por José Esmeraldo Gonçalves
A atual guerra na Ucrânia leva a mídia responsável a um grande desafio: como evitar divulgar fake news de ambos os lados.
Talvez seja este o primeiro grande conflito com a mentira cavando trincheiras nas redes sociais e, por dependência, o que é lamentável, na mídia convencional. Checagens têm mostrado uso de fotos e vídeos antigos para simular bombardeios e explosões que uma simples pesquisa de imagens revela que não ocorreram na Ucrânia e muito menos são atuais.
O game exibido pela Jovem Pan e Record como se fosse cena da guerra. |
A Jovem Pan News colocou no ar como reais cenas de um game de guerra; a Globo News, sem correspondentes no front (até ontem a Globo tinha um repórter apenas na fronteira com a Polônia), mostra no ar uma jornalista com a missão de vasculhar as redes sociais em busca de cenas de guerra. Corre um grande risco. Muita coisa pode ser publicada sem identificação, sem apuração própria.
Um caso emblemático é o do tanque que passou por cima de um carro civil. A mídia ocidental publicou como se fosse um tanque russo que intencionalmente atropelou o veículo. Até agências de checagem brasileiras endossaram essa versão ontem. Hoje reconsideram e admitem que não há como atestar o fato. Realmente, o vídeo mostra que um tanque solitário ( é estranho que os russos usem um tanque solitário em um ataque maciço) atinge um carro. A cena é verdadeira, segundo as várias fontes. A partir daí não há como assegurar nada sobre o quem-é-quem. Um jornalista local identificou o blindado como sendo ucraniano. O veículo teria derrapado em óleo e se desgovernado. O G1 publicou que o tanque era um Armata russo, o que claramnte pode ser desmentido em uma simples comparação de imagens no Google. Muitas versões e nenhuma checagem confiável, embora a mídia tenha "comprado" a versão inicial sem a menor condição de saber onde estava a verdade do fato.
A foto de capa sem informação e... |
...o detalhe omitido estava no site da agência. |
A CNN Internacional, apesar de estadunidense, tem repórteres no front e, mesmo comprometida com um dos lados, carrega um pouco mais de credibilidade do que a midia que navega em sites e usa à distância material não checado. As agências ocidentais AP e Reuters, com equipes na Ucrânia, também são comprometidas com o Ocidente, mas têm alguma imagem jornalística a zelar e procuram evitar a "terra de ninguém" dos "fatos" capturados na internet, como tem feito a mídia conservadora brasileira.
O Globo (reprodução acima) publicou ontem na primeira página uma foto dramática da Reuters, sem legenda. O site da agência tinha mais informações da imagem a que o jornal teve acesso. O Globo optou por fazer uma legenda genérica, talvez porque o soldado morto na foto era russo, segundo o texto da Reuters citando militares ucranianos. Provavelmente, um russo morto abaixo do título que falava de ofensiva russa diminuiria o impacto: melhor deixar o leitor pensar que o morto era um ucraniano assassinado pelos russos, algo assim ou foi apenas desleixo? A mídia em peso "comprou" a versão sobre guarnição ucraniana de uma pequena ilha que não quis se render e mandou russos se f****** antes de "serem mortos". A guarnição está vivíssima, a própria Ucrânia admite
Ucrânia é bem armada
Outra imprecisão é colocar os ucranianos como presas fáceis. É uma injustiça com os combatentes do país. A Ucrânia tem armas convencionais sofisticadas fornecidas pelos Estados Unidos, está recebendo equipamentos e munição dos países da OTAN e enfrenta bravamente os russos. Não há notícia de que esteja reforçada por soldados não identificados vindos de países vizinhos, mas essa é uma possibilidade não descartada. Defender o lugar aonde mora é uma extrema motivação para soldados. A Ucrânia tem esse incentivo em campo. A Rússia registra baixas. segundo as agências, e muito mais terá se o conflito se prolongar. A Rússia é a segunda potência militar do mundo, tem armas nucleares, mas esse poderio todo não foi levado para a Ucrânia, obviamente.
Carteirinha da OTAN
Analistas dizem que os Estados Unidos e a OTAN não entrarão com tropas na guerra. Enviarão armas e não homens porque a Ucrânia não faz parte da OTAN. Bobagem. O Afeganistão também não fazia parte da OTAN, que foi lá com franceses, italianos, alemães, ingleses, canadenses etc, tentar defender o governo local contra os talibãs. Não conseguiu, mas essa é outra história. Se a OTAN e os Estados Unidos, que amargam essa derrota, avaliarem que terão que entrar na guerra entrarão mesmo que a Ucrânia não tenha carteirinha da OTAN. Fora isso, a escalada do conflito só será pausada se Ucrânia e Rússia sentarem à mesa de negociação, o que por enquanto parece difícil.
Jogo econômico e eleitoral
Em resumo, Estados Unidos, OTAN, Ucrânia e Rússia ultrapassaram a linha vermelha. A cada dia fica mais difícil voltar. Há interesses do complexo econômico industrial-militar (cada tiro vale muitos dólares), da política, do campo eleitoral (Donald Trump é um observador da decisões de Joe Biden, que já mostrou na retirada do Afeganistão que não é do ramo); Boris Johnson, em fase de fritura, tem no conflito sua tábua de salvação; Macron tem eleição à vista; Putin tem uma oposição interna crescente a enfrentar e levar o país à guerra não deve ajudá-lo junto à população, principalmente quando os sacos pretos das vítimas começaream a voltar; o presidente-comediante Zelensky, da Ucrânia, tem mais dois anos de mandato, mas precisa de ajuda econômica e militar. O país passa por fuga de capitais, desvalorização da moeda, tem bolsões de extrema pobreza e depende dos euros que a União Europeia e os Estados Unidos mandam para Kiev como forma de manter o aliado estratégico às portas da Rússia.
Jornalismo de botas
Por tudo isso, a guerra da Ucrânia é um enorme desafio para o jornalismo ético. Os estilhaços de mísseis e bombas do front estão atingindo veículos em todo o mundo. Em geral, a mídia ocidental se alistou, assim como a mídia governamental russa já está naturalmente engajada. Biden foi inábil e provocador - parecia querer a guerra, conseguiu - Putin deu um passo que aparenta desespero, de tão ousado. O comediante Zelinski é só isso, um humorista eleito na onda da antipolítica. Faz o seu papel que aqui no Brasil sabemos bem o que significa.
Deu nisso.
3 comentários:
Não tem mocinho nessa guerra absurda
Putin e Biden são iguais. Mas vamos aos números.Desde a Segunda Guerra, Estados Unidos invadiram ou apoiaram golpes de Estado sangrentos em 68 países. No mesmo período URSS e Rússia mandaram soldados diretamente para 5 países e apoiaram guerras em mais 3. É o que a história mostram
Infelizmente morrem os inocentes
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