domingo, 6 de março de 2022

A Copa do Brasil é para principiantes... • Por Roberto Muggiati

O "frago" de Daniel.
Reprodução Imagem Sportv
Maior competição de futebol do país, reunindo 80 times de quase todos os estados, a Copa do Brasil tem um  regulamento estranho. Na sua primeira fase, times menores, agraciados com a participação, entram praticamente como “bois de piranha”. Jogando em casa contra times maiores, têm a obrigação de vencer; o empate classifica o visitante. Nesta edição de 2022, os pequenos foram todos à luta e promoveram um festival de zebras. O Mirassol paulista eliminou por 3x2 o Grêmio, o segundo maior vencedor da competição. Pior sorte coube ao Internacional, que já foi até campeão do mundo. Com um frango antológico do goleiro Daniel e um gol em contra-ataque fulminante no final, foi eliminado pelo Globo FC de Natal, RN.  Num duelo gaúcho, o Brasil de Pelotas foi eliminado pelo obscuro Glória de Vacaria por 1x0. Já o Juventude fez a lição de casa: despachou o Porto Velho de Rondônia por 2x1.

O Vasco, acuado e sob forte pressão da Ferroviária de Araraquara, SP, conseguiu escapar da degola com um gol de cabeça de Raniel, uma de apenas quatro finalizações no jogo inteiro, em mais uma assistência milagrosa de São Nenê. O São Paulo se safou num empate de 0x0 com a Campinense.  

Timinho simpático em alta – na verdade é um timaço – a Portuguesa da Ilha do Governador, RJ, eliminou o veteraníssimo CRB de Alagoas por 1x0. Já o experiente Volta Redonda, da Cidade do Aço, foi ao Maranhão para ser eliminado pelo Tuntum por 4x2. Outro maranhense de garra, o Moto Clube, eliminou a Chapecoense por 3x2. 

Os pernambucanos se deram mal: o Sport foi eliminado pela quarta vez seguida na primeira fase, agora pelo Altos, do Piauí, por 1x0. O Náutico perdeu para o Tocantinópolis por 1x0. A capixaba Nova Venécia despachou o Ferroviário do Ceará por 2x1.  Outro time do Espírito Santo, o Real Noroeste, eliminou por 2x1 o Operário de Ponta Grossa, PR. O Londrina perdeu para o Ceilândia do DF por 2x0 e o Paraná deu adeus à Copa na derrota para o Pouso Alegre (MG) por 2x0. Outros paranaenses menos notórios despacharam equipes veteranas: o Cascavel picou a Macaca, ganhou da Ponte Preta por 1x0. Já ouviram falar no Azuriz, um clube-empresa de Marmeleiro? Eliminou o Botafogo de São Paulo por 1x0. Finalizando a festa, a Tuna Luso Brasileira de Belém do Pará mandou passear o paulista Grêmio Novorizontino, por 1x0.

O "caneco" do Brasil. Foto Divulgação CBF

Menos engessada e elitista do que o Brasileirão, a Copa do Brasil é um fator de integração no esporte nacional e promete suspense e surpresas sem fim nos seus embates, além de injetar muito dinheiro nos clubes e garantir ao campeão uma vaga na Libertadores. Quando rola, mesmo nos gramados mais remotos, um jogo da Copa do Brasil, a democracia de certa forma entra em campo.

sábado, 5 de março de 2022

Torcedor: a tua SAF vai jogar hoje?

por Niko Bolontrin

Tomando um shot de vodca russa - "seu"  Manoel do boteco ainda não aderiu ao boicote - soube que os times de futebol estão se transformando em empresas. Deve ser uma solução para a penúria da imensa maioria dos nossos clubes de futebol. Vá lá que seja. Pelo que entendi muita coisa vai mudar. 

Explico: andei meio ausente, isolado em um sitio, por conta da pandemia, e me desatualizei dos fatos. Confesso que não senti falta. Só se fala em SAF. Botafogo SAF, Cruzeiro SAF, Vasco SAF...  Quer dizer Sociedade Anônima do Futebol. Na prática, permite que um time seja vendido a investidores. 

Quem critica a nova lei afirma que essas empresas se tornarão ativas plataformas para formação e venda de jovens talentos. De fato, vender jogadores é a atividade mais rentável do futebol. No Brasil, onde patrocínios, direitos de TV, venda de ingressos e de camisas não sustentam nem 90 % dos clubes eternamente endividados, vender jogadores tem ajudado a pagar folhas salariais. 

O torcedor é que terá que se acostumar com mudança na cultura do futebol. Tudo vai virar business. Se as SAF não forem bem administradas poderão falir, como qualquer empresa. Diálogos assim serão possíveis.

- "Como é que tá teu time?"

- " Ih, irmão, faliu. Tá devendo na praça e um fornecedor entrou com pedido de falência. As torcidas organizadas estão discutindo a portabilidade, vão tudo pra outro time".

Outra mudança virá no próprio nome dos times. Claro, os contratos não permitem que um Vasco, por exemplo, deixe de ser Vasco. Já os names rights poderão ser incorporados às marcas. Vasco Havan, Cruzeiro Brahma, Botafogo Supermercados Guanabara, futuramente, quem sabe, Flamengo Lojas Marisa, Corinthians Caninha 51, Fluminense Copa d'Or, Grêmio Churrascaria Laçador. 

Os torcedores SAF- ou "clientes" - também entrarão na nova era.

- "Vai no jogo da tua SAF hoje?"

sexta-feira, 4 de março de 2022

Na capa da Carta Capital: a nova desordem mundial

Reprodução Twitter

Chelsea está à venda. Quem quer comprar? Aos interessados em visitar o clube: as chaves estão com o porteiro...


por Niko Bolontrin

O Flamengo sonha em abrir uma franquia na Europa. Antes ensaiou instalar uma filial na Flórida, um Fla-USA, mas aparentemente o projeto virou hamburguer queimado. A ofensiva, agora, é em Portugal. O rubro-negro carioca tenta adquirir o Tondela, um time lusitano de segunda divisão. Quer "internacionalizar' a marca, dizem. 

Um diretor do clube da Gávea revelou recentemente que pensa em comprar clubes em vários países. Podia começar pelo Chelsea. Pressionado pela repercussão da invasão da Ucrânia por Putin, o bilionário russo Roman Abramovich, dono do time inglês, resolveu vendê-lo a quem aparecer com grana na mão. Deve pedir até 3 bilhões de libras, algo que ultrapassa R$ 20 bilhões. Mas pode dar um desconto, desde que o comprador já venha com um contêiner de dinheiro e entregue a grana em algum banco a salvo das sanções americanas e europeias.

O Flamengo tem entre seus patrocinadores o rico bolsonarista conhecido como Véio da Havan, quem sabe ele se coça e banca essa transação? Também tem boas relações com Bolsonaro e pode descolar um empréstimo do BNDES, não custa tentar. Em último caso pode vender o estádio da Gávea quase nunca utilizado, a sede da Lagoa, Gabi Gol, Bruno Henrique, Felipe Luís, Arrascaeta... Pode também fazer um crowdfunding com a sua torcida tão apaixonada que poderá cair nessa. 

Maiores informações no site do Chelsea. 

Pede-se referências, nome limpo no Serasa, pagamento à vista. Moedas do Terceiro Mundo, como Real, nem pensar. PIX também não. Não serão aceitas trocas por terrenos, áreas do pré-sal, instrumentos da charanga rubro negra, títulos do Tesouro Direto ou cheques pré-datados. 

Se a compra for fechada, a chave do clube está com o porteiro, em horário comercial, no endereço Stamford Bridge - Fulham Road- SW6 1HS London-Inglaterra.

HH e MJ sabiam das coisas: o ar está irrespirável! • Por Roberto Muggiati

Hughes asséptico
O herói da aviação e magnata do cinema Howard Hughes (1905-76) era tido como excêntrico por causa de sua “mania de higiene”: usava máscaras cirúrgicas, só pegava nas coisas com toalhas de papel e lavava as mãos obsessivamente. Exigia protocolos sanitários de todos que trabalhavam com ele ou o visitavam. 

Michael Jackson paranoico
Michael Jackson (1959-2009), quando extraiu os dentes do siso, recebeu do dentista uma máscara cirúrgica para usar por alguns dia. Gostou tanto do artefato que começou a usá-lo no guarda-roupa do seu carnaval ambulante. 

Nos dois casos, as máscaras estavam certas. Anunciavam que a atmosfera ia se tornar irrespirável. Hoje, muitos de nós já estamos nos conformando com a ideia de que teremos de usar máscaras para o resto de nossas vidas. O ar ficou fétido, pútrido, não só por obra e graça dos maus tratos que cometemos contra a Natureza (e ela está dando o troco, na medida em que merecemos). 

Manifestação da Argentina desmascara Putin


Além dos infindáveis vírus e de suas pérfidas variantes, contamos hoje com o terror destrutivo da pior raça de líderes políticos que o mundo já teve a infelicidade de conhecer. 

Putin, Trump, Kim Jong-un e os fantoches nanicos que tentam imitá-los, para citar só alguns.


Sobrou para Winston Churchill. Um político interesseiro e um jornalista entusiasmado comparam o "leão" britânico a Bolsonaro e Zelinsky


Nem com todo o vinho e conhaque que consumia por dia o conservador Churchill...


imaginaria ser comparado a tipos daextrema direita como Bolsonaro e...


...Zelinsky, o presidente da Ucrânia eleito na onda da antipolítica

Ciro Nogueira, o chefe do Centrão, atualmente na Casa Civil, é o dono da chave do cofre público. Em função disso, feliz e realizado, exalta Bolsonaro tantas vezes possa. Hoje, ele não deixou por mesnos e comparou o seu ídolo a Winston Churchill. "Ninguém enfrentou uma guerra como Churchill e ninguém enfrentou uma pandemia como Bolsonaro", derreteu-se. Em sintonia, o jornalista Pedro Dória, do Globo, em artigo, hoje, viu semelhanças entre Churchill e Volodymir Zelinsky, o presidente da Ucrânia. (José Esmeraldo Gonçalves)

quarta-feira, 2 de março de 2022

Bolsa Veneno: Carlos Minc denuncia

 

Reprodução Twitter

Mais um “Danúbio Azul” cinéfilo • Por Roberto Muggiati

Cena do filme Stefan Zweig:Adeus Europa. Foto Divulgação

Na matéria recente do Panis “Clouzot descobriu o Danúbio Azul 15 anos antes de Kubrick”, comentei sobre como o diretor francês Henri-Georges Clouzot antecipara – no seu “Salário do Medo” (1953) – o uso dramático da valsa “Danúbio Azul” no cinema, que assumiu um tom épico em “2001: uma odisseia no espaço” (1968). Falei até que, d.C. (depois de Kubrick), nunca mais ouviríamos a velha valsa de Strauss sem a associar à graciosa dança visual do acoplamento de uma nave espacial com uma estação orbital.

Agora encontrei um “Danúbio Azul” humorístico, beirando o histriônico, no filme austríaco-germânico-francês de 2016, dirigido por Maria Schrader, “Stefan Zweig: Adeus, Europa”, sobre os últimos dias do escritor no Brasil. Um prefeito do interior da Bahia oferece um “presente musical” a Zweig. Vejam aí, dos 46:00 aos 48:00:

https://www.youtube.com/watch?v=fcPU6WCiRlU

terça-feira, 1 de março de 2022

Da Ucrânia, com amor • Por Roberto Muggiati

Adolpho Bloch em Kiev.
Foto Manchete
Eu sabia que a contribuição dos ucranianos para o crescimento da sociedade e cultura brasileiras era importante, mas ignorava que o fosse em tão larga escala. Mesmo esta pesquisa feita com urgência em tempo de guerra, revela a amplitude da influência da Ucrânia em nosso país. 

De Jitomir, vieram para o Rio de Janeiro em 1921 os primos Adolpho e Pedro Bloch. Adolpho, empresário gráfico, criou aqui um império de comunicação, iniciado com a revista Manchete em 1952 e continuado com a Rede Manchete em 1983. Pedro Bloch, médico, um dos maiores foniatras do país, foi também, autor de livros infanto-juvenis, com mais de cem títulos publicados, pianista e dramaturgo. É autor da peça brasileira de maior sucesso, “As mãos de Eurídice” (1950), exibida mais de 60 mil vezes, em 45 países.

Sobrinho-neto de Adolpho Bloch, mas já nascido no Brasil, Jonas Bloch brilhou no teatro, cinema e na TV e passou o talento para sua filha, a premiada atriz Deborah Bloch.

Clarice Lispector. Foto Manchete
As irmãs Lispector, Clarice e Elisa, chegaram a Maceió em 1922. Depois de um tempo no Recife fixaram-se definitivamente no Rio em 1934. Nascida em Chechelnyk, Clarice se tornaria inquestionavelmente a maior ficcionista brasileira de todos os tempos, com o prestígio internacional cada vez mais em alta.

Samuel Malamud, nascido em Mogilev-Podolsk, chegou ao Rio em 1923, no auge da perseguição aos judeus com os pogroms da Rússia e Ucrânia. Formado em direito, tornou-se um dos mais conceituados juristas brasileiros e também importante líder da comunidade judaica.

Adolpho Milman, mais conhecido como Russo, nascido na província de Entre Ríos, , foi um futebolista argentino de origem judaico-ucraniana naturalizado brasileiro. É um dos cinco futebolistas que não nasceram no Brasil a ter sido convocado para a Seleção Brasileira. Russo foi um dos grandes artilheiros da história do Fluminense, tendo feito 154 gols em 249 jogos, entre 1933 e 1944, e um dos destaques do famoso "Fla-Flu da Lagoa", na final do Campeonato Carioca de 1941. Russo conquistou quatro campeonatos cariocas, um Torneio Aberto e um Torneio Municipal pelo Tricolor.

Noel Nutels nasceu em Nanaiyev, Ucrânia, e chegou ao Recife ainda menino. Lá se formou pela faculdade de medicina. Mudou-se para Botucatu em 1941 e depois ficaria para o resto da vida no Rio de Janeiro. Tornou-se um dos mais conhecidos indigenistas do país, batalhando pela causa dos povos nativos ao lado dos irmãos Villas-Boas e ajudando com eles a implantar o Parque Indígena do Xingu. Médico da primeira expedição Roncador-Xingu em 1943, acabaria trabalhando para o resto da vida pela saúde dos índios. Dizia: “Eu não clinico, não tenho consultório. Fazia Malária e agora faço Tuberculose. Minha mania: o índio”. Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente, em Frei Caneca, volta e meia aparecia por lá, pois era casado com a prima, Elisa Trachtenberg, secretária de redação da Manchete.

Agitadora da cena cultural carioca, a psicanalista Irina Popow também veio da Ucrânia. É mãe de Andrucha Waddington, diretor, produtor e roteirista de cinema e publicidade, casado com a atriz e escritora Fernanda Torres.

São Paulo recebeu em 1920 Leon Feffer, nascido em Kolki, que aqui fundou o Grupo Suzano de papel e celulose, que seria expandido por seu filho, Max. Trompetista de jazz na juventude, Max Pfeffer foi Secretário de Cultura do estado e desenvolveu os importantes projetos do Festival de Jazz São Paulo-Montreux e do Festival de Inverno em Campos do Jordão.

Gregori Ilych Warchavchik , nascido em Odessa,  foi um dos principais nomes da primeira geração de arquitetos modernistas do Brasil. Chegou a São Paulo em 1923. Naturalizado brasileiro, entre 1927 e 1928, projetou e construiu para si aquela que foi considerada a primeira residência moderna do país.

Nascido em Zolotonosha, Gregório Gregorievitch Bondar foi um agrônomo, entomologista e pesquisador que chegou à Bahia em 1921. Contratado pelo estado como entomologista e patologista de plantas no Departamento de Agricultura morou na Bahia até o final da vida. Em 1932, foi transferido para o Instituto de Cacau da Bahia. Em 1938, foi contratado como consultor técnico pelo Instituto Central de Fomento Econômico da Bahia. Bondar descreveu várias novas espécies de palmeiras. Seu livro "Palmeiras do Brasil" foi publicado postumamente, em 1964, pelo Instituto de Botânica de São Paulo. Descreveu 318 espécies de insetos, incluindo muitas pragas das plantas que estudou. A coleção de Bondar foi adquirida pela fundação  David Rockefeller e doada para o Museu Americano de História Natural. 

Aleixo Belov, nascido Alexey Dimitrievitch Belov em Merefa, na Ucrânia, em 1943, durante a ocupação alemã é um empresário, engenheiro e navegador  radicado em Salvador, Bahia. Aleixo recebeu da Marinha do Brasil o diploma reconhecendo-o como o primeiro navegador a dar uma volta ao mundo em solitário com veleiro de bandeira brasileira, o Três Marias. A viagem é relatada minuciosamente em seu primeiro livro A Volta Ao Mundo Em Solitário, lançado em 1981 pela Editora Nórdica. 

Embora nascidos já no país, vários filhos e netos de imigrantes ucranianos marcaram profundamente a vida do Brasil. Radicado em São Paulo, José Ephim Mindlin, cujos pais nasceram em Odessa, além de repórter, advogado, empresário e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, foi sem dúvida o mais famoso bibliófilo brasileiro.

Jacob Gorender e Nicolau Sevcenko, filhos de ucranianos, radicados em São Paulo, figuram entre os mais importantes cientistas políticos do Brasil.

Um dos mais importantes cineastas radicados em São Paulo, Hector Babenco, de ascendência judaico-ucraniana, nasceu na Argentina e naturalizou-se brasileiro. O filme “O beijo da mulher-aranha” lhe valeu a indicação para o Oscar de melhor direção em 1986.

Bakun, autoretrato

A vida cultural de Curitiba foi marcada por dois filhos de imigrantes da Ucrânia: o pintor Miguel Bakun e a poeta Helena Kolody. Nascido em Mallet, Bakun trabalhou como alfaiate antes de entrar para a marinha. Na Escola de Grumetes no Rio conheceu, como colega de farda, o pintor Pancetti, que o estimulou a desenhar. Um acidente num navio provocou seu desligamento por incapacidade física. Sem eira nem beira em Curitiba, Bakun trabalhou como fotógrafo lambe-lambe, pintor de cartazes e letreiros e decorador de interiores. Autodidata e instintivo, era obcecado por Van Gogh, cuja influência o crítico Sérgio Milliet confirmou a, dizendo que em Bakun inexiste a devida noção da tela, substituída por um excesso de “empastamento”. Bakun pintou paisagens dos arredores de Curitiba, com suas áraucárias e “capões” típicos e as casas de madeira dos imigrantes europeus. Assolado por problemas pessoais e pela ascensão do abstracionismo, Miguel Bakun se suicidou no seu ateliê de Curitiba em 1963, aos 53 anos.

Helena Kolody.
Foto UEM. Divulgaçã
o

Helena Kolody foi um contraponto suave ao torturado Bakun. Nasceu em Cruz Machado, no sul do Paraná, a 40km da Mallet de Bakun. Estudou piano e pintura, aos 16 anos publicou seu primeiro verso. Aos 20 iniciou sua carreira de professora do ensino médio. Entre 1949 e 2002 publicou 25 livros, a maioria de poesia. Morreu em 2004 aos 91 anos. Gostava de praticar o haicai, a forma poética minimalista de origem japonesa. Aliás, foi a primeira mulher a publicar haicais no Brasil, em 1941. Alguns exemplos:

• “Corrida no parque/o menino inválido/aplaude os atletas.”

• “O brilho da lâmpada/no interior da morada/empalidece as estrelas.”

• “A morte desgoverna a vida/hoje sou mais velha/que meu pai.”

Denise Stocklos
em cena. Foto
Manchete


Também do sul do Paraná, em Irati, descendente de ucranianos, vem Denise Stocklos, a maior coreógrafa e dançarina da atualidade. A apresentadora Angelica Ksyvickis também tem sangue ucraniano correndo em suas veias, assim como, coincidentemente, seu marido, Luciano Grostein Huck: seu avô materno nasceu em Dnipro, Ucrânia. Outra apresentadora de TV famosa, Eliana, também tem ascendência ucraniana, por parte de sua mãe, Eva, nascida em Irati, PR.

Em Curitiba – que conta hoje 70 mil descendentes de ucranianos  – nasceu Alexi Stival, que se tornaria conhecido como Cuca, o técnico que acaba de encerrar uma carreira vitoriosa como campeão do Brasileirão e da Copa do Brasil pelo Atlético mineiro. 

Manifestação. Reprodução
imagem RPC
O maior contingente de descendentes ucranianos se encontra no estado do Paraná, cerca de 500 mil. A maior proporção está na cidade de Prudentópolis, onde 75% da população de 52.776 habitantes tem ascendência ucraniana. Todos se manifestaram veementemente contra a invasão russa. Um prudentopolitano declarou à RPC, afiliada da Globo: “Os invasores, mais fortes, podem até nos massacrar fisicamente. Mas jamais conseguirão extinguir o espírito e o orgulho da Ucrânia!”

O drinque da saison: Coquetel Molotov • Por Roberto Muggiati

 

Espanha, 1936. Fogo nos fascistas: durante a Guerra Civil Espanhola, soldados republicanos adotaram o Coquetel Molotov para atacar as tropas de Francisco Franco.. Foto: Sueddeutcshe Zeitung/Direito Público

Molotov
O Coquetel Molotov, a eficiente bomba artesanal que fez sua estreia há 85 anos na Guerra Civil Espanhola – opondo as forças socialistas dos republicanos às tropas fascistas do ditador Francisco Franco – volta a ser protagonista entre os resistentes ucranianos, carentes de armas de fogo convencionais. A bomba improvisada ganharia seu nome e passaria a ser fabricada em larga escala na Guerra do Inverno de 1939, quando a Finlândia foi atacada pela União Soviética. 

O maquiavélico líder estalinista Viatcheslav Mikhailovitch Molotov (1890-1986) – Molotov, “martelo” em russo, era na verdade um pseudônimo – alegava que os soviéticos não estavam bombardeando a Finlândia, mas jogando “cestos de pães”. Retribuindo a ironia, os finlandeses batizaram suas bombas artesanais de “coquetel Molotov”. A arma era produzida pela companhia Alko na sua fábrica de Rajamäki, consistindo numa mistura de etanol, gasolina e alcatrão, com dois fósforos especiais que serviam de pavio. Entre dezembro e março, 450 mil unidades foram produzidas por uma força de trabalho de 87 mulheres e cinco homens.

Na Segunda Guerra, o exército polonês utilizou um dispositivo de ignição por impacto (éter etílico), tornando desnecessária a pré-ignição da arma. Este consistia na adição de ácido sulfúrico à mistura, que iria reagir, após a quebra da garrafa, com uma mistura de clorato de potássio e açúcar, cristalizada sobre um pano enrolado em torno da garrafa.

Em confrontos urbanos e guerrilha urbana são ainda utilizados outros tipos de misturas e dispositivos. O princípio de funcionamento básico da arma reside na dispersão química de líquido inflamável após o impacto num alvo ou no chão. A ignição não é imediata, dando tempo para que uma pequena parte do líquido evapore (éter etílico) o que provocará uma espécie de explosão de fraca potência, que pode ajudar à dispersão do restante líquido sobre uma área maior. O agente adicionado (sabão, detergente ou óleo) aumenta a aderência do combustível ao alvo.

A inovação ucraniana consiste em colocar no interior da garrafa pedacinhos de isopor em meio a óleo e gasolina, para aumentar o potencial incendiário do petardo.

A modelo, influencer e ex-atriz pornô libanesa Mia Khalifa causou polêmica no Twitter ao compartilhar uma ilustração com receita para a produção de um coquetel Molotov. A celebridade de 29 anos – que tem usado suas contas no Twitter e no Instagram para denunciar e criticar o ataque russo à Ucrânia –  compartilhou a imagem com as instruções para fabricação da bomba caseira após o Ministério da Defesa da Ucrânia sugerir nas redes sociais que a população local fabrique e utilize coqueteis Molotov para combater o exército russo. 

domingo, 27 de fevereiro de 2022

MEMÓRIAS DA REPORTAGEM: Meu primeiro Carnaval na Manchete • Por Roberto Muggiati

O cantor Blacaute no Baile das Bonecas, 1966, no Automóvel Club. Foto Manchete

Comecei na Manchete como repórter especial em novembro de 1965. A categoria “especial” era porque falava inglês, francês, italiano e arranhava um portunhol, sem mencionar que tinha estudado alemão e japonês (!). Na verdade, eu não devia estar no Rio naquele momento. Nem nunca mais. Seria hoje um aposentado do Brexit, comendo um sanduíche num banco de jardim londrino enquanto lia o Sunday Times. Acontece que, como se dizia na época, “juntei os trapos” com uma brasileira que conheci em Paris. Faltavam três meses para encerrar meu contrato de três anos com o Serviço Brasileiro da BBC e eu havia assinado uma prorrogação de dois anos. Aí a Lina começou a mandar na minha vida – e eu deixei – “Nada disso, você vai voltar pro Brasil e fazer o Itamaraty”, acho que ela sonhava em ser Embaixatriz.

Fiz feio com a BBC, voltando atrás na prorrogação do contrato, voltei para o Brasil, fui reprovado no Itamaraty – fazer a carrière como lacaio da ditadura militar? – e voltei a cair nos braços do jornalismo, que me recebeu de braços abertos para o resto da vida. A esta altura eu já tinha onze anos de carreira: oito anos na redação da Gazeta do Povo de Curitiba, dois anos no Centre de Formation des Journalistes de Paris e três anos na British Broadcasting Corporation de Londres. Mas isso não me impedia de sentir meio “foca” naquele cenário soturno de Frei Caneca.

E então veio o Carnaval e me vi despojado do “especial” para cair na vala comum da cobertura da folia. Se bem que a Manchete investisse em sofisticação, os repórteres cobriam os bailes de smoking, alugados das melhores lojas. Lembro de ter ido ao apartamento que os primos Lucas Mendes e Ricardo Gontijo, colegas de reportagem, dividiam na Henrique Dumont, em Ipanema. Todos devidamente enfarpelados de smoking e black tie, calibramos com algumas doses de Scotch puro. Mas eu tinha um problema que eles não tinham, minha mulher era uma feminista. Feminista radical num país machista, numa cidade machista, numa revista machista. Aonde eu ia, tinha de ir junto. Inclusive à cobertura de Carnaval da Manchete.

Lina era uma contradição ambulante. De ascendência aristocrática por parte de mãe – os Castro Neves da Bahia – foi casada com um dos maiores doleiros do Rio, o judeu Daniel Tolipan, formaram o Casal 20 da esquerda festiva nos anos pré-golpe, recebia à larga com cristais, prataria e porcelana, tinha até um mordomo, o Emílio – um agregado da família Epitácio Pessoa – que eu acabaria herdando quando melhorei de vida. E tinha o feminismo, da linha Simone de Beauvoir.

Meu primeiro compromisso do Carnaval era cobrir, no sábado, o Baile das Bonecas, no Automóvel Clube, no Passeio Público, uma farra colorida capitaneada por Blecaute, com seu infalível uniforme de General da Banda. A cultura gay estava em alta, nos anos 1950 havia o Baile dos Enxutos, agora, além das Bonecas, havia o desfile de travestis no Paulistinha, viriam então o Baile das Panteras, o Gala Gay do Scala, Uma Noite em Bagdá no Monte Líbano e outros subsidiários. O Baile das Bonecas foi minha prova de fogo, deixo para o final.

Os outros compromissos foram feijão com arroz, incluindo um baile infantil vespertino no Teatro Municipal. No desfile das escolas de samba, coube-me cobrir a Vila Isabel, tive um encontro prévio na redação com Martinho da Vila, figura simpaticíssima, acompanho até hoje seus merecidos sucessos. A Vila, que voltava ao primeiro grupo depois de oito anos nos grupos inferiores, até que seu saiu bem, com um quarto lugar, desfilando “Três Épocas do Brasil”. Mas a Portela arrasou com “Memórias de um Sargento de Milícias” (samba-enredo de Paulinho da Viola), que foi campeã, um ponto à frente da Mangueira, que homenageou Villa-Lobos, morto em 1959. Em terceiro, o Império Serrano exaltou a Bahia. 

Voltando ao dilema do Baile das Bonecas. Se eu ia de smoking, Lina se pôs a matutar: “Com que roupa eu vou?” De repente, teve uma ideia brilhante. Nos seus tempos de dondoca, vestia-se exclusivamente com criações de um jovem amigo, promessa da alta costura brasileira. “Vamos à casa do Gui-Gui”. Guilherme Guimarães morava num apartamento antigo em Copacabana com os avós. Pediu que Lina ficasse só de calça e sutiã. Puxou de um armário uns dois metros de tecido, uma estamparia floral multicolorida que despontava nos swinging sixties. Com movimentos rápidos e ágeis, começou a embrulhar Lina como acho que faziam nas múmias no tempo dos faraós. Pronto. Resolvido. E lá fui eu de smoking para o baile do Automóvel Clube acompanhado de uma... boneca.

MEMÓRIAS DA REDAÇÃO: Uma temporada no Inferno • Por Roberto Muggiati

Incêndio no Andraus
Há 50 anos, em 25 de fevereiro de 1972, uma sexta-feira, enquanto o edifício Andraus pegava fogo em São Paulo, o tempo esquentava na Manchete, no Rio. Não mais que de repente, por motivo fútil, o chefe de redação Maurício Gomes Leite e o redator Sebastião Uchoa Leite saíram aos tapas, foi preciso a turma do “deixa disso” para separá-los. 

Mineiro de Montes Claros, Maurício – nós o chamávamos Gomes Leiaute – era crítico de cinema e fez um longa metragem em 1968 chamado A vida provisória. Na fase light da ditadura militar (1964-68), era fácil conseguir verba para fazer filmes, graças à CAIC (Comissão  de Auxílio à Industria Cinematográfica), surgida no estado da Guanabara. O cineasta Paulo César Saraceni, que rodou nada menos do que um documentário e três longas de ficção nessa fase, dizia: “A CAIC foi de longe, a melhor ajuda governamental que o cinema brasileiro teve em toda a sua trajetória”. No filme do Maurício teve um lance típico: uma cena íntima de Dina Sfat nua numa praia, em semi-close, que podia ser tranquilamente filmada numa caixa de areia no estúdio, foi rodada com uma grande equipe em Dubrovnik, na Riviera Dálmata.

Maurício Gomes Leite

Maurício não tinha muito saco para o jornalismo. No final dos anos 1970, visitei-o em Paris, morava num pequeno apartamento perto da Gare de Montparnasse, acabara de casar com uma filha do diplomata Azeredo da Silveira, o bebê recém-nascido interrompeu algumas vezes nossa conversa. Trabalhava como tradutor na Unesco. Soube que morreu sozinho, ainda no exílio parisiense, sem mulher, sem amigos, em 1993, aos 57 anos.

Pernambucano de Timbaúba, Sebastião Uchoa Leite também não tinha saco para o jornalismo. Depois da Manchete, passaria um longo tempo em enciclopédias com Otto Maria Carpeaux e Antônio Houaiss, num trabalho de redação mais ameno e prazeroso que o ajudava a financiar seus livros de poesia, quase uma dezena.

Sebastião Uchoa Leite
Bom poeta, era também bom ensaísta e tradutor (nessa categoria ganhou dois Jabutis). Um de seus favoritos era o poeta francês da Idade Média François Villon, boêmio, beberrão e ladrão, o que explica seu lado meio transgressor. Meu poema preferido do Sebastião é o autoepitáfio publicado em “Obras em Dobras”: “aqui jaz/ para o seu deleite/ sebastião/ uchoa/ leite”. O poeta morreu no Rio em 2003, aos 68 anos. Ignoro se o epitáfio foi gravado em sua lápide, ignoro até se chegou a ter lápide.

Em 1º de fevereiro de 1974, numa manhã morna do mês do Carnaval, chego cedo à redação e um telefonema do fotógrafo Mituo Shiguihara, da sucursal de São Paulo, me tira do meu torpor. Um incêndio fulminante tomara conta do Edifício Joelma, no centro da cidade. Em número de mortes, seria o segundo maior incêndio do mundo, só superado pelo das Torres Gêmeas em Nova York. Cito detalhes diretamente da Wikipedia, que foi bastante precisa:

Tragédia do Joelma
na capa da Manchete
“Concluída sua construção, em 1972, o Edifício Joelma foi imediatamente alugado ao Banco Crefisul de Investimentos. No começo de 1974 a empresa ainda terminava a transferência de seus departamentos, quando no dia 1º de fevereiro, às 8h45 de uma chuvosa sexta-feira, um curto-circuito em um aparelho de ar condicionado no 12º andar deu início a um incêndio, que rapidamente se espalhou pelos demais pavimentos. As salas e escritórios do Joelma eram configurados por divisórias, com móveis de madeira, pisos acarpetados, cortinas de tecido e forros internos de fibra sintética, condição que contribuiu, sobremaneira, para o alastramento incontrolável das chamas. 

Quinze minutos após o curto-circuito era impossível descer as íngremes escadas, localizadas no centro dos pavimentos, que foram bloqueadas pelo fogo e a fumaça. Os corredores, por sua vez, eram estreitos. Na ausência de uma escada de incêndio, muitas pessoas ainda conseguiram se salvar ao contrariar as normas básicas e descer pelos elevadores, mas estes também logo deixaram de funcionar, quando as chamas provocaram a pane no sistema elétrico dos aparelhos e a morte de uma ascensorista no 20º andar. 

Nos braços da mãe, que saltou para a morte no 15º andar, uma criança de um ano e meio foi salva em um dos episódios mais dramáticos do incidente. A multidão acompanhou o salto bem em frente ao prédio. O choro da criança, levada imediatamente ao Hospital das Clínicas, foi ouvido logo após o impacto da queda. No último andar, segundo o depoimento de Ivã Augusto Pires, coordenador do Serviço de Transportes da Câmara, um rapaz jogou-se ao chão e aproximou-se de gatinhas da borda do terraço. Mas uma labareda fez com que ele escorregasse e ficasse suspenso no ar, segurando no parapeito até não mais aguentar e despencar na rua.”

Na redação do Russell, acompanhávamos pela TV as imagens chocantes do incêndio. Era uma triste maneira de vender revista, mas nada podíamos fazer, que ficasse a lição para evitar tragédias futuras. Realmente, depois do Joelma, normas muito mais rígidas de segurança foram criadas e implantadas nos prédios do Brasil inteiro.

O incêndio do Joelma inspirou o filme-catástrofe “The Towering Inferno/Inferno na Torre”, lançado em dezembro de 1974 e uma das maiores bilheterias da época. Artistas da Teoria do Complô não deixaram de anotar algumas “maldições” que atingiram o superelenco:

• Foi o último filme de Jennifer Jones e de Fred Astaire (que, curiosamente, deveu a “Inferno” sua única indicação ao Oscar em toda sua brilhante carreira).

• Herói do filme, o chefe dos bombeiros, Steve McQueen, morreria de câncer seis anos depois. William Holden, morreria sete anos depois de traumatismo craniano ao cair em casa alcoolizado.

• Seis anos depois Robert Wagner seria suspeito da morte da mulher, Natalie Wood, que se afogou ao cair de um iate. Vinte anos depois, o astro do futebol americano O.J. Simpson seria acusado e condenado pelo assassinato da mulher.

Um legado sinistro da tragédia de São Paulo: ignorantes da origem do nome, que era o nome da construtora do prédio, muitos pais batizaram suas filhas como Joelma. Você deve conhecer ou ter ouvido falar de pelo menos uma, são muitas Joelmas circulando hoje pelo Brasil. Já o edifício, compreensivelmente, mudou de nome: hoje se chama Praça da Bandeira.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Na Guerra da Ucrânia fake news pode ser a arma de destruição em massa do jornalismo?

por José Esmeraldo Gonçalves 

A atual guerra na Ucrânia leva a mídia responsável a um grande desafio: como evitar divulgar fake news de ambos os lados. 

Talvez seja este o primeiro grande conflito com a mentira cavando trincheiras nas redes sociais e, por dependência, o que é lamentável, na mídia convencional.  Checagens têm mostrado uso de fotos e vídeos antigos para simular bombardeios e explosões que uma simples pesquisa de imagens revela que não ocorreram na Ucrânia e muito menos são atuais. 

O game exibido pela Jovem Pan e Record como se fosse cena da guerra.

A Jovem Pan News colocou no ar como reais cenas de um game de guerra; a Globo News, sem correspondentes no front (até ontem a Globo tinha um repórter apenas na fronteira com a Polônia), mostra no ar uma jornalista com a missão de vasculhar as redes sociais em busca de cenas de guerra. Corre um grande risco. Muita coisa pode ser publicada sem identificação, sem apuração própria. 

Desvario

Um correspondente da Globo News em Nova York se descontrolou no ar e ofendeu um comentarista convidado. O motivo do chilique: discordar da opinião do historiador, que considerou "putinista" e fazer prevalecer sua posição "baidenzeira". 

Um caso emblemático é o do tanque que passou por cima de um carro civil. A mídia ocidental publicou como se fosse um tanque russo que intencionalmente atropelou o veículo. Até agências de checagem brasileiras endossaram essa versão ontem. Hoje reconsideram e admitem que não há como atestar o fato. Realmente, o vídeo mostra que um tanque solitário ( é estranho que os russos usem um tanque solitário em um ataque maciço) atinge um carro. A cena é verdadeira, segundo as várias fontes. A partir daí não há como assegurar nada sobre o quem-é-quem. Um jornalista local identificou o blindado como sendo ucraniano. O veículo teria derrapado em óleo e se desgovernado. O G1 publicou que o tanque era um Armata russo, o que claramnte pode ser desmentido em uma simples comparação de imagens no Google.  Muitas versões e nenhuma checagem confiável, embora a mídia tenha "comprado" a versão inicial sem a menor condição de saber onde estava a verdade do fato.

A foto de capa sem informação e...

...o detalhe omitido estava no site da agência.

A CNN Internacional, apesar de estadunidense, tem repórteres no front e, mesmo comprometida com um dos lados, carrega um pouco mais de credibilidade do que a midia que navega em sites e usa à distância material não checado. As agências ocidentais AP e Reuters, com equipes na Ucrânia, também são comprometidas com o Ocidente, mas têm alguma imagem jornalística a zelar e procuram evitar a "terra de ninguém" dos "fatos" capturados na internet, como tem feito a mídia conservadora brasileira. 

O Globo (reprodução acima) publicou ontem na primeira página uma foto dramática da Reuters, sem legenda. O site da agência tinha mais informações da imagem a que o jornal teve acesso. O Globo optou por fazer uma legenda genérica, talvez porque o soldado morto na foto era russo, segundo o texto da Reuters citando militares ucranianos. Provavelmente, um russo morto abaixo do título que falava de ofensiva russa diminuiria o impacto: melhor deixar o leitor pensar que o morto era um ucraniano assassinado pelos russos, algo assim ou foi apenas desleixo?  A mídia em peso "comprou" a versão sobre guarnição ucraniana de uma pequena ilha que não quis se render e  mandou russos se f****** antes de "serem mortos". A guarnição está vivíssima, a própria Ucrânia admite  

Ucrânia é bem armada

Outra imprecisão é colocar os ucranianos como presas fáceis. É uma injustiça com os combatentes do país. A Ucrânia tem armas convencionais sofisticadas fornecidas pelos Estados Unidos, está recebendo equipamentos e munição dos países da OTAN e  enfrenta bravamente os russos. Não há notícia de que esteja reforçada por soldados não identificados vindos de países vizinhos, mas essa é uma possibilidade não descartada. Defender o lugar aonde mora é uma extrema motivação para soldados. A Ucrânia tem esse incentivo em campo. A Rússia registra baixas. segundo as agências, e muito mais terá se o conflito se prolongar. A Rússia é a segunda potência militar do mundo, tem armas nucleares, mas esse poderio todo não foi levado para a Ucrânia, obviamente. 

Carteirinha da OTAN

Analistas dizem que os Estados Unidos e a OTAN não entrarão com tropas na guerra. Enviarão armas e não homens porque a Ucrânia não faz parte da OTAN. Bobagem. O Afeganistão também não fazia parte da OTAN, que foi lá com franceses, italianos, alemães, ingleses, canadenses etc, tentar defender o governo local contra os talibãs. Não conseguiu, mas essa é outra história. Se a OTAN e os Estados Unidos, que amargam essa derrota, avaliarem que terão que entrar na guerra entrarão mesmo que a Ucrânia não tenha carteirinha da OTAN. Fora isso, a escalada do conflito só será pausada se Ucrânia e Rússia sentarem à mesa de negociação, o que por enquanto parece difícil. 

Jogo econômico e eleitoral

Em resumo, Estados Unidos, OTAN, Ucrânia e Rússia ultrapassaram a linha vermelha. A cada dia fica mais difícil voltar. Há interesses do complexo econômico industrial-militar (cada tiro vale muitos dólares), da política, do campo eleitoral (Donald Trump é um observador da decisões de Joe Biden, que já mostrou na retirada do Afeganistão que não é do ramo); Boris Johnson, em fase de fritura, tem no conflito sua tábua de salvação; Macron tem eleição à vista; Putin tem uma oposição interna crescente a enfrentar e levar o país à guerra não deve ajudá-lo junto à população, principalmente quando os sacos pretos das vítimas começaream a voltar; o presidente-comediante Zelensky, da Ucrânia, tem mais dois anos de mandato, mas precisa de ajuda econômica e militar. O país passa por fuga de capitais, desvalorização da moeda, tem bolsões de extrema pobreza e depende dos euros que a União Europeia e os Estados Unidos mandam para Kiev como forma de manter o aliado estratégico às portas da Rússia.

Jornalismo de botas

Por tudo isso, a guerra da Ucrânia é um enorme desafio para o jornalismo ético. Os estilhaços de mísseis e  bombas do front estão atingindo veículos em todo o mundo. Em geral, a mídia ocidental se alistou, assim como a mídia governamental russa já está naturalmente engajada. Biden foi inábil e provocador - parecia querer a guerra, conseguiu - Putin deu um passo que aparenta desespero, de tão ousado. O comediante Zelinski é só isso, um humorista eleito na onda da antipolítica. Faz o seu papel que aqui no Brasil sabemos bem o que significa. 

Deu nisso. 

A República da Urucubaca

por O.V. Pochê

Considerações políticas ou ideológicas à parte, Bolsonaro é um tremendo azarado. Urucubaca é com ele. Espera-se que os brasileiros, mesmo aqueles que não encontrem outros motivos para rejeitá-lo, não votem nessa desgraçeira que come todo dia o pão com Leite Moça que o diabo amassou. Outro dia o individou disse que Deus colocou na presidência. O desventurado é ele mesmo um pobre diabo. É um capiroto infeliz que transpira fracasso. Já estava no brejo muito antes da vaca se atolar. Atrai mais infortúnio do que para-raio do Empire State. É o maligno que o capiroto botou no poder. Deus mandou dizer que não tem nada a ver com isso e está fora dessa.

Duvida? Veja as desgraças que abalaram o Brasil e o mundo, com efeitos também aqui no Bananão (apud Ivan Lessa), desde que o inditoso foi eleito.

* Brumadinho

* Recordes de incêndios no Pantanal

* Queimadas na Amazônia

* Covid, crise do oxigênio no Amazonas, Brasil entre os recordias de mortes no mundo.

* Seca no Sul do Brasil

* Invasão do Capitólio, em Washington, em um ataque iné3dito à democracia nos Estados Unidos

* Tragédia do Capitólio no lago de Frunas em Monas Gerais

* Enchentes com desabamentos e mortos em Petrópolis (RJ), São Paulo, Minas Gerais  e Bahia

* Derramamento de óleo nas praias do Nordeste. 

* Valorização do dólar e consequente queda do real

* Desastres climáticos incomuns em vários países

* A volta da inflação

* Disparada do preço do barril de petróleo, da gasolina, do diesel e do gás

* Estiagem que afetou geração de energia elétrica.

* Talibãs retomam o poder no Afeganistão

* Guerra na Ucrânia

Antes fosse Vladimir Lênin..

Uma nova invasão dos bárbaros?
por José Bálsamo 

A Rússia deu ao mundo a beleza e criatividade de escritores como Dostoievski, Tolstoi, Tchecov, Puschkin e Gogol, entre outros; compositores como Tchaikovsky, Rimsky-Korsakoff, Rachmaninoff, Prokofiev e Stravinsky; cineastas como Sergei Eisenstein, Dziga Vertov, Sokurov. Tarkovsky; o Balé Russo de Diaguilev com Nijinski, o Balé Bolshoi, Ana Pavlova, Rudolf Nureiev, Mikhail Baryshnikov.

Já em matéria de políticos, a Rússia é uma execração: quase só deu tiranos sanguinários, como Ivã, o Terrível, Catarina, a Grande, a maioria dos czares e os ditadores comunistas como Stálin e Brejnev. Houve poucas exceções: Vladimir Lênin, que morreu cedo; Leon Trotsky, que mataram cedo; e Mikhail Gorbachev, que teve a coragem de decretar a falência da URSS. O povo russo parece que gosta de sofrer e vem aturando passivamente há séculos ditadores autoritários.

Vamos ver no que dá este imbróglio internacional provocado agora pelo presidente russo. Como se não bastasse a pandemia, surge um Putin para complicar a vida de todo mundo...


A nova Era do Descobrimento - Treinadores portuguêses desembarcam no futebol brasileiro

por Niko Bolontrin 

Sabe a área para treinadores delimitada à margem dos cmapos de futebol? No Brasil virou território português. É um risco (perdão pelo trocadilho). E se, no futuro, um governante português aloprado reivindicar aqueles metros quadrados como possesão lusitana? Força-tarefa formada por técnicos e seus staff - todos eles trazam preparadores físicos e outros  auxiliares - intensificaram o desembarque no Brasil desde que o Flamengo trouxe Jorge Jesus. Não vieram de caravelas, nem celebraram a Segunda  Missa, mas dominaram a aldeia. 

No momento, pontificam Abel Ferreira (Palmeiras), Vítor Pereira (Corinthians), Paulo Sousa (Flamengo) e, em outras capitanias, Paulo Morgado (Nacional-AM) e Luís Miguel Gouveia (Caiçara-PI),  

Nem sempre os treinadores portugusesses resistem aos passaralhos que rondam o cargo. No Brasil, se um técnico perde três ou quatro jogos seguidos vira morto-vivo e logo é fritado e demitido. Aconteceu com Ricardo Sá Pinto (Vasco da Gama), António Oliveira (Athlético Paranaense), Paulo Bento (Cruzeiro) e outros. 

O futebol portuguûes formou uma escola de treinadores. A grande estrela é José Mourinho, hoje no Roma. São profissionais que circulam por clubes europeus onde ganharam experiência, todos falam ingês.O idioma de Shakespeare é, aliás, muito utilizado para comunicação com os jogadores brasileiros. Vários deles rodados na Europa entendem melhor inglês do que o português de Portugal, pois, pois. E quem não atuou na Premier League mas trabalhou com o "tchicha" Joel Santana também se vira. "Papai Joel"poderia até elogiar os patrícios que estão moderrnizando o futebol brasileiria - "Tu teami prei veri gudi! From birráind, from de léfiti, de raiti..." -  diria, mas lamentaria pelos treinadores brasileiros desepregados. Ele, inclusive.  

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Brasil já vai à guerra?

por O V Pochê
As redes sociais interpretaram que o general Mourão é a favor de uma resposta armada do Ocidente à invasão russa na Ucrânia.
 Só que a ofensiva dos internautas é de gozação a um suposto envio de tropas brasileiras ao front. Há muitas dúvidas. Levariam cloroquina para fazer os russos adoecerem? O general Heleno seria o atlético comandante supremo? Os militares exigiriam cargos bem remunerados em um governo de ocupação? Pediriam pensões vitalícias para país, mães, sobrinhos e cunhados? As tropas viajariam para a Ucrânia com passagens para classe executiva? Seria aberta licitação para compra de vinhos e queijos franceses, frutas da estacão, carne argentina, presunto espanhol, caviar, cogumelos italianos, bacalhau e trutas selecionadas? Se tudo isso for atendido, as gloriosas forças brasileiras ainda ganharão auxílio emergencial da Otan agradecida.  

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Vamos a la playa

R$900 mil para comer frango com farofa? Reprodução Twitter.

Pantanal da Globo, que estreia em março, e Pantanal da Manchete, de 1990, na máquina do tempo

Rede Globo lança o trailer do remake da novela Pantanal.

por Ed Sá

Estreia em março a novela Pantanal, da Globo. Foi também em um mês de março, em 1990, que a Rede Manchete lançou a versão original criada por Benedito Ruy Barbosa. Foi o maior sucesso da emissora de Adolpho Bloch. Um marco no gênero. Bateu a Globo sucessivamente no ibope. 

Há poucos anos, a revista Veja apontou Pantanal como a quarta melhor novela da história da televisão brasileira em um ranking liderado por Avenida Brasil e Vale Tudo, com Roque Santeiro em terceiro. 

O Brasil mudou muito entre essas duas edições de Pantanal. Em 1990, o pantanal matogrossense ainda era um ecossistema protegido. Se a Amazôniacomeçou a sofrer nos anos 1970 a ofensiva destruidora promovida pelos militares da ditadura, a extraordinária planície alagada do Centro Oeste - uma das maiores do mundo -, escapou na época à falta de visão e às manobras corruptas dos "gorilas". Hoje,. infelizmente, sucumbe ao agronegócio predador, às queimadas, ao desmaramento, e caminha para a destruição. 

O Brasil também não sai bem na foto. Em 1990, a "novela" exibida na Globo era a do governo que a rede dos Marinho ajudou a eleger: o desastre de Collor de Mello. A geração que viu Pantanal sabe o que isso significou. Hoje, 32 anos depois, a audiência do remake encara fora da ficção a vergonha, o vexame e a tragédia politica de ter um meliante como Bolsonaro na presidência. Elemento, aliás.  tembém eleito pela Globo que apoiou o "posto Ipiranga" Paulo Guedes como justificativa para aderir ao Bozo. Este, aliás, busca a reeleição e provavelmente - pelo menos em um eventual segundo turno que tenha Lula do outro lado -  poderá receber o apoio da Globo. São mais parecidos do que parece. Mas essa é outra novela. Por enquanto o que vai ao ar é o velho Brasil rebobinado pronto para sentar no sofá e ver a nova novela das nove na Globo.

Ontem foi lançado o trailer de Pantanal

Veja AQUI

O logotipo da novela Pantanal, da Rede Manchete, em 1990.

E aproveite e relembre a abertura de Pantanal de Rede Manchete

AQUI 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Há 80 anos: O suicídio de Stefan Zweig em Petrópolis • Por Roberto Muggiati

Stefan Zweig e Lotta

Eu tinha quatro anos quando ouvi falar da morte de Stefan Zweig em Petrópolis. Formei na minha cabecinha uma imagem fantasiosa, a do grande escritor deitado com o peito para o céu num imenso gramado que descia uma encosta cercada de hortênsias. Eram as flores favoritas da minha mãe, que as plantou no jardim de nossa casa em Curitiba, e Petrópolis era conhecida como a “Cidade das Hortênsias”.

Com o correr dos tempos, fui localizando melhor Zweig no tempo e no espaço. Escritor polivalente, ficcionista, memorialista, ensaísta e também autor de uma dezena de biografias exemplares, foi um dos raros intelectuais cultos da primeira metade do século 20 que se tornou um best-seller, antes mesmo da palavra existir. Muitas de suas obras foram transformadas em filmes, uma das mais conhecidas é “Carta de uma desconhecida” (1948), dirigido por Max Ophüls, com Joan Fontaine e Louis Jourdain nos papeis principais. Humanista de origem judaica, Zweig fugiu da fúria nazista, primeiro para a Inglaterra, onde se naturalizou britânico, depois para os Estados Unidos, e finalmente para o Brasil, em Petrópolis. Apesar da simpatia do governo Vargas pelo nazifascismo, Zweig foi recebido calorosamente pela comunidade intelectual mais esclarecida do Rio de Janeiro. Colocando suas últimas esperanças em seu novo país de escolha, escreveu “Brasil, país do futuro”. Declarou, na época: “Considerando que o nosso velho mundo é, mais do que nunca, governado pela tentativa insana de criar pessoas racialmente puras, como cavalos e cães de corrida, ao longo dos séculos a nação brasileira tem sido construída sobre o princípio de uma miscigenação livre e não filtrada, a equalização completa do preto e branco, marrom e amarelo".

Mas a expansão militar do Eixo (Alemanha-Itália-Japão) nos primeiros anos da guerra e a ascensão do autoritarismo e da intolerância na Europa, o levaram a uma depressão profunda. Na noite de 22 de fevereiro de 1942, o primeiro domingo depois do Carnaval – aquele que Orson Welles filmou no Rio de Janeiro – Stefan Zweig escreveu uma carta de despedida e ingeriu, com a mulher, Lotte, uma dose fatal de barbitúricos. A carta dizia:

 “Cada dia eu aprendi a amar mais este país e não gostaria de ter que reconstruir minha vida em outro lugar depois que o mundo da minha própria língua se afundou e se perdeu para mim, e minha pátria espiritual, a Europa, destruiu a si própria. Mas, para começar tudo de novo, um homem de 60 anos precisa de poderes especiais e meu próprio poder desgastou-se após anos vagando sem um assento. Por isso, prefiro terminar a minha vida no momento certo, como um homem cuja obra cultural foi sempre a mais pura de suas alegrias e também a sua liberdade pessoal – a mais preciosa fruição neste mundo. Deixo saudações a todos os meus amigos: talvez vivam para ver o nascer do sol depois desta longa noite. Eu, mais impaciente, vou embora antes deles.”

— Stefan Zweig, 1942 

O casal foi sepultado no Cemitério Municipal de Petrópolis, de acordo com as tradições fúnebres judaicas, no perpétuo 47.417, quadra 11. Sua casa foi transformada em Centro Cultural, a Casa Stefan Zweig.


O escritor assim se referia à casa na rua Gonçalves Dias,34, no bairro do Valparaíso, onde morou seus últimos cinco meses de vida: "Pequeno bangalô com sua grande varanda coberta, que é nossa sala de estar". Em 2006 ela foi transformada em Museu Casa Stefan Zweig, um centro cultural dedicado à memória de Zweig e inclui também um "Memorial do Exílio", destinado a divulgar as obras de outros artistas, intelectuais e cientistas que, como Zweig, se refugiaram no Brasil durante o período 1933-1945 e contribuíram para a cultura, as artes e a ciência do país.

A necrópole petropolitana

Em meu romance “A contorcionista mongol” (2000), menciono o Cemitério Municipal de Petrópolis. Estive lá duas vezes para conhecê-lo bem e dar mais autenticidade à cena do enterro do anão. A contorcionista da história – e o atirador de facas – foram inspirados por um circo de verdade. O Circo Garcia – que chegou a ser o quarto maior do mundo, foi aplaudido por celebridades como o poeta Drummond, Xuxa e Ziraldo, e fechou em 2003, aos 75 anos – acampou durante meses ao lado do antigo Hotel Quitandinha na época em que eu escrevia “A contorcionista”. Abaixo, alguns trechos:

“O enterro foi em Petrópolis, num dos cemitérios mais estranhos do mundo, rasgado ao meio por uma rua de grande circulação e com as suas metades entrecortadas por morros. A autópsia foi feita no Instituto Médico-Legal, que funcionava no próprio cemitério, num antigo mausoléu em estilo neoclássico (...) Logo atrás do mausoléu-morgue ficavam os túmulos geminados de Stefan Zweig e de sua mulher Lotte, sem flores, com uma pequena pedra sobre a laje de mármore, conforme a tradição judaica. O anão foi enterrado a uma centena de metros do célebre casal, na encosta do morro que começava a ser invadida pelos mortos: uma parte da mata tinha sido devastada para a construção de novas sepulturas. Os defuntos iam, literalmente, subindo para o céu.”

Cena de "Lost Zweig", de Sylvio Back. Na foto, o ator Rudiger Vogler (Zweig) e a atir Ruth Rieser (Lotte).



PS • Os últimos dias de vida de Stefan Zweig foram levados à tela magistralmente por Sylvio Back no filme de 2002 “Lost Zweig”, inspirado no livro de Alberto Dines “Morte no Paraíso”, que descreve o clima político da época e a indisfarçada simpatia do regime Vargas pelo nazifascismo. A trilha sonora foi improvisada diretamente durante a projeção do filme, estratégia criada por Louis Malle em “Ascenseur pour l’échafaud/Elevador para o cadafalso” (1958), com a participação do trompetista de jazz Miles Davis. Sylvio usou na sua trilha o trombonista Raul de Souza e o pianista Guilherme Vergueiro. O ator alemão Rüdiger Vogler está impecável no papel de Zweig, confiram no trailer AQUI

domingo, 20 de fevereiro de 2022

A outra Garota de Ipanema

 

The Independent publica longa matéria sobre a cantora Astrud Gilberto, que o site GGN veicula no Brasil. Leia a tradução no link abaixo.

https://jornalggn.com.br/arts/a-triste-historia-de-astrud-gilberto-a-voz-que-deu-fama-internacional-a-garota-de-ipanema/

Bandidagem agradece


Matéria do Globo de hoje denuncia o destino das armas após a nova política de Bolsonaro para o setor.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Garota de Ipanema ultrapassa Aquarela do Brasil • Por Roberto Muggiati

Tom e Vinicius. Foto Manchete
Em seu levantamento referente ao ano de 2021, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) revelou que “Garota de Ipanema” é a canção brasileira mais gravada de todos os tempos, com 423 registros. A composição de Tom Jobim e Vinícius de Moraes destronou “Aquarela do Brasil”, há muito tempo detentora do primeiro posto, que agora passa ao segundo, com 416 gravações. 

Mineiro de Ubá, Ary compôs sua canção – inicialmente chamada “Aquarela Brasileira” – numa noite de 1939 em que uma forte chuva o impediu de sair de casa. (Antes que o temporal passasse, compôs ainda “Três lágrimas”). “Aquarela” foi apresentada pela primeira vez pelo barítono Cândido Botelho no musical “Joujou e balangandans”, espetáculo beneficente patrocinado pela Primeira-dama Darcy Vargas. Sua primeira gravação foi ainda em 1939, por Francisco Alves, com a orquestra do maestro Radamés Gnatalli, autor dos arranjos. A música demorou a decolar. Em 1940, não conseguiu ficar entre as três primeiras colocadas no concurso de sambas carnavalescos, que tinha o júri presidido por Heitor Villa-Lobos, com quem Barroso cortou relações, só retomadas quinze anos depois, quando ambos receberam a Comenda Nacional do Mérito. O sucesso só veio em 1942, com a inclusão no desenho animado de Walt Disney Saludos Amigos. “Aquarela do Brasil” tornou-se a primeira canção brasileira com mais de um milhão de execuções nas rádios dos Estados Unidos. 

Três anos depois de lançar a canção,
Vinicius revelou para Manchete quem era
a musa inspiradora. Foto Manchete

Se você acha que já está careca de saber a história de como nasceu a canção “Garota de Ipanema”, a coisa não foi bem assim. Claro, a musa inspiradora foi Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto (depois Helô Pinheiro), uma garota de dezessete anos que morava em Ipanema, na Rua Montenegro (depois Vinícius de Moraes). Diariamente, ela passava pelo bar-café Veloso (depois Garota de Ipanema) a caminho da praia. Às vezes, entrava no bar para comprar cigarros para a mãe. No inverno de 1962, os compositores viram a garota passar pelo bar e – “Ah!” – o visual da letra surgia ali e na hora, como uma cena de cinema. (“Garota de Ipanema” também virou filme, em 1967, dirigido por Leon Hirszman e estrelado por Márcia Rodrigues). 

O que você não sabe nem sequer pressente é que “Garota de Ipanema” foi feita por encomenda. O empresário Oscar Ornstein pediu a Tom e Vinícius uma composição intitulada “Menina que passa” para um musical exaltando Ipanema, “Dirigível”, que nunca chegou aos palcos. Tom compôs a melodia ao piano em seu apartamento na Rua Nascimento Silva, 107, em Ipanema, onde morou de 1953 a 1962. Vinicius escreveu a letra em Petrópolis, como fez com "Chega de Saudade" seis anos antes. Mas a letra desagradou a ambos, por ser meio deprê, reforçando o aspecto melancólico da cena (“merencório”, diria Ary Barroso). Vinicius criou então uma nova versão, mais light, confiram aí: 

1ª versão

Vinha cansado de tudo

De tantos caminhos

Tão sem poesia

Tão sem passarinhos

Com medo da vida

Com medo de amar

2ª versão

Olha que coisa mais linda

Mais cheia de graça

É ela, menina

Que vem e que passa

Num doce balanço

A caminho do mar

A primeira gravação foi em 1962, por Pery Ribeiro. Uma versão de 1964 por Astrud Gilberto, acompanhada pelo saxofonista de jazz Stan Getz, virou um hit internacional. A versão em inglês foi feita por Norman Gimbel e, embora engenhosa, era uma simplificação para o gosto americano. Jobim detestou e, com seu humor cáustico, passou a chamar o letrista de “Norma Bengell”. É a versão em inglês que abre o álbum de 1967 “Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim”. “Garota de Ipanema” é considerada a segunda canção mais tocada de todos os tempos, só superada por “Yesterday”, do Beatles.

Ainda segundo o relatório do Ecad para 2021, completam o ranking das cinco canções brasileiras mais gravadas:

• “Carinhoso”, de Pixinguinha e Braguinha, com 414 gravações.

• “Asa branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, com 361 gravações.

• “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria, com 293 gravações.


Na capa da IstoÉ: os porões das fake news