Edilberto Coutinho |
Quero fixar aqui a lembrança do Edilberto que conheci nos anos 40 no edifício Marina, em Curitiba, onde éramos vizinhos. O Marina era um pequeno prédio de dois pavimentos com quatro apartamentos, dois por andar: minha família morava no 1, que ficava à esquerda no térreo; os Coutinho no apartamento 4, no andar de cima à direita. Na verdade, Edilberto morava com a irmã, Iolanda, casada com o engenheiro e professor José Pitella Junior. Ela acabaria entrando para o folclore do alto da Carlos de Carvalho por uma explosão temperamental que lhe valeu um apelido para o resto da vida. Telefones eram muito raros na época e minha família se orgulhava daquele aparelho de design clássico, preto de baquelite, e da linha cujo número nunca esqueci: 3549. A irmã mais velha do Edilberto usava nosso telefone por cortesia, mas esse tipo de gentileza estava fadado a acabar mal, principalmente levando em conta o choque cultural paraibano-paranaense. Um dia, dona Iolanda interpretou mal um comentário de minha mãe e subiu nas tamancas: “Tá bom, eu não preciso mesmo desse telefone de bosta!” Passou a ser conhecida então como “Dona B.O.”
Já Edilberto surpreendeu nossa turminha – tínhamos dez anos, ele já andava pelos catorze – com uma declaração insólita depois de assistir a um filme de sucesso da época, Amar foi minha ruina (1945). Confessou para nós que gostaria de ser Gene Tierney na cena famosa em que a estrela simula uma queda acidental na escadaria da sua mansão para abortar a criança que – na sua ótica ciumenta patológica – a separaria do marido, Cornel Wilde. Ela já havia levado o irmão mais moço do mocinho a se afogar num lago. Doente de ciúmes do relacionamento da meia-irmã com o marido, recorre a uma saída extrema: suicida-se com arsênico, incriminando os dois e levando-os a julgamento por homicídio.
Chocou-nos o apego de Edilberto a uma heroína tão deletéria. Em nossa inocência, éramos incapazes de apreender os delicados mecanismos da projeção homoerótica na figura feminina. Este episódio remoto voltou à minha memória ao rever agora Amar foi minha ruina no volume 17 do Filme Noir da Versátil, o primeiro noir em technicolor da série. Velhos filmes, de certa forma, nos trazem de volta fatos e pessoas longamente esquecidos...
Um comentário:
Interessante você ter citado o caso do telefone, que realmente ter um telefone em casa era um fato fantástico. Na década de 40, na casa de minha avó, tinha um telefone de parede e a coincidência é que também até hoje não me esqueço do número: 3477. Mas ter um telefone, não significava que você poderia se comunicar com o mundo a qualquer hora. No caso, morávamos em Niterói, e para falar com o Rio de janeiro, era preciso falar com uma telefonista, que então marcava a hora para essa ligação ser realizada. Para falar com qualquer município, aí então era desesperador, porque às vezes a ligação era marcada para o dia seguinte. Isso era desesperador. Na verdade você tinha um telefone, que para falar com qualquer pessoa se transformava em uma tragédia.
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