sábado, 26 de fevereiro de 2022

Na Guerra da Ucrânia fake news pode ser a arma de destruição em massa do jornalismo?

por José Esmeraldo Gonçalves 

A atual guerra na Ucrânia leva a mídia responsável a um grande desafio: como evitar divulgar fake news de ambos os lados. 

Talvez seja este o primeiro grande conflito com a mentira cavando trincheiras nas redes sociais e, por dependência, o que é lamentável, na mídia convencional.  Checagens têm mostrado uso de fotos e vídeos antigos para simular bombardeios e explosões que uma simples pesquisa de imagens revela que não ocorreram na Ucrânia e muito menos são atuais. 

O game exibido pela Jovem Pan e Record como se fosse cena da guerra.

A Jovem Pan News colocou no ar como reais cenas de um game de guerra; a Globo News, sem correspondentes no front (até ontem a Globo tinha um repórter apenas na fronteira com a Polônia), mostra no ar uma jornalista com a missão de vasculhar as redes sociais em busca de cenas de guerra. Corre um grande risco. Muita coisa pode ser publicada sem identificação, sem apuração própria. 

Desvario

Um correspondente da Globo News em Nova York se descontrolou no ar e ofendeu um comentarista convidado. O motivo do chilique: discordar da opinião do historiador, que considerou "putinista" e fazer prevalecer sua posição "baidenzeira". 

Um caso emblemático é o do tanque que passou por cima de um carro civil. A mídia ocidental publicou como se fosse um tanque russo que intencionalmente atropelou o veículo. Até agências de checagem brasileiras endossaram essa versão ontem. Hoje reconsideram e admitem que não há como atestar o fato. Realmente, o vídeo mostra que um tanque solitário ( é estranho que os russos usem um tanque solitário em um ataque maciço) atinge um carro. A cena é verdadeira, segundo as várias fontes. A partir daí não há como assegurar nada sobre o quem-é-quem. Um jornalista local identificou o blindado como sendo ucraniano. O veículo teria derrapado em óleo e se desgovernado. O G1 publicou que o tanque era um Armata russo, o que claramnte pode ser desmentido em uma simples comparação de imagens no Google.  Muitas versões e nenhuma checagem confiável, embora a mídia tenha "comprado" a versão inicial sem a menor condição de saber onde estava a verdade do fato.

A foto de capa sem informação e...

...o detalhe omitido estava no site da agência.

A CNN Internacional, apesar de estadunidense, tem repórteres no front e, mesmo comprometida com um dos lados, carrega um pouco mais de credibilidade do que a midia que navega em sites e usa à distância material não checado. As agências ocidentais AP e Reuters, com equipes na Ucrânia, também são comprometidas com o Ocidente, mas têm alguma imagem jornalística a zelar e procuram evitar a "terra de ninguém" dos "fatos" capturados na internet, como tem feito a mídia conservadora brasileira. 

O Globo (reprodução acima) publicou ontem na primeira página uma foto dramática da Reuters, sem legenda. O site da agência tinha mais informações da imagem a que o jornal teve acesso. O Globo optou por fazer uma legenda genérica, talvez porque o soldado morto na foto era russo, segundo o texto da Reuters citando militares ucranianos. Provavelmente, um russo morto abaixo do título que falava de ofensiva russa diminuiria o impacto: melhor deixar o leitor pensar que o morto era um ucraniano assassinado pelos russos, algo assim ou foi apenas desleixo?  A mídia em peso "comprou" a versão sobre guarnição ucraniana de uma pequena ilha que não quis se render e  mandou russos se f****** antes de "serem mortos". A guarnição está vivíssima, a própria Ucrânia admite  

Ucrânia é bem armada

Outra imprecisão é colocar os ucranianos como presas fáceis. É uma injustiça com os combatentes do país. A Ucrânia tem armas convencionais sofisticadas fornecidas pelos Estados Unidos, está recebendo equipamentos e munição dos países da OTAN e  enfrenta bravamente os russos. Não há notícia de que esteja reforçada por soldados não identificados vindos de países vizinhos, mas essa é uma possibilidade não descartada. Defender o lugar aonde mora é uma extrema motivação para soldados. A Ucrânia tem esse incentivo em campo. A Rússia registra baixas. segundo as agências, e muito mais terá se o conflito se prolongar. A Rússia é a segunda potência militar do mundo, tem armas nucleares, mas esse poderio todo não foi levado para a Ucrânia, obviamente. 

Carteirinha da OTAN

Analistas dizem que os Estados Unidos e a OTAN não entrarão com tropas na guerra. Enviarão armas e não homens porque a Ucrânia não faz parte da OTAN. Bobagem. O Afeganistão também não fazia parte da OTAN, que foi lá com franceses, italianos, alemães, ingleses, canadenses etc, tentar defender o governo local contra os talibãs. Não conseguiu, mas essa é outra história. Se a OTAN e os Estados Unidos, que amargam essa derrota, avaliarem que terão que entrar na guerra entrarão mesmo que a Ucrânia não tenha carteirinha da OTAN. Fora isso, a escalada do conflito só será pausada se Ucrânia e Rússia sentarem à mesa de negociação, o que por enquanto parece difícil. 

Jogo econômico e eleitoral

Em resumo, Estados Unidos, OTAN, Ucrânia e Rússia ultrapassaram a linha vermelha. A cada dia fica mais difícil voltar. Há interesses do complexo econômico industrial-militar (cada tiro vale muitos dólares), da política, do campo eleitoral (Donald Trump é um observador da decisões de Joe Biden, que já mostrou na retirada do Afeganistão que não é do ramo); Boris Johnson, em fase de fritura, tem no conflito sua tábua de salvação; Macron tem eleição à vista; Putin tem uma oposição interna crescente a enfrentar e levar o país à guerra não deve ajudá-lo junto à população, principalmente quando os sacos pretos das vítimas começaream a voltar; o presidente-comediante Zelensky, da Ucrânia, tem mais dois anos de mandato, mas precisa de ajuda econômica e militar. O país passa por fuga de capitais, desvalorização da moeda, tem bolsões de extrema pobreza e depende dos euros que a União Europeia e os Estados Unidos mandam para Kiev como forma de manter o aliado estratégico às portas da Rússia.

Jornalismo de botas

Por tudo isso, a guerra da Ucrânia é um enorme desafio para o jornalismo ético. Os estilhaços de mísseis e  bombas do front estão atingindo veículos em todo o mundo. Em geral, a mídia ocidental se alistou, assim como a mídia governamental russa já está naturalmente engajada. Biden foi inábil e provocador - parecia querer a guerra, conseguiu - Putin deu um passo que aparenta desespero, de tão ousado. O comediante Zelinski é só isso, um humorista eleito na onda da antipolítica. Faz o seu papel que aqui no Brasil sabemos bem o que significa. 

Deu nisso. 

3 comentários:

Wedner disse...

Não tem mocinho nessa guerra absurda

Norões disse...

Putin e Biden são iguais. Mas vamos aos números.Desde a Segunda Guerra, Estados Unidos invadiram ou apoiaram golpes de Estado sangrentos em 68 países. No mesmo período URSS e Rússia mandaram soldados diretamente para 5 países e apoiaram guerras em mais 3. É o que a história mostram

Isabela disse...

Infelizmente morrem os inocentes