
Em maio de 1999, foram transferidas as concessões públicas da extinta TV Manchete do grupo Bloch para empresários anônimos no meio televisivo, os senhores Amilcare Dallevo e Marcelo Carvalho, dos famosos sorteios de prêmios do sistema telefônico 0900, que foram os agraciados com cinco canais nas praças do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza.
A Lei de Telecomunicações e a própria Constituição Federal foram burladas porque haveria obrigatoriamente necessidade de se abrir novas licitações em 1986, após 15 anos da outorga, ocorrida em 1981. Na época, o governo Fernando Henrique não fez isso, inclusive sob o argumento de que os trabalhadores seriam protegidos em seus direitos, o que o tempo se encarregou de mostrar o contrário. Ou seja, após a publicação no Diário Oficial das transferências das concessões públicas, a Rede TV (nome de fantasia da TV Ômega), “se esqueceu” de cumprir suas obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais, formalmente pactuadas na época.
Também não há como negar que a extinta TV Manchete foi sucedida pela TV Ômega Ltda., sob as mais variadas formas, tudo formalmente documentado, ou seja: a) em decorrência da Lei (Decreto Presidencial); b) pelo contrato firmado entre ambas com a transferência do Fundo de Comércio (atividade fim – canais de televisão); c) pela inexistência de solução de continuidade das transmissões, e a utilização de equipamentos e instalações de antenas receptoras, transmissoras de sinais de telecomunicações, geradores e torres, componentes relativos aos mesmos, através de contrato de locação; d) pelo estranho e inusitado pagamento, em se tratando de uma concessão pública, que deveria ser efetivado aos sócios da TV Manchete, acima de U$ 7 milhões, pela transferência da emissora; e) pela celebração de acordo coletivo com os sindicatos das categorias envolvidas (radialistas, jornalistas e artistas), no qual foi estabelecido de forma clara o aproveitamento de mão-de-obra, com estabilidade empregatícia de 90 dias e que na realidade durou cerca de 180 dias; f) pelo modo de pagamento de salários atrasados; g) pela implantação de Programa de Demissão Voluntária, entre outros aspectos relevantes, como o direito ao uso da marca TV Manchete por 15 anos.
Para que todos saibam, a sucedida (extinta TV Manchete) e sucessora (Rede TV) celebraram, em maio de 1999 – já caracterizada a transferência da concessão para exploração de sinais de radiodifusão de imagens e sons – um Acordo Coletivo. Assinaram o acordo várias entidades sindicais, incluindo o Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro, e entre os vários compromissos citados, incluíam- se o pagamento dos salários atrasados a serem quitados em 12 parcelas mensais e sucessivas.
Contudo, somente foram pagas seis parcelas, desrespeitando-se o contrato celebrado, inclusive perante o Ministério das Comunicações, através dos documentos de transferência dos canais de televisão, assim como perante a opinião pública – comunicado publicado nos principais jornais do país naquela época. Portanto, a TV Omega possuía e possui a obrigação de pagar todos os direitos dos empregados oriundos da extinta TV Manchete, pois firmou compromisso documental perante o Ministério das Comunicações e o próprio Congresso Nacional.
No final de novembro de 1999, como num passe de mágica, a TV Omega passou a fugir de suas responsabilidades obrigacionais, limitando-se a dizer, de forma hilária, “fale com a TV Manchete”. Ora, a TV Manchete deixou de existir em 16 de maio de 1999, e a não ser que viva como uma “laranja podre”, não possui mais os canais de televisão.
Esta situação não foi resolvida até hoje. Reina um completo silêncio das autoridades governamentais e também do parlamento brasileiro. Os empresários da TV Ômega celebram contratos, se obrigam com os direitos trabalhistas, mas depois, com a chancela lamentável e inexplicável do Governo Federal daquela época e do Congresso Nacional, fingem que nada foi acordado. Vale destacar que, só de FGTS, a dívida, em 1999, era de mais de R$ 40 milhões e as contribuições previdenciárias devidas alcançavam mais de R$ 100 milhões. Nada disso foi pago, sem falar do Imposto de Renda, que também alcançava uma cifra milionária.
Os trabalhadores, cansados de esperar, ajuizaram ações trabalhistas, sendo certo que houve o reconhecimento, passados mais nove anos, de forma unânime, da sucessão trabalhista em todos os Tribunais do Trabalho. No fim de 2007, surpreendentemente, os controladores da TV Omega buscaram no STJ, violando e usurpando escandalosamente a competência da Justiça do Trabalho e a Constituição Federal, dois processos judiciais denominados conflitos de competência. Alegou divergência entre todos os juízos trabalhistas e uma Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, na qual discutiu tão somente questões comerciais entre os adquirentes da Rede TV e o grupo Bloch.
O objetivo é dar o calote em mais de 2.500 processos sentenciados, mais de 90% deles já transitados em julgado e todos já sentenciados em primeira e segunda instâncias, inclusive com o reconhecimento unânime da sucessão trabalhista pelo próprio TST. Centenas de processos foram julgados de forma definitiva.
Esses dois processos que estão no STJ, relacionando mais de 800 processos trabalhistas, e que foram aceitos, até o momento, de forma inusitada e surpreendente, com o deferimento de medida liminar, ferem inclusive a jurisprudência daquele próprio Tribunal. A Súmula 59 impediria a tramitação de quaisquer conflitos de competência, quando existentes processos com trânsito em julgado. Sem falar que foi utilizado como absurdo precedente a Lei 11.101/2005, no processo da antiga Varig, sem base legal para utilizá-lo nos processos da TV Omega, que foi adquirente dos canais de televisão da extinta TV Manchete em maio de 1999. Nenhuma dessas empresas nunca esteve sob o regime da recuperação judicial que alude tal norma legal, o que mostra a gravidade da situação.
Enfim, estamos todos lutando, o Sindicato dos Radialistas, dos Jornalistas, a Fitert e os demais trabalhadores, com ações trabalhistas individuais, pelos seus advogados, para evitar mais uma lamentável tentativa de apagar todos os compromissos assumidos e confessados pela TV Omega (Rede TV!), busca concretamente efetivar um calote em milhares de trabalhadores e também no Tesouro Nacional.
Precisamos, portanto, de uma ampla mobilização de outras entidades da sociedade brasileira, tais como a OAB, as associações de magistrados trabalhistas, as associações do Ministério Público do Trabalho, as Centrais Sindicais, Federações e outras entidades representativas, a fim de denunciar estes fatos ao TST e ao STF. Estamos correndo um enorme risco desses “conflitos de competência” no STJ se transformarem num gravíssimo precedente para outras tantas empresas negarem a sucessão trabalhista e suas obrigações legais.
O que se busca, lamentavelmente, é desferir um golpe mortal não só em relação aos direitos dos trabalhadores, ao instituto da coisa julgada, mas também, e de forma preocupante, em face da própria Justiça do Trabalho, quanto à usurpação concreta da sua competência material consagrada no artigo 114 da Constituição Federal.
Teremos o absurdo de a Justiça Estadual passar a julgar pedidos de aviso prévio, férias, horas extras, 13º salário e FGTS, por exemplo, como já decidido, mesmo que provisoriamente pelo STJ, nos dois conflitos de competência. Seria teratológico em nosso universo jurídico brasileiro.
Aguardamos ansiosamente que o governo federal também cumpra o seu papel de credor e fiscalizador nesta novela sem fim. Esperamos que o direito e a justiça se façam presentes e que não se perpetue uma vergonhosa crônica de uma morte anunciada.
(Transcrito do site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro. Nicola Manna Piraino é advogado do Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro e da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão - Fitert)
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