sábado, 6 de novembro de 2021

Marília Mendonça: as capas do adeus

Os editores se dividiram entre as capas factuais que mostram o acidente e as capas-homenagem que relembram a carreira da cantora sertaneja  ou a emoção do adeus. Nessa última linha o Meia Hora encontrou uma solução estética bem realizada. As imagens são reproduções do site vercapas.com.br

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Quando o público poderá ver o mural "Última Ceia", a obra de Ziraldo que o antigo Canecão emparedou?

 

Ziraldo revê parte do mural "Útima Ceia". Foto Ag. Brasil

por J.A.Barros

Os países europeus, através dos séculos, apreciavam a cultura nas artes em geral. Alguns tinham a música como o interesse principal, outros se dedicavam mais às artes plásticas. A escultura que teve a Grécia como um dos seus berços, tendo Fídias como seu grande criador. No mundo moderno, ressalte-se o talento de Rodin.

A Europa também se destacou na literatura. Grandes escritores se eternizaram. Na filosofia, pensadores modernos surgiram questionando sempre a razão. Países europeus se destacaram, não pelas armas, mas pela cultura de seus povos que  traziam  ao mundo as respostas ao questionamento do homem.

Nas suas raízes, os povos europeus aprenderam a cultivar e respeitar as obras clássicas de seus artistas em todos os seus elementos.

E me pergunto: por que, aqui no Brasil, a cultura não é vista e respeitada tal qual os povos europeus o fazem? 

A prova de que estou falando vem de uma obra, um mural pintado sobre uma parte de uma parede de uma casa de espetáculo, o Canecão. O mural "Última Ceia" tem mais ou menos 30 metros de extensão. Naquela parede, um jovem artista, mineiro de Caratinga, pintou uma visão sua de uma ceia irreverente.

Essa obra, apesar de estar dentro de um recinto fechado, de limitado acesso ao público, era vista por todos que frequentavam a tradicional casa de espetáculos. Quem ali fosse passar algumas horas de distração ouvindo música ao mesmo tempo apreciava o mural. A plateia tinha diante de seus olhos a arte maravilhosa de um artista que se projetava para o mundo da informação e comunicação. Pois,  acreditem, o empresário dono do Canecão, posteriormente despejado por dever aluguel, mandou cobrir a obra com um oleado que o tornou invisível e esquecido pela cidade do Rio de Janeiro.

Mas, esse artista, Ziraldo, com seu talento criativo, seguiu em frente como desenhista e como cartunista. Tornou-se um dos melhores chargistas políticos no Jornal do Brasil e levou sua arte aos leitores da revista Manchete. Incansável, conquistou depois um imenso público de crianças ao contar em livros histórias maravilhosasd como a do  “Menino  Maluquinho”, publicado  originalmente em “tiras” no jornal O Globo.

Pergunto o que acontecerá com o mural nas paredes do Canecão, hoje fechado e abandonado? Nãio faz muito tempo, houve uma campanha para restaurá-lo. Apesar dsso, continuará esquecido ? Quando o público poderá apreciá-lo?  O predio da antiga casa de espetáculos pertence à UFRJ, que tem planos que ainda não saíram do papel para tranformá-lo em centro cultural. 

Deem a Ziraldo o que é de Ziraldo. E ao  ao povo a arte de Ziraldo.

Leia conteúdo relacionado publicado neste blog em 2015. AQUI

Ameaça climática

Reprodução Twitter

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Nelson Freire (1944-2021): a alma das teclas

 

Nelson Freire em 1972, na Manchete. A foto é de Gil Pinheiro

O pianista Nelson Freire, um dos maiores do mundo, morreu ontem, no Rio de Janeiro, aos 77 anos, mas não silencia. Seu extraordinário talento está registrado. É eterno. A melhor homenagem é ouví-lo, sentí-lo. Veja aqui dois momentos da sua longa e brilhante carreira. 

Beethoven Moonlight Sonata 

https://www.youtube.com/watch?v=eFIe8xoS1jI


Bachianas Brasileiras nº 4 Prelude (Villa-Lobos)

https://www.youtube.com/watch?v=A1Emge2-4AM

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

O G20 foi à fonte • Por Roberto Muggiati

Chefes de Estado lançam moedas na Fontana di Trevi. Reprodução RAI

Em Roma, faça como os romanos, reza o ditado. Mas romano que se preza nunca jogou moeda na Fontana di Trevi, uma das mais famosas fontes do mundo, emoldurada por um imponente conjunto de esculturas barrocas, inaugurada há quase 260 anos, em 1762. 


O costume de jogar moedas na fonte – garantindo ao viajante uma volta à Cidade Eterna – foi reforçado pelo turismo de massa nos anos do pós-guerra e exaltado em 1954 pelo filme Three Coins in the Fountain/A fonte dos desejos, um dos primeiros realizados em CinemaScope. O melhor do filme foi a canção da dupla Jule Styne e Sammy Cahn, vencedora do Oscar, que mereceu sua melhor interpretação na voz de Frank Sinatra, OUÇA AQUI

https://www.youtube.com/watch?v=B1FZpyUfM5g


Anita  Ekberg em Dolce Vita.  Foto Divulgação

Em 1960, o diretor italiano Carlo Campogalliani lançou o filme Fontana di Trevi, uma comédia insossa. A grande referência cinematográfica da Fonte de Trevi é a cena da Dolce Vita, de Fellini, em que a atriz sueca Anita Ekberg se banha à noite em suas águas, na companhia de um embasbacado Marcello Mastroianni. VEJA AQUI

https://www.youtube.com/watch?v=The8Xi6fKOE

Neste domingo, encerrando a cúpula do G20, os chefes de estado foram à Fonte de Trevi jogar sua moedinha, seguindo a tradição: com a mão direita, de costas para a fonte. Mas não foi uma moedinha comum e sim a moeda de um euro cunhada especialmente para a ocasião, com a imagem do Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci. (O presidente brasileiro não acompanhou a turma, visitou a fonte na sexta-feira com o filho e membros da comitiva.) Em 2016 foram recolhidos um milhão e meio de euros, que foram destinados a projetos de beneficentes. 

 Em 2020 foi decidido que a fonte será cercada por uma barreira de vidro com um metro de altura para protegê-la de comportamentos inadequados e de vandalismos de alguns dos milhões de turistas que todos os anos visitam Roma.

O galo (bolsonarista) da discórdia

Se o seu vizinho for um bolsolarista ensandencido, cuidado. Em Petrópolis, Marcos Ferreira,  admnirador do "mito", foi preso sob a acusação de assassinar o moradoir ao lado. Ocorre que o matador tinha um galo ao qual ensinou cantar "Bolsonaro". O vizinho Ricardo Montojos vinha reclamando do barulho do galinheiro. A cantoria do galo fascista acabou com o que restava da sua paciência e ele se queixou ao bolsonarista. Este deu-lhe um tiro e, com a vítima caída, ainda golpeou sua cabeça com um pedra. 

domingo, 31 de outubro de 2021

Um zumbi em Roma

Reprodução vídeo Twitter. Link abaixo

por José Esmeraldo Gonçalves

Na reunião do G-20  - na verdade G-19, porque o brasileiro foi o nada absoluto - os chefes de Estado deram um perdido em Bolsonaro. Ele vagava pelos salões como uma alma penada, como mostra o vídeo e comenta a midia. Desimportante, foi praticamente ignorado.  Vai ver os participantes alertaram: "disfarça que lá vem o samsonite. E amanhã não avisa que a gente vai à Fontana di Trevi"
De fato, os líderes foram ao famoso monumento de Bernini e não chamaram o presidente do Bananão, como dizia Ivan Lessa.  Bolsonaro conseguiu trocar algumas palavras com garçons que eram obrigados a ouví-lo. Deve ter pedido apoio para o Brasil entrar na OCDE, sim porque não teve chance de falar sobre isso com mais ninguém. Houve um breve momento em que o brasileiro falou com Angela Merkel para um papo. Para abrir a conversa teria dito "eu não sou tão mau quanto dizem". Bolsonaro tem razão ao não querer ir à Conferência do Clima em Glasgow. São encontros como esses que o levam a chorar no banheiro.

sábado, 30 de outubro de 2021

Por falar em Itália: já viu essa frase em algum lugar?

Publimemória: anúncio da País&Filhos em 1982

Reproduzido do site Propaganda Histórica

Batendo um bolão na Itália. A charge é do jornal La Repubblica

Os homens e os seus nomes: pensata em tempos vazios

por J.A.Barros

De repente me perco, pensando nos grandes homens que marcaram a sua presença nesse histórico mundo. Mundo  onde,  na Idade da Pedra, o homem ainda carregava nas suas rudes e calosas mãos um machado, um machado de pedra, para abater a presa que o alimentava e, ao mesmo tempo, se defender das feras famintas que o cercavam e que também o queriam como presa. 

Do machado de pedra, o homem de hoje chegou à arma automática capaz de disparar 30 balas para matar o inimigo que o espreita atrás de cada esquina. Hoje, o homem não se defende das feras famintas, se defende do próprio homem.

Essa é a luta do homem para sobreviver e viver dias de glória  e dias de  luto neste mundo em que ele nem sabe o que está fazendo e nem como nele veio parar. Mas é preciso ir em frente e construir na vida algo perene que justifique a existência e fique para os que vierem depois. Algo que os faça entender o mundo que recebem para viver. 

E me perco pensando nos homens que pela sua força, sua história, sua inteligência e sua coragem construíram impérios e civilizações. Penso em Júlio Cesar, o conquistador da Gália, que deu a Roma o maior império do mundo. Em Justiniano, que de Bizâncio construiu o Império Romano Oriental. Ou no conquistadores que vieram da Ásia e invadiram mundo conhecidos ou inexplorados. Penso em Carlos Magno, criador a dinastia Carolíngea. Nos guerreiros mongóis, Ghengis Khan que criaou o Império Mongol e Tamerlão, que o renovou. Kublai Khan, neto do herói das planícies asiáticas, Ghengis Khan, que conquistou a China e no seu trono permaneceu.

E penso em Pedro, o Grande, que trouxe à Rússia a civilizaçao do mundo europeu e penso nos outros Impérios que se seguiram. Grandes homens. Napoleão, que trazia nos seus sonhos a unificação da Europa. Além de Abrahão Lincoln, sempre me vem à cabeça o nome de Franklin Delano Roosevelt, que transformou a América do Norte no país que é hoje, mas penso também em Churchil, o ministro que deu à Inglaterra a coragem de lutar contra as forças nazistas que ameaçavam a liberdade da civilização ocidental.

Grandes nomes, grandes homens. E fico a pensar porque neste Brasil, tão imenso e tão rico, até hoje não surgiu um nome, um homem que desse ao país todo o esplendor e a grandeza de que é merecedor.

A IstoÉ não pode reclamar: a capa do Morump continua repercutindo

Reprodução Twitter

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Você conhece o Gilberto Tumscitz? • Por Roberto Muggiati

Gilberto Braga. anos 70, quando ainda era
Tumscitz. Foto Arquivo Pessoal.
Muita gente famosa começou anonimamente na Manchete. Cito alguns, aleatoriamente: o Mago Paulo Coelho (foi correspondente em Londres), o bailarino Carlinhos de Jesus (trabalhou na administração), o repórter-mártir da TV Globo Tim Lopes (foi contínuo na redação, ali ganhou o apelido pela cabeleira à Tim Maia), o saxofonista Leo Gandelmann (era fotógrafo), o roqueiro Júlio Barroso (da Gang 90 & Absurdettes, foi da Sucursal em Nova York), o autor cult Paulo Leminski (em 1969 passou sem deixar traços pelo Departamento de Pesquisa da Bloch), Belisa Ribeiro, assessora de comunicação do Presidente Collor (foi repórter da Manchete) e muitos outros.

Um deles, um rapaz tímido na casa dos vinte anos – formado em Letras pela PUC e professor na Alliança Francesa – começou escrevendo na reportagem da revista Manchete sob o nome  de Gilberto Tumscitz (o sobrenome materno), os colegas o chamavam afetuosamente de Gilberto Tumtum.

Já escrevi aqui no Panis sobre a figura especial do Serge Elmalan, diagramador que Justino Martins contratou para as revistas da Bloch em Paris.  Certa noite, Serge convidou-me para uma “reuniãozinha” em seu apartamento no Lido, num prédio vintage, no estilo art déco. Ao entrar, surpreendo-me com um “petit comité” de celebridades: a romancista Françoise Sagan (Bonjour Tristesse), a Begum Aga Khan (viúva de um dos homens mais ricos do século e mãe do playboy Ali Kahn, ex-marido de Rita Hayworth), o cineasta Jacques Deray (dirigiu Alain Delon em Borsalino, um precursor francês de O poderoso chefão). A imprensa brasileira nunca chegou a saber da visita destas personalidades ao Rio – mesmo porque sua única visita deve ter sido ao apartamento do Serge. Da Manchete, só eu e Gilberto Tumscitz, acompanhado pela mãe. (Depois do trauma de perder o pai de infarto fulminante aos 17 anos, Gilberto presenciou, aos 27, o suicídio da mãe, que se atirou do apartamento de Copacabana onde moravam, perdas brutais que se refletiriam em muitos dos seus enredos.) 

Sentindo-se estagnar na Bloch, Gilberto foi escrever críticas de teatro e cinema no jornal O Globo. Em 1973 o ex-foca da Manchete iniciava na TV Globo o que seria uma carreira vitoriosa de quase meio século como um dos melhores autores de telenovelas do país.


Gilberto Braga (1945-2021): o mago das novelas foi repórter da revista Manchete.





Gilberto Braga morreu hoje, no Rio, aos 75 anos. Foi um grande autor de novelas que seduziram milhões de pessoas. Com muito merecimento, nesses tempos sombrios, sua trajetória é lembrada pela mídia. 

Ele começou sua carreira em 1972 e se tornou um dos mais bem-sucedido novelistas da TV Globo onde escreveu "Dancin’ Days” (1978), “Vale tudo” (1988), "Celebridade" (2003) e "Paraíso Tropical" (2008), "Anos dourados" (1984) e "Escrava Isaura" (1976). "Babilônia", em 2015, foi seu último trabalho na Globo. Não conseguiu emplacar mais nada. A máquina anda, a máquina descarta. 

Em 1974, Manchete registrou a estreia do seus ex-repórter na TV.

Poucos vão lembrar, mas Gilberto Braga, quando assinava como Gilberto Tumscitz, foi repórter da revista Manchete.  Tinha 26 anos quando fez as matérias acima reproduzidas.

VEJA NOS LINKS ABAIXO ALGUMAS MATÉRIAS DE GILBERTO BRAGA PARA A MANCHETE


http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=004120&pesq=Gilberto%20Tumscitz&pagfis=110279

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=004120&pesq=Gilberto%20Tumscitz&pagfis=111910

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=004120&pesq=Gilberto%20Tumscitz&pagfis=113691


Gourmet pandêmico • Por Roberto Muggiati

Com o corpo confinado, é a cabeça que tem de se virar. Aí passei então a inventar todo tipo de coisas malucas na cozinha. E olhem que não tenho nem gás aqui. Microondas não ajuda muito, tenho de me virar com um fogão elétrico de duas chapas e um forno elétrico que mais parece a Siderúrgica de Volta Redonda: bobeou, torrou... 

A última encrenca em que me meti deu um bom trabalho, mas, depois de vários ensaios, cheguei a uma pequena receita gostosa e digna, a Caponata Ecumênica de Jiló, com berinjela, abobrinha, alho porró, pimentão verde, pimentão vermelho, passas e uma base de cebola e alho picado. Não me perguntem as medidas, elas não existem, a coisa toda é feita no instinto, à bangu, pra quem saca a boa gíria da malandragem carioca. Levei algum tempo para criar a versão definitiva – a que foi para a fotografia – mas tudo correu com fluidez e leveza.

Em nossa era de fast tudo, somos bombardeados por pequenas dicas de saúde: “meia hora de atividade física por dia para blindar o cérebro”, “fazer faxina pode ajudar a saúde mental”, “exercícios noturnos ajudam os hipertensos”, “cinco minutos diários de meditação transformam a estrutura do cérebro”. 

Nesse quesito eu acredito. Mas não naquela visão caricata da meditação: o sujeito na posição da flor de lótus, como um bodisatva, aquele ser budista iluminado pela compaixão. De repente, na faina de separar e aquecer al dente cada um dos oito ingredientes, com seus diferentes tempos de cozimento, me dei conta de que, apesar da intensa atividade física e intelectual, minha mente estava a eons de distância, numa espécie de “meditação dinâmica” – enfim, lanço aqui também o conceito, com a receita descolada.

Dedico o prato aos mestres Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, compositor e letrista de Qui nem jiló, um dos clássicos da Era do Rádio, do ano redondo de 1950.

Ouçam aqui

https://www.youtube.com/watch?v=CzBnMePEIk8

E a letra:


Qui nem Jiló

Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira

Se a gente lembra só por lembrar

O amor que a gente um dia perdeu

Saudade inté que assim é bom

Pro cabra se convencer

Que é feliz sem saber

Pois não sofreu

Porém se a gente vive a sonhar

Com alguém que se deseja rever

Saudade, entonce, aí é ruim

Eu tiro isso por mim

Que vivo doido a sofrer

Ai quem me dera voltar

Pros braços do meu xodó

Saudade assim faz roer

E amarga qui nem jiló

Mas ninguém pode dizer

Que me viu triste a chorar

Saudade, o meu remédio é cantar

Saudade, o meu remédio é cantar

Ai quem me dera voltar

Pros braços do meu xodó

Saudade assim faz roer

E amarga qui nem jiló

Mas ninguém pode dizer

Que me viu triste a chorar

Saudade, o meu remédio é cantar

Saudade, o meu remédio é cantar

 


Afogados do Sena: o massacre de 17 de outubro de 1961 • Por Roberto Muggiati

1961: manifestantes argelinos presos em Paris. Foto de Fernando Parizot/AFP
que você pode ver neste link


"Aqui afogamos os argelinos". Foto L'Humanite/Keystone que você pode ver neste link

Hemingway disse: “Se você teve a sorte de morar em Paris quando jovem, aonde quer que vá, a cidade o acompanhará pelo resto da vida.” Tinha razão: a memória do ano e meio que vivi em Paris, há sessenta anos, ainda dorme toda noite e acorda todo dia comigo. 

Paris guardava cicatrizes de muitas lutas de muitas épocas em seus mais diversos quartiers. Da Revolução, da Comuna, da Ocupação nazista. Quando ia toda noite a pé do metrô de Luxembourg até a Cinémathèque na rue d’Ulm, me deparava com uma cabeça enfiada na ponta de lança de uma grade de ferro – uma cópia em argila da cabeça original, humana, decepada pela guilhotina na época da Bastilha. Prédios e paredes na rive gauche ostentavam furos de balas dos tiroteios da Segunda Guerra, quando os alemães foram rechaçados de Paris, episódio descrito no filme Paris está em chamas? Em abril de 1961, morando na Île de la Cité, vivi na pele o malogrado putsch dos generais da Argélia, quando quatro cinco estrelas de pijama ameaçaram não só tomar conta do poder na colônia – onde os gaullistas já negociavam a libertação da Argélia – mas invadir aeroportos estratégicos da França com paraquedistas, ameaça que foi detectada pelo serviço de inteligência do primeiro ministro Debré. Em 22 de abril, todos os voos e decolagens foram proibidos em aeroportos parisienses e o exército foi mobilizado para resistir ao golpe. No dia seguinte, o presidente Charles De Gaulle fez um famoso discurso na televisão, vestindo seu uniforme vintage de general dos anos 1940, conclamando o povo francês a apoiá-lo. Na noite de 24 de abril, voltando para meu hotel do lançamento do livro American Express, do poeta beat Gregory Corso, encontrei todas as pontes que levavam à ilha bloqueadas por fileiras de velhos ônibus e centenas de gendarmes – com suas casquettes e pélerines –fazendo a triagem de cada passante: “Vos papiers, s’il vous plaît?”

Felizmente, naqueles tempos difíceis, eu andava sempre com o passaporte e a Carte de Séjour de bolsista. O putsch dos generais fracassou, mas a conspiração da direita seguiu firme (lembram o filme O dia do chacal, que mostra a tentativa de assassinato de De Gaulle?).  O episódio mais chocante de toda aquela época foi a morte de 200 argelinos na mais violenta repressão de uma manifestação pacífica depois da Segunda Guerra. Operários argelinos vieram desarmados em marcha da periferia para o centro de Paris protestar contra o toque de recolher, que só atingia os “franceses muçulmanos da Argélia”. O ataque violento dos policiais foi ordenado pelo Préfet de Police Maurice Papon, responsável pela deportação dos judeus de Bordeaux durante a guerra. Pelo menos duas centenas de argelinos morreram e muitos corpos foram jogados no rio Sena. Numa das pontes os assassinos ainda rabiscaram acintosamente: “ICI ON NOIE LES ARGELIENS”, “aqui afogamos os argelinos”.

O massacre praticamente não foi noticiado pela imprensa, foi totalmente censurado, os arquivos oficiais trancados para os historiadores. Naquele dia eu estava a quase mil quilômetros de Paris, paquerando uma italianinha que tinha saído de um curso de inglês diante do túmulo de Dante Alighieri em Ravena, o grande poeta morreu no exílio longe da sua amada Florença. Só fiquei sabendo do episódio sangrento muito tempo depois.

De volta a Paris em novembro, depois do meu Grand Tour de dois meses pela Itália, encontrei a cidade visivelmente mais tensa. Até o fim do ano, houve uma escalada de explosões por Paris inteira, mas o movimento anticolonialista, liderado pela Frente de Libertação Nacional (FLN) seguiu em frente e a independência da Argélia foi assinada entre o governo francês e o governo provisório da República Argelina nos Acordos de Évian, em 18 de março de 1962. A esta altura, eu estava de volta a Curitiba, não posso dizer seguro e tranquilo, o horizonte brasileiro já estava carregado com as nuvens negras do golpe militar iminente. Apesar de tudo, consegui fazer de Paris uma festa só para mim, mas jamais esqueci os momentos sombrios da cidade aterrorizada de 1961.

Brasil a ânus luz da civilização

por O.V.Pochê 

O roteirista do Brasil está embalado. A sucessão de acontecimentos bizarros que fazem a atual conjuntura é de deixar o Febeapá (Festival de Besteiras que assola o País) de Stanislaw Ponte Preta, uma espécie de manual das asneiras da ditadura militar lançado na década de 60, a ânus luz de distância. E a loucura nacional acomete o governo e os políticos e desanda os cidadãos comuns e até os incomuns, caso existam. "Doidêra" como se diz.

* Em Goiatuba, Goiás, o pastor Carlos Rodrigues bateu as botas mas garantiu às suas ovelhas que iria ressuscitar três dias depois de morto. Deixou até horta marcada e documento assinado por testemunhas onde informava a quem interessase que a ressureição era uma missão que Jesus lhe dava. A mulher do evangélico exigiu que as autoridades permitissem a espera. O velório do corpo que, segundo o pastor, seria algo como uma soneca, atraiu uma multidão. Na falta do que fazer, o povo ficou de prontidão esperando o enviado de Jesus. Não rolou. O novo endereço do indigitado é o cemitério local, a sete palmos do resto da humanidade.

* O Maracanã vai ser novamente leiloado. O Estado do Rio de Janeiro, que tem o bolsonarista Claudio Castro à frente, lançou um edital onde determina que os empresários ou os clubes que conquistarem a concessão do estádio deverão ceder no mínimo 21 mil ingressos por ano para o governo estadual. Detalhe: são cinco camarotes (200 ingressos e bufê) por partida. Isso sem falar que o estado administra 600 cadeiras perpétuas que ainda não foram recadastradas por proprietários ou seus herdeiros. O velho Maracanã perdeu a gerale ganhou um feudo político. Se o futuro concessionário quiser se livrar da obrigação bastaria exigir ficha limpa ou prontuário policial dos "torcedores estatais".Ia sobrar muito lugar nesses camarotes.

* A comitiva brasileira enviada à ONU tinha mais de 60 alegres autoridaes. A delegação que acompanhou o general Mourão à África para tentar limpar a barra da Igreja Universal tinha uma galera de responsa. Para a Cop 26 o Brasil deve levar 100 titulares da boca livre internacional. E isso para dizer que o aquecimento global é coisa de "cuminista e ateu". 

* Bolsonaro disse em live que vacina provoca Aids. O psicopata deve pedir desculpas aos gays. Quando o HIV surgiu, em 1980, ainda na ditadura, a mídia, sob aplausos do governo militar, chamava de "peste gay". Vai ver a culpa era só culpa das vacinas da época.

* Depois de gozar da repórter dizendo que ela queria “dar o furo”, agora quem deu o furo foi Bolsonaro: no teto fiscal do Guedes.

* As pedaladas fiscais da Dilma (que motivaram o golpe) são brincadeiras comparadas com as “motociatas” fiscais do Bozo.

* O vocabulário do Renan Calheiros está muito rico. Imagino esse tipo de diálogo:

 - Pai, o que é caviloso?

- Sei lá filho, acho que é algo a ver com o homem das cavernas...

* Zé Trovão, o suposto caminhoneiro que é o "Zapata" da direita fugiu para o México, não gostou da pimenta local, voltou para o Brasil, a polícia não percebeu, apesar do elemento estar com prisão decretada, e resolveu se esconder. Homiziou-se-se na própria casa, seu antigo endereço, onde ficou por dois dias antes de se entregar. É o único caso do fugitivo com CEP conhecido.

   

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Manchete como fonte de pesquisa bibliográfica e jornalística

Manchete é provavelmente a revista brasileira mais presente em livros. Seja através da reprodução de conteúdo jornalístico relevante, seja por meio de compilação de crônicas ou de reportagens,  entrevistas e pesquisa histórica. Livros com textos de Rubem Braga e de Nelson Rodrigues escritos para a revista ou entrevistas feitas por Clarice Lispector no tempo em que colaborou com Manchete (e Fatos & Fotos) foram reproduzidas em obras recentes. A pesquisa jornalística e fotográfica também tem na revista um indicativo muito procurado. Na matéria acima, sobre o arquiteto Lúcio Costa, Manchete é citada como coadjuvante. Mais precisamente é lembrada pela Folha de São Paulo uma reportagem da revista na casa do arquiteto. Fora das bancas desde os anos 2000, Manchete sobrevive como fonte, hoje mais acessível por ter sua coleção digitalizada pela Biblioteca Nacional.

Pandora Papers: o paraíso fiscal saúda a imprensa, pede passagem e sai de fininho

Cadê o escândalo que estava aqui? Sumiu. 

Os documentos obtidos pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, na sigla em inglês), sediado em Washington D.C., nos Estados Unidos, alimentaram os chamados Pandora Papers. Mais de 600 jornalistas de 149 veículos de 117 países mergulharam nas águas turvas dos paraísos fiscais. No Brasil, você leu sobre isso no Poder360, que faz parte da investigação e revelou as contas offshores de empresários e autoridades, entre as quais o ministro da Economia Paulo Guedes. Os principais jornais do mundo integraram o consórcio que levantou as lebres fiscais. Nenhum do Brasil. The Washington Post, BBC, Radio France,  Die Zeit e a TV NHK, entre outros veículo questionaram suas autoridades e elites financeiras sobre a prática que, apesar do sol do Caribe, tem zonas de sombra.

Você deve terreparado que a grande mídia brasileira inicialmente ignorou o assunto. Deu um pouco mais de relevância dois ou três dias depois da revelação do Poder 360, mas aí com a conveniência, para eles, de destacar a defesa de Paulo Guedes. Mesmo assim, o assunto durou pouco nos véiculos dos grandes grupos. Lá fora, resultou até em demissões importantes de envolvidos. O ministro da Indústria da Espanha pediu o boné. O presidente de um banco austríaco saiu de fininho. o primeir-minostro da Islândia entregou o cargo.  No Brasil, se não acabou em pizza, foi saboreado com peixe crioulo, patacones e mojitos típicos do Caribe.

A falta de atenção da mídia conservadora aos Pandora Papers envolve uma curiosa coincidência: milhões de dólares de empresários do setor de comunicação estão hospedados nos paraísos fiscais onde curtem a dolce vita da desvalorização do real. Cada vez que a moeda brasileira desce a ladeira a fortuna de Paulo Guedes e dos donos da mídia citados pela investigação jornalística escalam o borderô offshore. 

Observem que aqui ou em qualquer país um ministro da Economia e a imprensa têm o poder intencional ou não de fazer oscilar o dólar. Um fala, a outra repercute. Revelações ou comentários em um dia e eventuais desmentidos 24 horas depois - e isso acontece com certa frequência - dão um sacode no dólar pra cima, pra baixo, pros lados, não importa. Digamos que um sortudo adivinhe essa gangorra e faça seu jogo no mercado com base, digamos de novo, na intuição. Vai se dar bem e comemorar nas redes sociais: "papai tá on", dirá. 

O nome disso é felicidade.  

Leia no Poder 360 a matéria sobre os barões de mídia no off shore. AQUI

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

“A China está nos estuprando!” • Por Roberto Muggiati

Chapéu de padeiro veio de
Foshan,China,
via Curitiba.

No outro polo dos paraísos fiscais estão os infernos da mão-de-obra barata. Não bastasse isso, vivemos o tempo dos presidentes grossos e boquirrotos. Mas Trump acertou na mosca ao chiar sobre produtos que, mesmo vindos do outro lado do mundo, custam bem mais baratos aqui  do que aqueles da produção local. 

Aqui na Rua das Laranjeiras, no que eu chamo de Baixo Glicério, existe um mini-camelódromo debaixo da marquise do Bradesco. Já encontrei ali bons livros, CDs e DVDs a preço de banana. (Alguns romances da Elena Ferrante novos em folha a três por dez reais. ) E roupas também. Na barraca da Thereza tenho achado coisas boas e baratas. Calças e camisas em estado novo a 20 reais cada. Como minhas malas estão há um ano num guarda-móveis, foi um jeito conveniente de remediar meu guarda-roupa. Afinal, na pandemia impera a moda pauvre chic. 

Descrevo alguns itens para vocês terem uma ideia da variedade incrível de procedências. Um short cinza escuro de moletom da ZARA Paquistão. Uma calça comprida marrom claro da ZARA Turquia. (Lembro-me de um amigo que fotografou em Istambul um quiosque que se gabava de vender “genuine fake watches”.) Uma camisa polo cor-de-abobora da NIKE Vietnã. Uma calça comprida preta da VILLA VITTIN Portugal. Sombreros Panamá do Ecuador made in China.  Outros originários da RPC, o que dá na mesma: República Popular da China. 

Foshan: o entreposto global

Também comprei alguma coisa pela internet. O site de roupas Shein promovia um simpático “chapéu de padeiro” por apenas R$ 38. Demorou a chegar, via Curitiba, descobri depois que era fabricado em Foshan, na província de Cantão, no poético Delta do Rio das Pérolas, não fosse Foshan uma megalópole industrial de oito milhões de habitantes. Apelando para o título brasileiro de um filme que no original tinha apenas cinco letras, Giant, “assim caminha a humanidade...”

Com Chaplin, confinamento sem crise • Por Roberto Muggiati


No apagão do som, a genialidade de Chaplin em Em busca do ouro.

Nossa dependência da tecnologia é terrível, lembrem o recente apagão do Whatsapp. Meu caso é mais modesto, mas para mim assume dimensões gigantescas. Nos últimos dias, meu computador ficou mudo, por mais que eu tentasse não consegui reinstalar o som em músicas, filmes e tudo mais. 

Estou à espera de uma alma caridosa que me socorra e faça ouvir de novo. Ou de um técnico que aceite um cheque pré-datado para o próximo 5º dia útil de novembro.

Desde que a Manchete faliu, continuei trabalhando em casa, fazendo colaborações para a imprensa e traduções. Com o trabalho escasso, conheci a liberdade ilimitada de escrever de graça – o fato é que há 67 anos, desde que comecei a trabalhar na Gazeta do Povo de Curitiba, em 15 de março de 1954, não me afastei um dia sequer do teclado. Meu sonho é bater o recorde do Henrique Nicolini, um redator esportivo de São Paulo: ao morrer, aos 91 anos em 2017, ele detinha o Recorde Guinness de jornalista mais longevo na profissão no mundo, com 70 anos de batente. Para isso, basta eu viver mais uns quatro anos – minha primeira matéria assinada é de 1955, uma entrevista exclusiva com Portinari quando ele esboçava no seu ateliê do Leme o mural Guerra e Paz para o edifício da ONU em Nova York.

A imagem original em P&B

E a mesma cena colorizada


Voltemos ao ponto: ao fim de cada jornada de trabalho, eu refresco a cabeça vendo um filme no computador (meu toca-DVDs e TV ainda estão num guarda-móveis com a TV desde a diáspora de Botafogo para Laranjeiras há mais de um ano.) Vejo muita coisa boa pelo YouTube. Sem som fiquei ao léu. Mas, como dizia o grande filósofo greco-carcamano Frank Platão Zappa, “a necessidade é a mãe da invenção” e lembrei de repente que existem filmes fabulosos sem som. (Certos críticos radicais defendem que o único cinema válido é o mudo.) Charles Chaplin, por exemplo. Ao escrever estas linhas, estou revendo o maravilhoso A corrida do ouro, de 1925. Por mais vezes que tenha visto esse clássico, sempre topo com a novidade de um detalhe ou outro. O filme é disponibilizado ainda na versão colorizada, dei uma espiada para conferir (comparem as versões da mesma cena em preto-e-branco e colorizada). A tentativa de colorir clássicos em p&b não deu em nada – aliás, a fotografia é uma arte que se afirma no preto e branco, com a sua linguagem própria, sem a menor pretensão de “imitar” a realidade. 

Em busca do ouro: o happy end.


Só Chaplin para fazer da fome um tema cômico. E o happy end selado por um beijo, a mocinha e o milionário travestido em vagabundo. No filme seguinte, Luzes da cidade, o final é o oposto: a mocinha que volta a enxergar descobre que o seu sonhado milionário dos tempos de cegueira é um vagabundo. O gênio de Chaplin termina o filme em aberto.


 Clouzot descobriu o Danúbio Azul 15 anos antes de Kubrick


 
Em 2001, a coreografia da nave no ritmo da trilha sonora que O salário do medo usou.
Depois que Stanley Kubrick mostrou o acoplamento de uma nave espacial com uma estação orbital ao som do Danúbio azul em 2001: uma odisseia no espaço, nunca ninguém ouviu mais a velha valsa de Strauss da mesma maneira. Essa é a marca do gênio.



A dança de Vera Amado Clouzot

E o bilhete do metrô de Paris


Mas a coisa não é bem assim: outro cineasta já tinha dançado esta valsa quinze antes do Kubrick: Henri-Georges Clouzot, em O salário do medo, de 1953. O filme se passa num buraco da Venezuela, onde reina a miséria e um punhado de europeus desgarrados passa fome sonhando com o dinheiro da passagem de avião para Paris. Uma catástrofe traz a oportunidade para quatro eleitos numa missão suicida. Duas duplas têm de dirigir seu caminhão carregado de nitroglicerina até o local do incêndio de um lençol petrolífero ao longo de estradas de terra batida que atravessam a selva. A dupla que vai à frente explode, a dupla que segue atrás atola no lago de petróleo que vaza dos oleodutos no local da explosão. Um dos pilotos tem a perna esmigalhada na tentativa de desencalhar o caminhão. O sobrevivente, Yves Montand, chega ao destino abraçado na boleia ao companheiro moribundo e  é recebido como herói com sua preciosa carga de nitroglicerina. Mais spoilers: grana no bolso, eufórico ao volante do caminhão vazio, Montand volta à cidade onde deixou a namorada (a brasileira Vera Amado Clouzot). 

Em shots alternados, Clouzot mostra Vera valsando na taverna e Yves valsando com o caminhão nas curvas da montanha. De repente, a mocinha cai desmaiada e o chofer se projeta no abismo. Na imagem final (veja no link), em meio ao caminhão em chamas, um detalhe de Montand morto: um bilhete do metrô de Paris que guardava como fetiche da cidade amada. Tudo isso ao som de... Danúbio Azul...

https://www.youtube.com/watch?v=ZkhKRT8tc-o

Orlandinho vira o jogo: uma vítória póstuma na luta pelo respeito aos direitos autorais da foto mais famosa de todas as Copas



A foto de Orlando
Abrunhosa na capa
da Fatos & Fotos
A mais famosa imagem de Copas do Mundo - eternizada em capas de revistas, como Fatos & Fotos, Manchete e Paris Match, e no documentário Três no Tri, do jornalista Eduardo Souza Lima, o Zé José - volta a ser notícia. 

O fotógrafo Orlando Abrunhosa, falecido há cinco anos, acaba de ganhar na justiça uma ação de indenização por uso não autorizado da foto de Pelé, Tostão e Jairzinho no México, em 1970. O trio comemorava o gol de Pelé contra a Tchecoslováquia.e, em uma fração de segundo, Orlandinho registrou uma perfeição estética. 

A foto histórica foi muitas vezes publicada ilegalmente em jornais, capas de fitas de vídeo, selo e cartazes. Orlandinho abriu processos e lutou até o fim pelos seus direitos, até fora do Brasil. Alguns dessas pendências ainda estão em andamento. 

Ele, com certeza, se aqui estivesse, iria comemorar essa vitória merecida. Provavelmente, brindando com vodca e limão à sua maneira. Ele nunca deixava de recomendar ao garçom "Mas traz o limão pra eu espremer". Era um clássico do Abrunhosa nos bares cariocas. Martins, do bar do Novo Mundo, uma espécie de filial etílica da Manchete, deve ter ouvido essa frase centenas de vezes. O barman que serviu JK, Jango, Brizola, Garrincha e era capaz de fazer drinques e coqueteis complicados, ficava intrigado por não poder espremer um simples limão. Martins nunca entendeu e Orlandinho nunca explicou. 

Orlando Abrunhosa na cobertura da Copa do México, em 1970, quando
fez uma das fotos mais famosas do futebol

De acordo com matéria publicada por Ancelmo Gois, no Globo, na última segunda-feira, e que repercutiu em vários sites, a célebre foto estampou um painel instalado no Museu da Maracanã, sem que o governo do Estado do Rio de Janeiro e o Complexo Maracanã Entretenimento tivessem, para isso, autorização do autor ou da família.

domingo, 17 de outubro de 2021

Abobrinhas: quem nunca?

 

Reprodução Estadão. Clique 2x na imagem para ampliar

Reprodução Folha de São Paulo

Sergio Augusto levantou a bola (no Estadão), Ruy Castro matou no peito (na Folha). 

Ambos escreveram sobre as abobrinhas do cinema. 

por José Esmeraldo Gonçalves

Abobrinhas eram os muitos bytes de informações que eram guardados na memória dos jornalistas cinéfilos. Se eram úteis? Vá saber. Mas rendiam horas de bom papo. Na redação da Manchete e da Fatos & Fotos as abobrinhas eram chamadas de trívias. No caso, a palavra indicava uma espécie de jogo: o da arte de responder questões aleatórias pouco ou nada conhecidas sobre atores, atrizes e filmes. Na Manchete raros tinham a chave do portal que levava àquela dimensão oculta de Hollywood. O próprio Ruy Castro, Roberto Muggiati, George Gurjan, José Guilherme Corrêa e Valério de Andrade. Estes formavam o conselho supremo da trívia no tempo em que o Google não estava lá para revelar que Humphrey Bogart era careca ou que Marylin Monroe tinha QI maior do que o de Isaac Newton, entre outras deliciosas digressões.

Um dos diagramadores da Manchete, J.A. Barros, também cinéfilo, costumava aplicar um desafio aos críticos de cinema que adentravam a redação. Era o Teste Guilaroff. De repente, como se sacasse um revólver Peacemaker na Main Street de Tombstone, Barros disparava a  pergunta; "Você sabe quem é Sydney Guilaroff?"  Nove em dez vezes o crítico rateava. Era a deixa que o Barros esperava para fazer uma bio do personagem hollywoodiano que ele identificara nos minúsculos créditos antes do the end de muitos filmes. E Guilaroff era figura importante como se vê no link abaixo em post de Roberto Muggiati sobre o teste que, para o seu criador, o Barros, separava os cinéfilos de raiz do resto da humanidade.

 https://paniscumovum.blogspot.com/2021/02/o-teste-guilaroff-de-cinefilia-por.html

terça-feira, 12 de outubro de 2021

No Le Monde: matéria sobre o avanço do neonazismo no Brasil.

 




por Flávio Sépia
O que já é visível torna-se investigado. O correspondente do Le Monde, jornalista Bruno Meyerfeld demonstra em reportagem exclusiva publicada no jornal francês, nessa semana, o avanço do neonazismo no Brasil de Jair Bolsonaro. Os fãs de Hitler e do Terceiro Reich perderam a inibição, segundo a reportagem, e não se escondem. Meyerfeld alerta, contudo, que faixas e cartazes que aparecem em público cada vez com maior frequência são apenas "a ponta do iceberg". 
"Superficialmente, tudo parece normal. Nos vídeos postados online, um jovem estudante completa 24 anos. Existem balões coloridos, doces. A família fica feliz e canta “feliz aniversário” em uníssono. Mas um detalhe chama atenção. Na mesa festiva está um grande bolo de creme. No seu centro, o pasteleiro desenhou uma personagem famosa, que imaginamos ser importante para os presentes. Este é Adolf Hitler. O líder do Terceiro Reich é representado em um terno marrom e uma braçadeira com uma suástica. A imagem chocante, que parece ter sido postada no final de setembro na cidade de Pelotas, no sul do Brasil, rapidamente se tornou viral, desencadeando ondas de choque e indignação online em todo o país. Confirmado ou não, o incidente está longe de ser isolado". 

O fato é que nos últimos anos o número de escândalos envolvendo neonazistas explodiu", constata o jornalista, que cita eventos semelhantes em  Unai (MG) e Florianópolis (SC). 

Le Monde ainda ouviu da pesquisadora Adriana Dias, especialista no assunto, que o número de “células neonazistas” teria saltado de 75 para 530 no Brasil entre 2015 e 2021. 

Nos anos pós-golpe, a ultra direita tira a máscara. E não apenas a do negacionismo da Covid-19.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

O Cristo e seus clones • Por Roberto Muggiati


Cristo Redentor, Corcovado. Foto de Fernando Maia Riotur-Divulgação

Nos 90 anos da estátua do Redentor no alto do Corcovado, a TV mostrou as incontáveis réplicas do Cristo que se espalham pelo Brasil afora. Em sua grande maioria, são imitações toscas e cafonas da escultura feita pelo francês Paul Landowski, uma autêntica joia da art déco. 

Cristo de Brejatuba. Reprodução Facebook

Minha nêmesis (em grego: Νέμεσις) – deixa pra lá, sem pedantismos, minha bronca maior é com o Cristo de Brejatuba, praia do litoral paranaense no municipio de Guaratuba. No alto de um morro, é alcançada por uma escadaria com 197 degraus de placas de cimento, que subíamos correndo nas jovens noites de porre no início dos anos 1950. A estátua lamuriosa, inaugurada em 1952, mostra um Cristo com as vestes infladas, pés apartados, a mão direita apontando para a entrada da barra, a mão esquerda sobre o coração. A pose atlética é ridícula e lembrava a mim – numa interpretação personalíssima – aquela do discóbulo de Mirón.

Foi por essa época que comecei a frequentar o balneário nas férias de inverno. Acontecia ali o fenômeno que no Rio de Janeiro foi batizado de “cigarras”. Respeitáveis cidadãos mandavam suas famílias para as férias na Serra e ficavam a farrear na pródiga noite da Capital Federal. No Paraná o movimento só era geograficamente inverso: chefes de família desovavam esposas e filhos nas praias e se esbaldavam na noite curitibana, turbinada naqueles tempos pelo dinheiro das exportações de café – aviões cheios de argentinas pousavam em Curitiba trazendo belas bailarinas e acompanhantes para os cabarés e boates da Cidade-Sorriso (ainda não tinha surgido a Boca Maldita).

Desterradas em Guaratuba, algumas mulheres – especialmente aquelas sem filhos – iam à forra. Nós, garotos de treze, quinze anos, nos divertíamos nas tardes frias e chuvosas circulando no carrão americano da família (geralmente um Caddilac rabo-de-peixe) pelas ruas desertas, pavimentadas de conchas de sambaquis. Era um passatempo típico da época da gasolina barata, que os americanos chamavam de “cruising” – algo como navegar sobre quatro rodas, a gíria veio da ronda dos carros-patrulha da polícia. Visitávamos as casas de namoradinhas potenciais – as donzelas nas janelas – e fazíamos uma parada às vezes para subir no alto do Morro do Cristo, um posto de observação privilegiado. Com um pouco de paciência, flagramos muitas vezes respeitáveis esposas no carro de um pai esperto que, às profissionais portenhas, dava preferência a mães locais desgarradas e genuinamente fogosas.

O equivalente norte-americano do nosso Cristo é a Estátua da Liberdade, da qual existem réplicas em praticamente cada um dos 50 estados da federação. O que me lembra imediatamente um dos melhores romances de Paul Auster, Leviatã (1992), em que um promissor romancista sai pelo país explodindo réplicas da Estátua da Liberdade. Tal iconoclastia jamais ocorreu no Brasil com relação ao Cristo, excetuando o ato isolado de um obscuro bispo da Igreja Universal que chutou aos palavrões uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. O que me leva a uma reflexão sobre a índole dos nossos anarquistas, única faixa da população de que se poderia esperar alguma rebeldia. Aliás, eu não estaria aqui hoje não fosse a Colônia Cecília, um sonho de anarquistas italianos que durou pouco, mas inspirou incontáveis livros e filmes. Intelectuais e sindicalistas de Milão e arredores, liderados pelo ideólogo Giovanni Rossi, tentaram criar uma colônia anarquista em solo brasileiro, nas terras doadas por D. Pedro II em Palmeira, a 100 km de Curitiba. Meu bisavô Ernesto Muggiati, de Stradella, (com mulher, dois filhos e duas filhas) quase chegou lá. Morreu de febre amarela ao aportar em Paranaguá. Nossos anarquistas fizeram tudo errado. Nos vastos campos plantaram milho, uma cultura demorada. Quando venderam o produto da primeira colheita, quatro anos depois, o tesoureiro fugiu com todo o dinheiro. Foi o fim da Colônia, seus integrantes aos poucos debandaram, em busca de emprego em Curitiba, outros seguiram para São Paulo. A maioria dos italianos que vieram para o Brasil trouxe a religiosidade ancestral, apegando-se ao culto da Virgem e de seu filho Jesus. As famílias costumavam destinar pelo menos um de seus filhos ao sacerdócio. Das filhas que ficavam solteiras, muitas ingressavam em conventos. Muitos imigrantes – antigos pedreiros ou mestres de obras – se improvisaram em arquitetos e construíram igrejas e até mesmo catedrais.  Uma história que Zélia Gattai contou muito bem (os Gattai vieram também para a Colônia Cecília) em seu livro com o título irônico de Anarquistas graças a Deus...

sábado, 9 de outubro de 2021

Guedes no paredão da Faria Lima

Reprodução Twitter

Enrolado dentro da caixa preta de Pandora, Paulo Guedes foi "homenageado" em cartaz colado na rua Faria Lima, em São Paulo, onde ficam instalados os "aparelhos" da especulação financeira. 
A mídia neoliberal poupa Guedes, mas o povão que come osso já o identifica. 
Trata-se de um ministro que entra para a história com um "mérito": é autor de uma política econômica que só deu certo para ele.
Deve ser também a autoridade mais querida pela mídia conservadora. Os editores do Globo, Folha e Estadão não consideraram notícia o caso Pandora Papers. Tiveram arrepios e suores noturnos. Tracaram o esfíncter.  Emudeceram quando a denuncia surgiu. Agora abrem generosos espaços para, aí sim, o que vêem como notícia: a defesa do Guedes. 
A propósito dessa paixão interesseira, uma colunista de economia alcançou outro dia uma espécie de recorde no antijornalismo. Foi capaz de escrever uma coluna inteira sobre inflação, crise energética, cotação do dólar e política econoômica em geral sem citar uma única vez o nome do seu "crush", o bem-amado Guedes.