito.
Mas se você tem um resquício de senso crítico e questiona se esse tipo de indicador é duvidoso, ainda pode comparar o desemprego do primeiro semestre deste ano com o do ano anterior. Pode chegar à mesma conclusão, ou seja, de que o Brasil foi pelo ralo.
No entanto, se passar pela sua cabeça que 2014 foi ano de Copa do Mundo e, portanto, muitos indicadores econômicos ficaram fora da curva, sinto muito: você está deixando o confortável mundo dos midiotas.
Veja bem: não se trata de ler ou não os jornais e as revistas semanais de informação que dominam o mercado, ou de assistir os telejornais todas as noites. Ser um midiota é uma questão de postura – você precisa receber esse noticiário pelo preço de face, ou seja, tem que absorver a mensagem sem aplicar sobre ela qualquer questionamento.
Não pode considerar, por exemplo, que um ano inteiro de noticiário negativo, apocalítico, acaba produzindo o que anuncia, porque afeta o ânimo de investidores, de empresários e dos trabalhadores.
Outra chance de fazer o diagnóstico: você vibrou com a manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para levar a votação a proposta do impeachment da presidente da República? Não se importou com a hipótese de que o solerte parlamentar pudesse estar desviando sua atenção das acusações que pesam sobre ele?
Depois disso, você passou a achar que o vice-presidente Michel Temer é um homem de muitas luzes, porque quase oficializou o rompimento do PMDB com a aliança governista, testando a perspectiva do impeachment?
Se a resposta for positiva em ambos os casos, você está no caminho da libertação: mais um pouco e será dispensado de emitir opiniões inteligentes sobre qualquer coisa.
Mas, se passar pela sua cabeça que até o advogado que assina o pedido de impeachment sabe que dificilmente o Supremo Tribunal Federal iria concordar com a quebra da ordem constitucional se não houve – como não há – denúncia de crime administrativo contra a presidente da República, sinto muito: ainda falta um bocado para você se considerar um perfeito midiota.
Como se vê, o Brasil se tornou muito complexo.
Mas não perca a esperança: continue lendo diariamente os principais jornais do País, não se esqueça de olhar as manchetes nas bancas, e não deixe de assistir aos telejornais e aqueles comentaristas cheio de sabedoria sobre tudo.
Um dia você acorda transformado num enorme inseto, e não vai ter que se preocupar com mais nada.

*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas


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7 comentários:

Alexandre Raposo disse...

Podemos até ser midiotas por acreditarmos nas revistas. Afinal, este site é de ex-funcionários de uma grande empresa que produzia, justamente, revistas. E com muito orgulho do que fazíamos. Acredito que a maioria das pessoas que visitam esta página deve concordar comigo. Mas, se nós somos midiotas, as pessoas que acreditam que há uma grande conspiração de direita (ou seja: mídia, oposição, Polícia Federal, Supremo Tribunal Federal, OAB, etc.) para derrubar um grande governo democraticamente eleito pelo povo sofre, no mínimo, de viés de confirmação (q.v.)

Benassi disse...

Naum acredito em políticage e imprensa, mano

Vianna disse...

Vai pra Cuba!!! Bolsonaro para presidente em 2018

Alexandre Raposo disse...

Caro Benassi. se você não acredita na imprensa e nem na política, devia ir morar em Cuba ou na Coréia do Norte. Lá, não tem imprensa. Só propaganda. E também não há política, só ditadura. Como essa que vocês estão tentando implantar por aqui.

J.A.Barros disse...

Esse autor desse texto é um gênio. Sabe tudo e por se achar o dono da verdade acredita que aquele que não concordar com os seus argumento é um idiota, midiota, videota ou sei lá mais o que. Ele não é nada disso é um ser perfeito e senhor da razão absoluta. Parabens senhor Perfeito!

Benassi disse...

Falha de São Paulo, O Bobo, dá pra ler isso? Que Cuba ou Coreia, a parada é aqui, a periferia vai chegar junto e botar coxinha e playboy pra correr

Anônimo disse...

Ué, celular em presídio não é proibido? Como é que esse Benassi está postando comentários aqui?