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sábado, 19 de fevereiro de 2022

Garota de Ipanema ultrapassa Aquarela do Brasil • Por Roberto Muggiati

Tom e Vinicius. Foto Manchete
Em seu levantamento referente ao ano de 2021, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) revelou que “Garota de Ipanema” é a canção brasileira mais gravada de todos os tempos, com 423 registros. A composição de Tom Jobim e Vinícius de Moraes destronou “Aquarela do Brasil”, há muito tempo detentora do primeiro posto, que agora passa ao segundo, com 416 gravações. 

Mineiro de Ubá, Ary compôs sua canção – inicialmente chamada “Aquarela Brasileira” – numa noite de 1939 em que uma forte chuva o impediu de sair de casa. (Antes que o temporal passasse, compôs ainda “Três lágrimas”). “Aquarela” foi apresentada pela primeira vez pelo barítono Cândido Botelho no musical “Joujou e balangandans”, espetáculo beneficente patrocinado pela Primeira-dama Darcy Vargas. Sua primeira gravação foi ainda em 1939, por Francisco Alves, com a orquestra do maestro Radamés Gnatalli, autor dos arranjos. A música demorou a decolar. Em 1940, não conseguiu ficar entre as três primeiras colocadas no concurso de sambas carnavalescos, que tinha o júri presidido por Heitor Villa-Lobos, com quem Barroso cortou relações, só retomadas quinze anos depois, quando ambos receberam a Comenda Nacional do Mérito. O sucesso só veio em 1942, com a inclusão no desenho animado de Walt Disney Saludos Amigos. “Aquarela do Brasil” tornou-se a primeira canção brasileira com mais de um milhão de execuções nas rádios dos Estados Unidos. 

Três anos depois de lançar a canção,
Vinicius revelou para Manchete quem era
a musa inspiradora. Foto Manchete

Se você acha que já está careca de saber a história de como nasceu a canção “Garota de Ipanema”, a coisa não foi bem assim. Claro, a musa inspiradora foi Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto (depois Helô Pinheiro), uma garota de dezessete anos que morava em Ipanema, na Rua Montenegro (depois Vinícius de Moraes). Diariamente, ela passava pelo bar-café Veloso (depois Garota de Ipanema) a caminho da praia. Às vezes, entrava no bar para comprar cigarros para a mãe. No inverno de 1962, os compositores viram a garota passar pelo bar e – “Ah!” – o visual da letra surgia ali e na hora, como uma cena de cinema. (“Garota de Ipanema” também virou filme, em 1967, dirigido por Leon Hirszman e estrelado por Márcia Rodrigues). 

O que você não sabe nem sequer pressente é que “Garota de Ipanema” foi feita por encomenda. O empresário Oscar Ornstein pediu a Tom e Vinícius uma composição intitulada “Menina que passa” para um musical exaltando Ipanema, “Dirigível”, que nunca chegou aos palcos. Tom compôs a melodia ao piano em seu apartamento na Rua Nascimento Silva, 107, em Ipanema, onde morou de 1953 a 1962. Vinicius escreveu a letra em Petrópolis, como fez com "Chega de Saudade" seis anos antes. Mas a letra desagradou a ambos, por ser meio deprê, reforçando o aspecto melancólico da cena (“merencório”, diria Ary Barroso). Vinicius criou então uma nova versão, mais light, confiram aí: 

1ª versão

Vinha cansado de tudo

De tantos caminhos

Tão sem poesia

Tão sem passarinhos

Com medo da vida

Com medo de amar

2ª versão

Olha que coisa mais linda

Mais cheia de graça

É ela, menina

Que vem e que passa

Num doce balanço

A caminho do mar

A primeira gravação foi em 1962, por Pery Ribeiro. Uma versão de 1964 por Astrud Gilberto, acompanhada pelo saxofonista de jazz Stan Getz, virou um hit internacional. A versão em inglês foi feita por Norman Gimbel e, embora engenhosa, era uma simplificação para o gosto americano. Jobim detestou e, com seu humor cáustico, passou a chamar o letrista de “Norma Bengell”. É a versão em inglês que abre o álbum de 1967 “Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim”. “Garota de Ipanema” é considerada a segunda canção mais tocada de todos os tempos, só superada por “Yesterday”, do Beatles.

Ainda segundo o relatório do Ecad para 2021, completam o ranking das cinco canções brasileiras mais gravadas:

• “Carinhoso”, de Pixinguinha e Braguinha, com 414 gravações.

• “Asa branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, com 361 gravações.

• “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria, com 293 gravações.