por José Esmeraldo Gonçalves
O que é a natureza - diria Zé Trindade. As forças que chutaram o traseiro da democracia já dão o golpe como certo. Com isso, nos últimos dias, - e aí, para citar a única frase histórica que a ditadura produziu - "às favas todos os escrúpulos", do coronel Jarbas Passarinho -, caíram todas as máscaras.
Houve, e há, de tudo: vazamentos de discursos de posse, uma capa de revista festejou antecipadamente a "vitória", outra produziu para cada região do país um cartaz, que lembra os de "procurados" pelo regime militar, com fotos dos deputados indecisos ou que estariam decididos a votar contra o "golpe constitucional", sites de direita divulgaram endereços pessoais de políticos e até de magistrados para orientar ação de "comandos" de intimidação etc.
Com a conspiração chegando ao fim, na visão da oposição, foi curioso observar uma certa mudança de tom, nos últimos dias, por parte de alguns analistas que já devem avaliar ter cumprido a missão. Passaram a conceder, nas suas análises, um arremedo de falso "equilíbrio", de suposta "isenção", deram-se ao direito de "criticar", mesmo que levemente, alguns aspectos da provável sucessão.
Embora tenham ajudado - na hipótese do golpe vitorioso -, a colocar no poder a chapa Temer-Cunha, isso feito, parecem querer se dissociar da "vitória".
Queiram ou não, certos sociólogos, juristas, políticos, antropólogos, economistas, entre outros ofícios, atuaram fortemente na grande mídia como agentes da comunicação do processo de derrubada de um governo democraticamente eleito. Fizeram, sem querer querendo, sem querer ou querendo, o que um tal de Joseph Goebbels propôs ao listar os princípios do seu trabalho como Ministro da Propaganda. Algumas dessas normas são bem identificáveis no quadro geral da atual crise. Goebbels resumiu seus manuais, que são extensos e detalhados, em princípios básicos próprios para a imprensa, o rádio e o cinema. Embora a televisão já existisse na Alemanha (as Olimpíadas de 1936 chegaram a ser transmitidas para um público restrito) não era ainda relevante como veículo de propaganda. Quanto à Internet, esta não frequentava nem a ficção científica de H.G. Wells, o autor de "A Máquina do Tempo", que morreu em 1946.
Ao ganhar a guerra, os aliados não importaram apenas os cientistas do foguete V2. As técnicas de Goebbels também foram rapidamente assimiladas. Aí vão alguns tópicos, apenas como exemplos desse tipo de marketing.
- Simplifique não diversifique, escolha um inimigo por vez. Ignore o que os outros fazem concentre-se em um até acabar com ele.
- Divulgue a capacidade de contágio que o inimigo tem.
- Atribua todos os males ao inimigo.
- Exagere as más noticias até desfigurá-las. Transforme um delito em mil delitos.
- Espalha os boatos até se transformarem em 'notícias'.
Já viu isso em algum lugar? Pois é.
As últimas pesquisas mostraram que, apesar de todo o bombardeio, quase metade dos brasileiros não concorda com tudo o que lê, ouve e vê por aí. Daí, nessa reta final, vários dos citados articulistas identificados com o longo processo do golpe tentam, de alguma forma, limpar a imagem, um pouco que seja, se não para a História, pelo menos para seus filhos, netos, o açougueiro, o porteiro e o vigário da paróquia.
Devem ter razão: muitos profissionais do passado ficaram indelevelmente associados, como o foram, ao golpe de 1964.
E não deve ser fácil botar a cabeça no travesseiro após levar ao poder a chapa Temer-Cunha.