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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Gourmet pandêmico • Por Roberto Muggiati

Com o corpo confinado, é a cabeça que tem de se virar. Aí passei então a inventar todo tipo de coisas malucas na cozinha. E olhem que não tenho nem gás aqui. Microondas não ajuda muito, tenho de me virar com um fogão elétrico de duas chapas e um forno elétrico que mais parece a Siderúrgica de Volta Redonda: bobeou, torrou... 

A última encrenca em que me meti deu um bom trabalho, mas, depois de vários ensaios, cheguei a uma pequena receita gostosa e digna, a Caponata Ecumênica de Jiló, com berinjela, abobrinha, alho porró, pimentão verde, pimentão vermelho, passas e uma base de cebola e alho picado. Não me perguntem as medidas, elas não existem, a coisa toda é feita no instinto, à bangu, pra quem saca a boa gíria da malandragem carioca. Levei algum tempo para criar a versão definitiva – a que foi para a fotografia – mas tudo correu com fluidez e leveza.

Em nossa era de fast tudo, somos bombardeados por pequenas dicas de saúde: “meia hora de atividade física por dia para blindar o cérebro”, “fazer faxina pode ajudar a saúde mental”, “exercícios noturnos ajudam os hipertensos”, “cinco minutos diários de meditação transformam a estrutura do cérebro”. 

Nesse quesito eu acredito. Mas não naquela visão caricata da meditação: o sujeito na posição da flor de lótus, como um bodisatva, aquele ser budista iluminado pela compaixão. De repente, na faina de separar e aquecer al dente cada um dos oito ingredientes, com seus diferentes tempos de cozimento, me dei conta de que, apesar da intensa atividade física e intelectual, minha mente estava a eons de distância, numa espécie de “meditação dinâmica” – enfim, lanço aqui também o conceito, com a receita descolada.

Dedico o prato aos mestres Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, compositor e letrista de Qui nem jiló, um dos clássicos da Era do Rádio, do ano redondo de 1950.

Ouçam aqui

https://www.youtube.com/watch?v=CzBnMePEIk8

E a letra:


Qui nem Jiló

Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira

Se a gente lembra só por lembrar

O amor que a gente um dia perdeu

Saudade inté que assim é bom

Pro cabra se convencer

Que é feliz sem saber

Pois não sofreu

Porém se a gente vive a sonhar

Com alguém que se deseja rever

Saudade, entonce, aí é ruim

Eu tiro isso por mim

Que vivo doido a sofrer

Ai quem me dera voltar

Pros braços do meu xodó

Saudade assim faz roer

E amarga qui nem jiló

Mas ninguém pode dizer

Que me viu triste a chorar

Saudade, o meu remédio é cantar

Saudade, o meu remédio é cantar

Ai quem me dera voltar

Pros braços do meu xodó

Saudade assim faz roer

E amarga qui nem jiló

Mas ninguém pode dizer

Que me viu triste a chorar

Saudade, o meu remédio é cantar

Saudade, o meu remédio é cantar